“O Alcatraz dos Jacarés vai fazer ‘check-in’ de centenas de imigrantes ilegais criminosos esta noite”, disse na quarta-feira o procurador-geral republicano da Flórida, James Uthmeier, na rede social X. “Próxima paragem: de volta para onde vieram”, adiantou, aludindo à sua deportação dos Estados Unidos.
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O centro foi instalado em apenas oito dias, numa pista de aterragem na região pantanosa dos Everglades.
Conta com mais de 200 câmaras de segurança, mais de 8.500 metros de arame farpado e 400 agentes de segurança.
O Presidente norte-americano, Donald Trump, participou terça-feira na inauguração do centro de detenção, ironizando que os imigrantes que tentem fugir do local correm o risco de serem atacados por animais selvagens. Quando questionado pelos jornalistas sobre se o objetivo do centro de detenção de imigrantes era, em caso de fuga, serem atacados pelos répteis, Donald Trump respondeu: “É esse o conceito.”
“As cobras são rápidas, mas os jacarés (…). Vamos ensiná-los a fugir de um jacaré, ok?”, afirmou Trump, num tom jocoso.
As autoridades estaduais afirmaram que a “Alcatraz dos Jacarés”, centro que descreveram como temporário, contará com tendas e roulottes, permitindo ao estado adicionar 5.000 camas de detenção de imigrantes até ao início de julho e libertar espaço nas prisões locais.
Tal como noutros centros semelhantes no país, as autoridades pretendem deter temporariamente os imigrantes ilegais enquanto aguardam deportação do país.
O nome Alcatraz remete para a histórica prisão ao largo da cidade californiana de São Francisco, num rochedo no mar para onde foram durante décadas enviados alguns dos maiores criminosos do país.
Para o governador da Flórida, Ron DeSantis, e outras autoridades estaduais, o isolamento do aeródromo nos Everglades, rodeado de zonas húmidas repletas de mosquitos, cobras venenosas e jacarés, consideradas sagradas para as tribos nativas americanas, torna-o um local ideal para deter imigrantes ilegais.
“Claramente, do ponto de vista da segurança, se alguém escapar, sabem, há muitos jacarés”, disse DeSantis, que foi um dos principais rivais de Donald Trump na nomeação presidencial pelo Partido Republicano em 2024.
O futebolista português Diogo Jota, de 28 anos, esteve envolvido esta madrugada num acidente de viação na A52, em Cernadilla, Zamora, em Espanha. Na viatura seguia também o seu irmão, de 26, que também perdeu a vida.
A notícia foi avançada pelo jornal espanhol A Marca, que adianta que o acidente ocorreu ao quilómetro 65 da A52, perto da localidade espanhola de Palacios de Sanabria.
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Ter-se-á tratado de um despiste seguido de incêndio.
Numa brincadeira que circula nas redes sociais, o professor pergunta num teste: “Que nome se dá à Ciência que classifica os seres vivos?” E o aluno responde: “Racismo.” Somos todos Homo sapiens sapiens e não coexistimos com mais nenhuma subespécie humana. Para a Ciência, não existem raças, uma vez que os seres humanos partilham 99,9% do ADN, não justificando a sua divisão.
Certamente haverá uns mais sapiens do que outros, uns mais altos e outros mais baixos, uns com a pele mais clara e outros com a pele mais escura – são as diferenças de fenótipos que estão nos 0,1% restantes do ADN. As raças são uma construção social altamente influenciada pelo contexto em que vivemos.
Ainda que sem nenhuma base genética nem biológica, o facto é que a classificação do ser humano por raças, feita pelo antropólogo alemão Johann Friedrich Blumenbach, no século XIX, ainda permanece no imaginário dos povos europeus. Eram cinco, dizia ele, a caucasoide, a mongoloide, a etiópica, a americana e a malaia. Sendo que o “tipo” humano perfeito, para o alemão, se encontrava nas montanhas do Cáucaso.
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Mas se a Ciência nos conta uma história, a de que partilhamos 99,9% do ADN, a política sempre nos contou outra e seguimos num mundo em que a partilha de 99,9% dos direitos humanos é ainda uma miragem. No nosso país, por exemplo, encontramos várias “subespécies” de pessoas que não têm direito a algo tão básico como a família.
O Governo quer alterar a Lei de Estrangeiros, que permite o reagrupamento familiar de quem cá está com título de residência, desde que tenha entrado no País de forma legal – a proposta do Executivo de Luís Montenegro é a de que tenham de esperar dois anos, com título de residência, para poderem ter consigo a família.
O mundo é feito de fronteiras e podemos deixar de lado a utopia cristã de que somos todos filhos de Deus – “crescei e multiplicai-vos”, uma conta que não fala em divisões – para ter uma conversa séria e moderna sobre a necessidade de criar uma política de imigração regulada dentro dos muros europeus. Mais difícil de entender é a proposta governamental de que, entre a “subespécie imigrante”, haja Homo sapiens sapiens que podem trazer a família e outros não.
Como é que se faz esta distinção? Quem é profissional altamente qualificado ou quem tenha um Visto Gold pode trazer a família de imediato. E aqui está a principal “característica” que não aparece nos 0,1% do ADN que não partilhamos, mas é um fator distintivo definitivo e universal: já nem é a cor da pele, mas o tamanho dos bolsos.
Já dizia Durão Barroso, nosso ex-primeiro-ministro e ex-presidente da Comissão Europeia: “Há limites para o multiculturalismo.” Uma coisa são as grandes multinacionais que espalham pelo mundo a sua monocultura – como o Goldman Sachs, o banco de investimento do qual Durão Barroso foi presidente não executivo –, outra é juntar mais línguas a esta Torre de Babel que já é a Europa.
O que mina a discussão sobre a imigração – que se quer séria, responsável, gentil, para não semear ódios nem incitar à violência e ao racismo – é o reino da hipocrisia.
Como ter agora o Chega a fazer a defesa das mulheres, outra “subespécie” humana, contra o uso de burkas. Como se os seus deputados não fossem dos maiores bullies contra as mulheres na Assembleia da República. O que sobra disto para a sensatez?
“Temos de dar a oportunidade ao eng. Sócrates para provar a sua inocência, a ele e a todos os cidadãos.”
Isto foi dito por Amadeu Guerra, procurador-geral da República, na primeira entrevista de fundo que concedeu. Apenas surpreendendo quem anda distraído, foi a um podcast chamado Justiça Cega – alojado no espaço do Observador –, que tem como autor uma espécie de porta-voz oficioso do Ministério Público.
Começo pelo fim: em qualquer democracia liberal, em qualquer país onde houvesse o mínimo respeito pelas instituições, em qualquer sítio onde houvesse o mínimo de cultura democrática, esta afirmação do PGR teria levantado um tumulto.
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Os principais dirigentes políticos poriam em causa o conhecimento dos mais essenciais pilares do Estado de direito do responsável pelo órgão constitucional que detém a ação penal, quem olha pelo regular funcionamento das instituições chamaria de imediato o PGR para que ele esclarecesse as suas afirmações, organizações de direitos cívicos fariam abaixo-assinados.
Ainda esperei que os atuais candidatos à Presidência da República dissessem alguma coisa, nomeadamente Gouveia e Melo, que tem como mandatário alguém que se tem destacado na luta pela dignificação da Justiça, mas nada. Dos sindicatos dos magistrados do Ministério Público e dos Juízes não esperava nada e nada veio, claro.
Não consigo explicar como se chegou ao limite de num texto qualquer escrito no século XXI ser necessário referir que dizer-se que se deve dar oportunidade a alguém de provar a sua inocência é regredir séculos e séculos na conquista de direitos fundamentais. Que não há nada de mais essencial numa democracia liberal do que a obrigatoriedade absoluta de ser o todo-poderoso Estado a provar que alguém cometeu um crime e não o cidadão ter de demonstrar que está inocente. Que o princípio da presunção da inocência e o da não inversão do ónus da prova são inegociáveis.
Aliás, são “uma das grandes heranças da revolução constitucional contra o Antigo Regime e o princípio inquisitorial”, como lembra o professor de Direito Constitucional Vital Moreira num texto sobre este assunto no blogue Causa Nossa – o único texto que li sobre estas declarações de Amadeu Guerra.
Bem sei que estamos na época em que se defendem coisas como a chamada lei do enriquecimento ilícito, que não passa de uma inversão do ónus da prova mal encapotada, mas chegar ao cúmulo de ver um PGR a dizer alto e em bom som que “se deve dar oportunidade de provar a inocência” vai para lá do imaginável.
Resumamos a questão: quando for o cidadão a ter de provar a sua inocência e não o Estado a provar que é culpado, já não há democracia liberal.
Basta aparecer Sócrates numa frase para tudo se perdoar. Já não são precisos direitos de defesa, acusações, julgamentos e tudo a que qualquer cidadão tem direito
Amadeu Guerra não desconhecerá estes princípios fundamentais. Vamos então imaginar que se enganou, que não queria dizer o que realmente disse, apesar do título que o autor do podcast escolheu ter sido “Sócrates tem direito a provar a sua inocência”. Porquê aguardar então para vir esclarecer o que ficou tão claro? E, insisto, porque será que ninguém politicamente responsável veio pedir esclarecimentos?
A resposta à segunda pergunta é fácil: a cobardia impera. Não têm sido os nossos principais políticos cúmplices de todos os atropelos que os setores maioritários do Ministério Público têm protagonizado? Não têm desviado o olhar quando há ministros a serem escutados durante quatro anos, quando se derrubam governos sem que se perceba porquê, quando há políticos que são eternos suspeitos, quando aparecem escutas chapadas em tabloides gentilmente fornecidas por quem investiga, quando presidentes da câmara são investigados por escolherem sem concurso chefes de gabinete, etc., etc., etc…
Pois é, podia surgir uma averiguação prévia num momento importante que a PGR se encarregaria de anunciar ou, quem sabe, uma qualquer investigação a uns negócios quaisquer. Ninguém acredita em bruxas, mas que as há, há.
Depois, basta aparecer Sócrates numa frase para tudo se perdoar. Já não são precisos direitos de defesa, acusações, julgamentos e tudo a que qualquer cidadão tem direito. Eu e muitos portugueses estamos convencidos da sua culpabilidade legal, mas chegava-nos a confissão dos empréstimos e coisas semelhantes para o acharmos indigno de exercer os cargos que ocupou. Daqui até acharmos que ele tem de provar a sua inocência vai um tiro de canhão. Porém, há quem ache que basta um passo de anão.
Num aspeto Amadeu Guerra tem razão e até pode ser que tenha sido esse subconsciente a rasteirá-lo. Não faltam casos, normalmente de políticos e de “poderosos”, que não precisam de julgamento para já terem sido sentenciados. Um arguido que já viu as suas mensagens escarrapachadas na imprensa, que foi levado para interrogatório com o acompanhamento duma televisão, que andou a ser cozinhado em lume brando durante anos bem precisa do julgamento para provar a sua inocência, de facto. Infelizmente, nem isso lhe vale.
A Justiça chegou a um estado tal que já ninguém parece ligar, mas algo grave se passa. Não admira.
Um ET acaba de aterrar, com estrondo, no cenário político dos EUA. Chama-se Zohran Kwame Mamdani, tem 33 anos, é muçulmano e socialista, e ganhou no passado dia 25 as primárias do Partido Democrata para se candidatar à presidência da câmara de Nova Iorque nas eleições gerais de 4 de novembro. E atente-se que derrotou um adversário de peso – Andrew Cuomo, ex-governador de Nova Iorque entre 2011 e 2021, quando se demitiu na sequência de um escândalo sexual, mas que tentou um regresso político com o apoio de nomes como os do ex-Presidente Bill Clinton e do ex-presidente da câmara Michael Bloomberg, além de generosas doações financeiras para a sua campanha de grandes proprietários da cidade e bilionários ligados a fundos especulativos. Com quase todos os votos escrutinados (cerca de um milhão), porém, já Mamdani batia claramente Cuomo: 43,5% contra 36,4 por cento.
Como foi possível um jovem deputado estadual, assumidamente socialista, ganhar aquelas eleições e posicionar-se enquanto possível futuro presidente da câmara de Nova Iorque (se o conseguir, será o primeiro muçulmano a exercer a função), a “capital do capitalismo”, como Wall Street designa a cidade? Zohran Mamdani parecia ter tudo contra ele, nestes tempos polarizados pelo trumpismo. Para lá das suas convicções políticas, possui o estigma de migrante de ascendência indiana (é filho de Mira Nair, hoje uma conceituada cineasta, e do professor Mahmood Mamdani, que leciona na Universidade de Columbia – ambos antigos alunos de Harvard) que nasceu na africana Kampala, capital do Uganda. A família emigraria para a África do Sul, tendo vivido na Cidade do Cabo, e depois rumou a Nova Iorque, quando Zohran tinha apenas 7 anos. Mamdani reúne, pois, todos os anticorpos que enfurecem a Administração Trump.
Parece impossível até que seja feito
Quando ganhou as primárias democratas em Nova Iorque, citou Mandela
Há quatro meses tinha 1% nas sondagens para as primárias democratas de Nova Iorque e hoje é o surpreendente rosto do movimento socialista democrático nos EUA. Foi na rua, explicando cara a cara ao povo as suas propostas, e nas redes sociais, que domina (hoje tem mais de um milhão de seguidores no TikTok, no Instagram, no X e noutras plataformas), que deu a volta às adversidades – e venceu. Figura limpa de controvérsias éticas ou casos de corrupção, construiu uma campanha com uma mensagem clara, concisa e simples, dirigida às necessidades das pessoas comuns, ao invés de expressar posições políticas complexas, o que superou a bem financiada investida de Cuomo.
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Existe quem veja em Mamdani uma versão de esquerda de Donald Trump ou um herdeiro do progressista Bernie Sanders, seu fervoroso apoiante, ao lado de Alexandria Ocasio-Cortez, da ala socialista do Partido Democrata. O certo é que, nas semanas seguintes às presidenciais de novembro de 2024, Mamdani visitou os bairros onde Trump teve o melhor resultado de um republicano em décadas. Em Nova Iorque, um bastião democrata, ouviu elogios a Trump, que fala do custo de vida e das dificuldades dos trabalhadores. Descontraído, bem-humorado e com a sua figura elegante de barba impecável, respondeu, ali e em todo o lado, com o foco da sua campanha: controlo do preço da habitação, autocarros gratuitos, cuidados de saúde, creches para todos e mercearias municipais em cada bairro. Nunca saiu da sua agenda, mesmo quando a governadora do estado de Nova Iorque, a democrata Kathy Hochul, se manifestou contra a proposta de Mamdani de aquelas medidas serem pagas por um aumento dos impostos sobre os mais ricos. E foi assim, sem deixar que nada nem ninguém o desviasse do seu programa, que mobilizou novos eleitores (muitos deles jovens e com pouco histórico de participação política) e teve capacidade de chegar a bairros e comunidades por tradição menos permeáveis a propostas progressistas.
Na campanha, Cuomo centrou os seus ataques na inexperiência política do jovem deputado estadual. Mas Mamdani respondeu com a sua vocação de serviço público e de preocupação com o outro: antes de entrar na política, trabalhou como conselheiro habitacional, ajudando moradores de Queens com baixos rendimentos a travar despejos. Envolveu-se a fundo, aliás, na organização de inquilinos em diversas comunidades, assim como defendeu reivindicações de taxistas em dificuldades financeiras. Já quanto ao talento político, diz tudo a prova de fogo que agora superou. Para Mamdani, há uma lição coletiva a tirar: “A questão sobre para onde devemos levar o partido e porque certas abordagens já não funcionam tem aqui uma resposta: ideias ambiciosas, escaláveis, falar com respeito com as pessoas, incluir o maior número possível no movimento, bater a todas as portas.” E cita Mandela: “Parece impossível até que seja feito.”
A Microsoft confirmou que vai avançar rapidamente com uma nova ronda de investimentos, desta feita muito focada na divisão Xbox, conhecida por Microsoft Gaming. De acordo com o relatado pelo Seattle Times, vão ser despedidos até 9100 trabalhadores, embora ainda não se conheçam os números exatos por equipa.
Phil Spencer, o líder da Xbox, enviou uma mensagem interna para os funcionários a justificar que “para posicionar a Gaming para um sucesso duradouro e permitir-nos focar em áreas estratégicas de crescimento, iremos diminuir o trabalho em certas áreas do negócio e seguir a liderança da Microsoft em remover camadas de gestão para aumentar a agilidade e eficácia”.
Segundo notícias recentes, a King (que produz o Candy Crush) vai despedir 10% da força de trabalho (cerca de 200 funcionários) e a Rare também vai ser afetada com o cancelamento do título Everwild, que foi anunciado em 2019.
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Recorde-se que há menos de dois meses a Microsoft anunciou que iria cortar seis mil postos de trabalho e, mais tarde, avançou com 305 reduções. Em janeiro de 2024 foram despedidas 1900 pessoas da Activision Blizzard e da Xbox, a que se seguiram vários encerramentos de estúdios e mais mil despedimentos nas equipas HoloLens e Azure em junho.
John Moolenaar (Republicano) e Raja Krishnamoorthi (Democrata) solicitaram ao Departamento do Comércio dos EUA que investigasse a OnePlus sobre as alegações de que os aparelhos da empresa estão a transmitir dados para servidores na China sem o consentimento dos utilizadores.
A acusação não se faz acompanhar de quaisquer dados, mas estes representantes políticos alegam ter visto documentação de uma “empresa comercial” que sugere que a OnePlus realiza estas práticas. Numa alegação inicial, sugere-se que as transferências de dados incluem potencialmente informação pessoal sensível e capturas de ecrã.
O Engadget destaca que é utilizado o termo “potencialmente”, que pode fazer toda a diferença no caso. A confirmarem-se estas suspeitas, resta perceber o motivo pelo qual o governo dos EUA não terá recomendado aos cidadãos que deixem de usar telefones da marca chinesa.
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Recorde-se que também a TikTok e a ByteDance foram acusadas de ter uma prática semelhante, de enviar dados para a China sem autorização ou conhecimento dos utilizadores.
Trump é imperador eleito. Musk quer sê-lo por direito de génio. Não são aliados — chegaram a parecer — mas a luta pelo Trono do Poder nos Estados Unidos lançou-os num duelo imperial. E, como nas grandes tragédias políticas, a ambição é o motor da discórdia.
Donald Trump ameaça agora deportar Elon Musk. Sim, leu bem: deportar. O herói da tecnologia, o visionário da Tesla, o senhor do X (antigo Twitter), transformado em persona non grata pela Casa Branca. E Musk? Tranquilo. Indiferente. Diz que não perde o sono.
Trump ensaia uma nova estratégia: chama-se engenharia reversiva. O DOGE — Departamento que pretende reduzir o peso e o desperdício do Estado Federal — pode engolir este incómodo herdeiro. A lógica é simples: quem não alinha, que se proteja. Começaram aos abraços e beijos políticos, separaram-se ao primeiro desacordo, e agora, cada um afia as suas facas. Um Trono não se partilha.
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Mas Musk tem um problema estrutural: nasceu na África do Sul. Não pode, de acordo com a Constituição, ser presidente dos Estados Unidos. E como a América ainda não anexou Joanesburgo, o sonho da Sala Oval fica, por ora, arquivado.
Importa lembrar — como na série Game of Thrones, onde todos se traem, se odeiam e se reconciliam sem aviso — que com Trump e Musk tudo é possível. Paixões fulminantes, rompimentos dramáticos, alianças de ocasião. No limite, batalham por um Trono que manda fazer campos de concentração na Florida para deportar ilegais. É o novo Império. Sem vergonha. Sem limites.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
O nosso principal compromisso, em cada edição, é com os leitores. Tanto com os assinantes fiéis que nos seguem há décadas como com os mais recentes, no papel ou no digital. É assim que encaramos o jornalismo: um serviço a quem nos lê.
Apesar do momento difícil que atravessa a Trust in News (TiN), empresa proprietária da VISÃO, queremos continuar a servir os nossos leitores – aqueles que, ao longo de uma história com mais de três décadas, fizeram crescer a VISÃO, consolidando-a como um título de informação respeitado e credível.
Na semana passada, conforme explicámos neste mesmo espaço, saímos para as bancas com uma edição assumidamente com menos páginas e com uma estrutura diferente da habitual – em plena greve por tempo indeterminado dos trabalhadores da TiN, em protesto contra os salários em atraso. Fizemo-lo por duas razões: para, como acreditamos, “salvar” a VISÃO do encerramento imediato, por falta das receitas da venda em banca; e para, de forma séria e transparente, demonstrar aos leitores as deficiências e lacunas de uma revista quando é feita sem o habitual empenho e a colaboração de toda a redação. Assumidamente, quisemos exibir os efeitos da greve e, em simultâneo, manter o contacto com o nosso público.
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A mensagem foi percebida pelos leitores, como se demonstra aqui em baixo, com algumas das muitas cartas e mensagens que nos chegaram nos últimos dias. Entre palavras de solidariedade e de ânimo, os leitores pedem-nos para continuarmos a respeitar o compromisso que temos com eles. E dão-nos alento para não baixarmos os braços e continuarmos a lutar pela VISÃO e pelo seu papel como órgão de comunicação social de referência e qualidade.
Não podem continuar a existir salários em atraso na redação da VISÃO, reafirmamos. Concordando, sem reservas, com os pressupostos dessa luta, entendemos, porém, que a solução não passa por privar os leitores da VISÃO. É com eles o nosso primeiro compromisso. E é por eles que aqui estamos novamente, com força redobrada e empenho de muitos camaradas de redação, a manter viva a VISÃO. É essa a luta que queremos travar!
Solidários com a VISÃO
Solidariedade Sou assinante da VISÃO e do JL e compro ao mesmo tempo as duas publicações em papel. E ainda compro a Biografia e a História. Que mais posso fazer para ajudar a salvar essas revistas? Não podemos cruzar os braços. Um agradecimento muito particular aos que na última semana tomaram em mãos fazer a revista, apesar de compreendermos a greve que os outros legitimamente decidiram fazer. Às vezes, é por respeito aos que servimos que valores mais altos se levantam. E isto não tem paga. Assim os que têm responsabilidade de salvar o melhor jornalismo respondam depressa e percebam que sem ele não é possível ter uma informação livre. Um grande abraço a todos nessa redação – Heitor Ribeiro
A VISÃO faz falta Sou leitora da VISÃO desde o seu 1.º número! Venho desejar a todos que nela trabalham muita força para ultrapassarem este período difícil. O vosso trabalho é extremamente importante, porquea VISÃO faz falta! – Emília Hora
Respeito Os jornalistas e administrativos da VISÃO merecem o nosso respeito. Não é fácil manter uma publicação escrita em tempos de crescente audiência de novas tecnologias. Muitas edições deixaram os colarinhos brancos em sobressalto. Não é fácil chegar ao fim do mês e o ordenado completo não entrar na conta bancária. Um emprego sem perspetivas de futuro é assustador. No entanto, acho que não é não publicando a revista que os problemas se resolvem. Espero que os ordenados em atraso façam parte do passado. Espero que a VISÃO não abrace a saudade. – Ademar Costa Póvoa de Varzim
Abraço de solidariedade
Em relação ao texto A VISÃO merece a confiança, saído na revista anterior, venho por este meio dar o meu grande apoio à luta que os trabalhadores do grupo Trust in News, nomeadamente da VISÃO, estão a encetar para a viabilidade e a continuação da publicação da “nossa” revista. O possível desaparecimento da VISÃO seria mais uma machadada no setor da comunicação social independente, nomeadamente a escrita. Sou leitor da VISÃO, praticamente desde o primeiro número. Naturalmente que tenho algumas críticas a fazer, não concordo com tudo o que é escrito ou com algumas partes da revista. Mas, no essencial, a minha opinião é positiva e far-me-ia muita falta se a VISÃO deixasse de aparecer nas bancas. Tenho muita esperança de que a vossa vontade, a vossa força e a vossa luta deem os frutos que muita gente, que ainda acredita na verdade, anseia e que é a continuação da VISÃO. Há dois órgãos de comunicação social (VISÃO e Público) que se desaparecessem estávamos “tramados”! Um grande abraço de solidariedade. – Luís Filipe Mesquita Covilhã
Força! É preciso reagir contra tudo o que atrofia e estrangula a liberdade de imprensa e todas as outras. Força!!! Cá estamos à espera para retomar a leitura da melhor revista, da qual sou assinante e defensora indefetível desde a primeira hora! – Maria João Leite, Braga
Costuma-se dizer que ninguém é insubstituível, uma frase feita mais pragmática do que verdadeira. Desconfio de que o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa, como escreve Carlos Drummond de Andrade em Igual-desigual, poema que termina com os versos “Todo o ser humano é um estranho/ ímpar”.
Hoje, encontro mais camadas nesse poema e sorrio ao perceber a ironia do grande, enorme, poeta brasileiro, mas na adolescência impressionou-me sobretudo ler que “a morte é igualíssima”, o superlativo absoluto sintético a vincar a inevitabilidade de, no fim, não passarmos todos de pó.
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Claro que a Terra continua a girar em torno de si mesma e indiferente à falta que determinadas pessoas nos fazem, a nós ou ao mundo em geral, mas gostava de poder agora ler Truman Capote sobre o casamento do bilionário norte-americano Jeff Bezos, de 61 anos, com a ex-jornalista Lauren Sánchez, de 55, festejado no último fim de semana de junho, em Veneza. Quem melhor descreveria os três dias de extravaganza gozados pelos cerca de 250 convidados do casal do que o escritor que se atreveu a revelar fofocas e detalhes íntimos de um grupo de mulheres elegantes e influentes então suas amigas?
Ostentar o… amor? “Kisses yes, Bezos no”, leu-se num cartaz durante os protestos ao casamento extravagante do fundador da Amazon e da ex-jornalista Lauren Sánchez, no passado fim de semana, em Veneza EPA/ANDREA MEROLA
Imagino como seria assassino um artigo do autor de A Sangue Frio sobre a festa de espuma que o fundador da Amazon deu no seu megaiate Koru, avaliado em quase 500 milhões de euros, uns dias antes de chegar à cidade dos canais. “Uma tentativa falhada de tentar parecer cool, caro mr. Bezos”, escreveria, depois de o ver nas fotografias ridículas com Lauren que apareceram logo nas redes sociais?
O filho da noiva, Evan, fazia 19 anos, mas não ficou claro se a espuma no convés e as bolas de praia gigantes azuis, cor-de-rosa e amarelas no mar eram em sua homenagem, porque estava pouca gente jovem na festa. Certo é que a maioria das pessoas seria vista nos dias seguintes em Veneza e que Capote, estivesse ele vivo na sexta-feira, 27, haveria de dissecar o menu do copo-d’água, à procura de sinais exteriores de genuína riqueza.
Os 20 a 25 milhões de euros que terão custado os três dias de festa em Veneza, incluindo a estada dos cerca de 250 convidados em hotéis de luxo, apenas lascaram o património do patrono da Amazon
O escritor norte-americano, desaparecido em 1984, dizia que aquilo que distingue os “verdadeiramente ricos” dos “meramente ricos” são os melhores legumes que servem: os “pequeninos”. O jantar, cozinhado por Fabrizio Mellino (um jovem chefe com três estrelas Michelin), incluiu esparguete alla Nerano, uma receita à base de courgettes fritas e de provolone que a família Mellino oferece há várias gerações no restaurante Quattro Passi, na costa amalfitana. É provável que não tenha havido minilegumes, mas Capote não precisava da prova dos nove – com certeza saberia que Jeff Bezos faz parte do clube dos obscenamente ricos.
O bilionário detém atualmente cerca de 9% da Amazon, após ter transferido parte da sua participação para a ex-mulher, MacKenzie Scott, é proprietário do jornal Washington Post e da empresa aeroespacial Blue Origin. Segundo a revista Forbes, os seus 198,6 mil milhões de euros, uma fortuna que uma pessoa comum tem dificuldade em imaginar, fazem dele o quarto homem mais rico do mundo.
Truman Capote também saberia do gosto de Bezos para a ostentação, mas, mais do que apontar-lhe esse sinal de novo-riquismo (dinheiro é dinheiro, so what?, imaginamo-lo a dizer), talvez comentasse o local escolhido para a cerimónia de casamento: a Fundação Giorgio Cini, sediada num antigo mosteiro beneditino, na pequena ilha de San Giorgio Maggiore. Os monges beneditinos são conhecidos pela oração, o trabalho, o silêncio e a humildade, renegando a exibição de riqueza. A Bíblia, aliás, condena a ostentação.
Revolta em Veneza
Religião à parte, o mundo está a ficar cansado da extraordinária divisão de riqueza entre os super-ricos e os outros – nós. Não admira, por isso, que quatro dias antes do “sim” de Jeff e Lauren, exatamente do outro lado da lagoa, em plena Piazza San Marco, a cara do noivo tenha surgido numa faixa gigante desfraldada por ativistas do grupo ambientalista internacional Greenpeace e do movimento Everyone Hates Elon, sediado no Reino Unido, sob a frase “Se pode alugar Veneza para o seu casamento, pode pagar mais impostos”.
O palco de todos os protestos
epa12203396 People take part in a protest ‘No Space for Bezos’ a day after the wedding of Jeff Bezos and Lauren Sanchez, in Venice, Italy, 28 June 2025. EPA/ANDREA MEROLA
Os residentes de Veneza queixam-se do turismo massificado e da falta de habitação. Os ambientalistas lembram que a cidade está a afundar-se. E os ativistas pedem: “Taxem os super-ricos!”
A contestação começou a ser organizada mal se confirmou que o casamento do fundador da Amazon com a ex-jornalista Lauren Sánchez ia realizar-se em Veneza, entre os dias 26 e 28 de junho.
Logo no início do mês, a cidade foi invadida por cartazes com frases como “No tempo que leva a ler esta mensagem, a riqueza de Jeff Bezos aumentou mais do que o seu salário mensal”.
Mais perto das celebrações, grupos de ativistas como o No Space for Bezos, organizaram manifestações para expressar a sua insatisfação com a forma como os bilionários utilizam a Serenissima como palco para as suas festas privadas.
O protesto também envolveu preocupações sociais e ambientais.
Os residentes queixaram-se de viver sob a pressão do turismo massificado e de serem empurrados a contragosto para terraferma. E os ambientalistas lembraram que Veneza continua a afundar-se cerca de dois milímetros por ano. “Enquanto Veneza se afunda sob o peso da crise climática, os bilionários festejam como se não houvesse amanhã nos seus megaiates”, criticou a ativista da Greenpeace Clara Thompson.
O ator Leonardo DiCaprio, que é o mensageiro da paz das Nações Unidas para as alterações climáticas e ativista ambiental de longa data, esteve em Veneza como convidado, entre o aterrar e o levantar de mais de 90 jatos privados ao longo dos três dias de celebrações.
Essa foi uma das incoerências apontadas pelos habitantes da cidade que também lembraram a contradição entre o discurso de Lauren Sánchez sobre as alterações climáticas e o seu estilo de vida, sobretudo desde que começou uma relação com Jeff Bezzos.
O amor não chega para conquistar tudo e todos.
Everyone Hates Elon foi criado este ano para manifestar o “ódio” a Elon Musk, empresário e até há pouco tempo conselheiro de Donald Trump. “Let’s Make Billionaires Losers Again” (vamos tornar os bilionários falhados outra vez) é um dos seus motes, mas ultimamente também tem feito ações a criticar outros super-ricos. Em março, os seus membros espalharam cartazes por Londres, retratando o homem mais rico do mundo a fazer a saudação hitleriana num Tesla. “Este é um momento real em que as pessoas estão fartas de ver bilionários a envolverem-se na nossa política”, defenderam, nas redes sociais.
“Vamos garantir que Veneza não seja lembrada como um local de cartão-postal onde Bezos teve o seu casamento, mas como a cidade que não se curvou aos oligarcas”, discursou, no final de junho, um dos seus membros frente à multidão que se juntou na praça mais emblemática de Veneza a aplaudir a faixa. E, na conta de Instagram do movimento, puseram-se os pontos nos is: “Jeff Bezos paga salários de miséria aos seus funcionários e foge aos impostos. Não admira que possa dar-se ao luxo de fechar metade de Veneza para o seu casamento esta semana. Tributem os bilionários AGORA.”
As maiúsculas sublinham a urgência de fazer algo para mudar o estado das coisas. O patrono da Amazon é só um dos vários bilionários que rivalizam com a riqueza e a influência dos Estados, sem terem recebido o aval do povo. Ao escaparem ao escrutínio e, claro, ao controlo legal ou político, põem em causa a democracia.
“Mais poderosos do que os Estados”, escolheu justamente a jornalista de economia e escritora francesa Christine Kerdellant para título do seu livro sobre seis super-ricos, não surpreendentemente todos homens e todos americanos, que decidem o futuro do mundo. “São eles que moldam e manipulam o presente e o futuro, fingindo preocupar-se com o resto da Humanidade enquanto vivem vidas de luxo”, lembra. “Quem pode travá-los não quer fazê-lo e quem tenta travá-los não consegue.”
Um mundo onde as decisões políticas, económicas e sociais são tomadas exclusivamente por um punhado de bilionários chama-se plutocracia – e não é exatamente o mesmo que oligarquia (ver caixa). Mais do que uma simples concentração de riqueza, é uma forma de governação em que os mais ricos ditam as regras do jogo, lembra Kerdellant. “Se decompusermos o termo, ‘plouto’ refere-se ao deus da riqueza e ‘kratos’ representa a noção de poder.” Historicamente, o fenómeno não é novo. “Os Rockefellers, barões da indústria, também exerceram uma forma semelhante de influência, moldando as leis em seu benefício através de poderosos grupos de pressão”, descreve a escritora. “Mas, hoje, os super-ricos são gigantes da tecnologia que decidem o nosso futuro e a sociedade em que viveremos amanhã.”
Num Olimpo imaginário, Kerdellant coloca lado a lado, graças ao seu poder “sistémico”, Jeff Bezos, tinha de ser, Elon Musk (SpaceX, Tesla, X), Mark Zuckerberg (Facebook-Meta), Bill Gates (Microsoft), Sergey Brin e Larry Page (Google). E não se trata apenas do poder do dinheiro, frisou numa entrevista ao canal de rádio France Info, por altura do lançamento do livro em França, no ano passado.
O movimento Everyone Hates Elon foi criado este ano para manifestar o “ódio” a Elon Musk. “Let’s Make Billionaires Losers Again” (vamos tornar os bilionários falhados outra vez) é um dos seus motes
“Há alguns que também são muito ricos, como Bernard Arnault [presidente e CEO do LVMH, o maior grupo de marcas de luxo do mundo], mas que não estão a tentar impor o seu modelo de sociedade nem a decidir o futuro do mundo”, fez notar a autora de uma vintena de livros, entre os quais Le Suicide du Capitalisme (O suicídio do capitalismo), de 2018. “São simplesmente diretores de empresas que têm certamente o poder de localizar postos de trabalho neste ou naquele país, de ir falar com ministros para tentar obter esta ou aquela redução de impostos ou para impedir um texto que os aborreceria. Mas isto vai muito além disso.”
Guerras e fluxos financeiros
Um exemplo? O Departamento de Defesa dos Estados Unidos andou preocupado com as reações de Musk e com o seu papel na guerra da Ucrânia, “na qual teoricamente deveria desempenhar apenas o papel de fornecedor de acesso à internet”, lembrou a escritora na mesma entrevista.
“Espero que tenham apertado os cintos de segurança enquanto Elon Musk empunhava a sua espada de Dâmocles sobre os departamentos com os quais pretende obter contratos, pagamentos e influência, e pelos quais, de outra forma, seria regulado”, escreveu, por sua vez, a cineasta, escritora e filantropa Abigail Disney, na revista The New Republic, agora no final de junho.
“Vejam como [o fundador da PayPal] Peter Thiel e [o também bilionário e gestor de fundos de investimento] Bill Ackman aplaudem a desmontagem do sistema universitário americano, enquanto preparam os seus planos de negócios para o sistema com fins lucrativos com o qual gostariam de o substituir. Estavam preocupados com a guerra? Bem, o nosso Presidente bilionário tem todo o tipo de ideias novas sobre isso”, alerta a ativista social e membro da família Disney, que está a trabalhar num livro sobre riqueza, poder e privilégio.
A guerra entre Israel e o Irão claro que preocupa particularmente os norte-americanos, embora nos traga a todos de coração nas mãos. Mas o mais desesperante é o facto de ser apenas um dos vários conflitos armados que grassam no mundo – e que têm ou tiveram uma mãozinha de super-ricos. Aproveitando para falar da guerra no Sudão, que se mantém longe das preocupações dos europeus, recorde-se a existência de bilionários como o sheik Mansour bin Zayed Al Nahyan (vice-presidente dos Emirados Árabes Unidos e mais conhecido como o dono do Manchester City), que nos bastidores, tem sido descrito como o “manipulador” das guerras secretas do seu país no estrangeiro – incluindo a do Sudão, sim.
Voltando aos seis super-ricos, todos da área da tecnologia, escolhidos por Christine Kerdellant, lê-se no seu livro agora editado em Portugal pelas Edições 70 que não é apenas por as respetivas atividades florescerem que as suas fortunas batem todos os recordes. “É também porque eles reconfiguraram os fluxos financeiros mundiais a seu favor, com a ajuda dos paraísos fiscais, em detrimento dos países onde exercem as suas atividades.”
Alguns conseguiram até escapar aos impostos, declarando perdas sobre os seus investimentos superiores aos seus rendimentos anuais, escreve a jornalista que podemos ler também no diário económico Les Echos. “Foi o caso de Elon Musk, em 2008, e de Jeff Bezos, entre 2007 e 2011… pouco antes de se tornar, durante algum tempo, o homem mais rico do mundo.”
Bezos caiu, entretanto, para o 4º lugar da lista da Forbes, como já se viu, mas tem mais do que margem financeira para “fechar” Veneza para se casar. Os 20 a 25 milhões de euros que, segundo a mesma revista, terão custado os festejos de três dias na meca dos apaixonados, incluindo a estada dos cerca de 250 convidados em hotéis de luxo pagos pelos noivos e as peças de vidro de Murano que lhes ofereceram, apenas lascaram ligeiramente o seu património.
Mais do que uma excentricidade, o casamento do fundador da Amazon deve fazer-nos pensar. Ostentar riqueza é um insulto para a pessoa comum que passa por dificuldades de toda a ordem. Os super-ricos não deviam estar a fazer alguma coisa para ajudar o resto do mundo? E, uma vez que não o fazem voluntariamente, não estará na altura de os tributar de outra maneira?
A resposta é um SIM em maiúsculas, defende-se na Greenpeace, organização que, como se viu, apontou baterias ao casamento “divorciado da realidade” de Bezos.
Tributar a riqueza extrema
“Não se trata apenas de extravagância, ostentação ou inveja. O que está em causa é o poder, a democracia, a segurança e, acima de tudo, a igualdade. Um passo crucial para a justiça social, climática e ambiental é tributar os bilionários de forma justa”, escreveu Amrita Ranjit, especialista global em Envolvimento Digital para a campanha Partilha Justa na Greenpeace África, no dia 25, no site da organização.
Nos anos 1990, Larry Ellison descrevia o seu estilo de trabalho como “gestão pelo ridículo”, sem temer ser ridicularizado. “A Oracle é gerida por adolescentes. E isso inclui-me a mim”, chegou a dizer o bilionário
“Tributar a riqueza extrema poderia ajudar a enfrentar a crise climática, para não falar de tirar nações da pobreza e financiar escolas e hospitais. Poderia deslocar o poder dos bilionários para as pessoas comuns. Trata-se de mudar o sistema injusto existente para que ninguém possa acumular tanta riqueza”, lembrou. Amrita Ranjit estava de olhos postos na 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, promovida pelas Nações Unidas, que tem estado a decorrer esta semana, em Sevilha, Espanha. “Um momento único na década para mudar o sistema”, antevia.
Logo na terça-feira, 1, Espanha, o Brasil e a África do Sul lançaram uma coligação para fazer avançar os trabalhos sobre a tributação efetiva dos super-ricos, assinalando um apoio crescente às negociações fiscais internacionais nas Nações Unidas que estão a ganhar ímpeto.
“O financiamento é urgentemente necessário para a ação climática e para os serviços públicos, não para viagens espaciais poluentes e casamentos de luxo. Esta nova coligação de governos que trabalham para tributar os super-ricos vem juntar-se à crescente dinâmica global para fazer com que os mais ricos do mundo paguem a sua quota-parte. As pessoas estão fartas de ver a ganância dos bilionários a corroer o ambiente e as comunidades de que dependemos. É altura de os líderes mundiais ouvirem e agirem”, afirmou, então, Fred Njehu, líder político global da Partilha Justa.
Num inquérito encomendado pela Greenpeace Internacional e pela Oxfam Internacional em 13 países, 86% dos inquiridos querem que os governos acabem com as lacunas fiscais que beneficiam os super-ricos e as empresas multinacionais e que utilizem o aumento das receitas para serviços públicos. “Em última análise, apelamos aos líderes mundiais para que apoiem o processo em curso da Convenção Fiscal das Nações Unidas enquanto plataforma multilateral global que irá moldar e determinar o futuro da tributação, assente na equidade e na justiça”, acrescentou Njehu.
Num momento em que 44% da população mundial sobrevive com menos de 6,85 dólares por dia, o casamento de Jeff Bezos abriu os olhos aos mais distraídos e está a ser uma boa oportunidade para passar a mensagem.
“Enquanto ele navega num megaiate avaliado em 500 milhões de dólares, as condições climatéricas extremas deslocaram 824 mil pessoas em 2024 (segundo o Earth.org), mais do que em qualquer outro ano desde 2008”, lembrou Ranjit. “Bilionários como Bezos gastam uma quantia enorme em luxos que o planeta não pode suportar e continuam a ver as suas fortunas aumentar graças a escapatórias fiscais, influência política e exploração das pessoas e do planeta.”
Lembre-se que o fundador da Amazon e vários outros bilionários valem mais sozinhos do que o PIB de países inteiros. “Ao tributar estes super-ricos, os governos poderiam investir em energia e transportes sustentáveis, acessíveis e eficientes, e em todas as soluções climáticas que dizem que não podemos pagar; financiar serviços básicos universais, como cuidados de saúde de qualidade, habitação a preços acessíveis, educação, água e saneamento; e proporcionar proteção social aos mais vulneráveis”, defendeu a mesma especialista.
É utópico? As Nações Unidas, as sondagens, as manifestações e os economistas dizem-nos que a maré está a mudar. E até os próprios super-ricos – bem, pelo menos, alguns deles –, pedem para passarem a ser mais tributados.
A Patriotic Millionaires UK (uma rede apartidária de milionários de vários setores e origens, de todo o Reino Unido) realizou uma sondagem junto dos milionários do país para conhecer as suas opiniões sobre a riqueza e os impostos e concluiu que 80% deles apoiam um imposto de 2% sobre a riqueza superior a dez milhões de libras (11,65 milhões de euros) – e apenas 8% são contra. Mais importante ainda, dos inquiridos que teriam de pagar o imposto sobre a fortuna proposto (os que têm uma fortuna superior a dez milhões de libras), 85% apoiam-no.
O inquérito, cujos resultados foram publicados no início de junho, também revelou que 72% dos milionários do Reino Unido pensam que o governo deveria aumentar os impostos sobre os super-ricos para reduzir os impostos sobre todas as outras pessoas; 76% apoiam impostos mais elevados sobre a sua própria riqueza se isso significar uma sociedade mais estável e igualitária para as gerações futuras; e 81% pensam que é patriótico pagar a sua quota-parte.
Uma nova análise da Oxfam (confederação internacional de organizações não governamentais que atuam no combate à pobreza e à injustiça em mais de 90 países), publicada em vésperas da conferência de Sevilha, trouxe-nos mais uns dados reveladores da urgência de fazer alguma coisa para mudar este estado de coisas.
Quanto custa a desigualdade
Os 1% mais ricos do mundo aumentaram a sua riqueza em quase 29 biliões de euros em termos reais desde 2015. Este valor é mais do que suficiente para eliminar a pobreza anual 22 vezes no limiar de pobreza mais elevado do Banco Mundial, de menos de sete euros por dia, lembra a Oxfam. A riqueza de apenas três mil bilionários aumentou 5,5 biliões de euros em termos reais desde 2015 e representa agora o equivalente a 14,6% do PIB mundial.
Em agosto do ano passado, leu-se num relatório do Tax Justice Network (grupo britânico, constituído por investigadores e ativistas que partilham a preocupação com a evasão fiscal, a concorrência fiscal e os paraísos fiscais) que, se Portugal os taxasse, encaixaria cerca de 3,6 mil milhões de euros.
Segundo as estimativas, o casamento de Bezos iria gerar um impacto económico de cerca de 957,3 milhões de euros, o que equivale a quase 68% do volume de negócios anual de Veneza em turismo
As contas foram feitas com base no caso espanhol, país que tem um imposto dito temporário de solidariedade sobre as grandes fortunas – ou seja, as 0,5% pessoas com património líquido superior a três milhões de euros, a quem é aplicada uma taxa entre 1,7% e 3,5%. Em Portugal, há um ano, havia quase 42 mil super-ricos que seriam abrangidos por uma contribuição semelhante.
Há quem vá ainda mais longe na vontade de mudança. É o caso de Zohran Mamdani, o presumível candidato democrata a próximo presidente da câmara de Nova Iorque, nos EUA, que se diz socialista democrático.
No domingo, 29 de junho, no programa Meet the Press, da NBC News, questionado diretamente sobre se os bilionários deveriam ter o direito de existir, o político riu-se e respondeu: “Não acho que devamos ter bilionários porque, francamente, é muito dinheiro num momento de tanta desigualdade e, em última análise, aquilo de que precisamos é de mais igualdade em toda a nossa cidade, no nosso estado e no nosso país.”
Os comentários de Mamdani surgiram numa altura em que algumas pessoas ricas de Manhattan se afastaram dele pouco depois de se ter tornado claro que seria o presumível candidato do Partido Democrata. Na televisão, o próprio atirou: “Estou ansioso por trabalhar com todos, incluindo os bilionários, para criar uma cidade que seja justa para todos eles.”
No momento em que estávamos a fechar esta edição, o top 5 da Forbes, que é atualizado em tempo real, trazia Elon Musk num primeiro lugar destacado graças aos seus 336,1 mil milhões de euros, seguido à distância por Larry Ellison (224,6), Mark Zuckerberg (215,7), Jeff Bezos (198,6) e Warren Buffett (129,4).
Todos homens, todos americanos e todos nossos velhos conhecidos, à exceção, talvez para alguns, de Larry Ellison, presidente, diretor de tecnologia (CTO) e cofundador da tecnológica de software empresarial Oracle, criada em 1977, da qual detém cerca de 41% das ações. Com 80 anos, aos quais a medicina estética e a tinta de cabelo tiraram uns 15, viu recentemente a sua fortuna aumentar mais 40 mil milhões no espaço de dois dias, na bolsa, catapultando-o para o atual segundo lugar do top da Forbes, ultrapassando o seu arqui-inimigo Jeff Bezos.
Inovadores ou loucos?
Sobre Ellison, a revista destaca que nunca terminou a faculdade, começou por construir bases de dados para a CIA e fez parte do conselho da Tesla de dezembro de 2018 a agosto de 2022. “Quando as pessoas começam a dizer que somos loucos, podemos estar perante a inovação mais importante da nossa vida” é uma das citações mais famosas deste homem que há cinco anos decidiu mudar-se para a ilha havaiana Lanai, que comprou quase toda em 2012, por 300 milhões de dólares.
Se Christine Kerdellant estivesse agora a escrever Mais Poderosos do que os Estados, talvez incluísse o presidente da Oracle na grupeta de seis. A jornalista já sabia que ele também cultiva relações políticas de alto nível – só lhe faltava ocupar um lugar cimeiro entre os super-ricos.
“Um dos oligarcas da imensa corte de Trump acreditava que podia alugar todo o centro histórico de Veneza para si e para os seus amigos milionários, transformando-o na sua Disneylândia pessoal”
Amigo e aliado de Donald Trump, Larry Ellison doou, pelo menos, 20 milhões de dólares para apoiar candidatos republicanos nas eleições de 2022. E, dois anos antes, a Oracle transferiu a sua sede da Califórnia para o Texas, alinhando-se, assim, com a retórica antirregulatória que tem ganhado força entre as grandes fortunas made in Silicon Valley.
Quando Trump tomou posse em Washington, em janeiro deste ano, os super-ricos Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg sentaram-se lado a lado. O francês Arnault, que estava então no top 5 da Forbes, encontrava-se perto, logo atrás de Barack Obama. Faltava Larry Ellison, mas logo no dia seguinte esteve na Casa Branca, quando o Presidente anunciou um investimento de 426 mil milhões de euros em centros de dados de Inteligência Artificial.
Por essa altura, os mentideros de Washington apontavam-no como o bilionário da tecnologia com a segunda maior influência junto de Trump, então atrás de Musk (que, entretanto, se afastou, como se sabe). Porém, poucos o conhecem fora de Silicon Valley.
Plutocratas vs Oligarcas
Parecem ser a mesma coisa, mas comportam diferenças
A origem de “plutocrata” vem da junção dos termos gregos ploutos, que significa riqueza, e kratos, que significa poder. A palavra assim obtida serve para designar pessoas que têm influência no destino na nação em função das suas fortunas. Um exemplo claro da plutocracia no mundo são os apoios dados por multimilionários para o financiamento de campanhas políticas.
A palavra oligarquia também tem origem grega, sendo que oligos significa poucos e arquia significa poder. Mas, embora ambas as palavras tenham nascido na Grécia Antiga, fala-se em plutocracia quando o governo de uma nação é efetivamente exercido pelos grupos mais abastados da sociedade, enquanto a oligarquia pode ter origem num partido político ou mesmo num grupo familiar.
“A plutocracia em 2025, ao contrário das suas antecessoras, não é concebida de forma discreta nos bastidores por dinastias profundamente enraizadas na vida política e económica”, lembra o economista Dieter Zinnbauer, da Copenhagen Business School (CBS), uma das maiores escolas de Gestão da Europa, que trabalha há mais de 25 anos em questões de lobbying para várias organizações internacionais.
“Uma lotaria de um milhão de dólares por dia para aumentar a afluência às urnas de um determinado candidato presidencial? Cem milhões de dólares alegadamente em oferta para a extrema-direita do Reino Unido?”, exemplifica o mesmo especialista. “Não há negação pública e minimização de influência desproporcional e potencialmente altamente corruptora – é uma celebração aberta.”
“Não vai encontrar pessoas com quem falar para isto”, disse um colaborador, quando contactado para uma entrevista pelo The Telegraph. “Ele não gosta de estar à vista do público.”
No entanto, quando se toma conhecimento de Ellison, começa-se a vê-lo em todo o lado, nota o mesmo jornal: “Tem um papel central na abordagem de Trump à Inteligência Artificial, no panorama mediático da América e no destino do TikTok. Embora não tenha um papel formal na nova Administração, tem participado regularmente em reuniões com os conselheiros do Presidente. E, tal como acontece com grande parte do Silicon Valley, Ellison tornou-se cada vez mais ativo na política nos últimos anos.”
Caso Christine Kerdellant quisesse entrar na petite histoire das excentricidades, teria muito com que se deliciar. A começar pelo aspeto de Hugh Hefner-em-formol, herança dos seus tempos de extravagâncias na década de 1990, em que era o único executivo de Silicon Valley que realmente sabia como se divertir. Nesse tempo, Ellison descrevia o seu estilo de trabalho como “gestão pelo ridículo”, sem temer ser ridicularizado. “A Oracle é gerida por adolescentes. E isso inclui-me a mim”, chegou a dizer.
Entre 1987 e 2005, gastou cerca de 200 milhões de dólares na construção e na renovação de uma mansão ao estilo de um pagode japonês, perto de Palo Alto, na Califórnia. Quando a casa foi posta à venda, em 2007, a imobiliária descrevia-a como tendo cerca de oito mil metros quadrados, seis quartos e 7,5 casas de banho (só retrete e lavatório?), uma casa de chá, jardins com passadiços, um lago de carpas e uma cascata num terreno com quase dois hectares. Lanai, a sexta maior ilha do Havai, de que ele é proprietário de 98%, tem um bocadinho mais: 364 quilómetros quadrados.
Há 12 anos, era o melhor exemplo de um seenager: um sénior que se comportava como um adolescente, como se não tivesse o peso da responsabilidade. Quem esperava vê-lo na convenção anual da Oracle, em São Francisco, ficou a saber que se encontrava no seu iate, a tentar ganhar a America’s Cup – o que, aliás, veio a acontecer. E há três anos, decidiu investir mil milhões de dólares na aquisição do Twitter por Elon Musk porque “ia ser muito divertido”.
Em novembro de 2003, o jornalista de investigação Mike Wilson deu-nos um retrato revelador do homem e do ícone, na biografia autorizada The Difference Between God and Larry Ellison: God Doesn’t Think He’s Larry Ellison (A diferença entre Deus e Larry Ellison: Deus não pensa que é Larry Ellison). Um mês depois, o biografado casava-se pela quarta vez, com a romancista Melanie Craft. Hoje, vai na sexta mulher, Jolin (Keren) Zhu, mais nova quase 50 anos, com quem trocou alianças em 2023.
Negócios na Casa Branca
“Agora declaro-vos Donald e Larry” (I Now Pronounce You Donald & Larry, no original), escreveu-se na semana passada do site de notícias Puck, que tem como objetivo assumido cobrir os “quatro centros de poder” nos EUA: Silicon Valley, Hollywood, Washington, D.C. e Wall Street. Se já é sobejamente conhecido que Trump ama multimilionários, a sua ligação (união?) com Ellison só agora começa a dar nas vistas a sério.
“Enquanto os olhos do mundo dos média estão postos nas negociações do acordo CBS-Trump e no seu impacto na tortuosa aquisição da Paramount pela família Ellison, o próprio Larry tem os olhos postos num prémio maior no número 1600 da Pennsylvania Avenue: TikTok e Stargate”, começa o artigo que pisca o olho a quem se lembra do filme de comédia I Now Pronounce You Chuck & Larry (2007), protagonizado por Adam Sandler e Kevin James, dois bombeiros de Nova Iorque que fingem ser um casal homossexual para garantir que Larry, viúvo, possa fazer um seguro de vida para os seus dois filhos.
Segundo o Puck, nas últimas semanas Larry Ellison teve várias reuniões privadas com Trump na Casa Branca. Além da fusão Skydance-Paramount, em cima da mesa da Sala Oval estiveram a popular app/rede social (que o Presidente quer ver separada da sua proprietária, a empresa chinesa de internet ByteDance) e o projeto de Inteligência Artificial anunciado em janeiro deste ano.
Foi também logo no início de 2025 que Trump sugeriu Elon Musk e Larry Ellison como compradores do TikTok. Quanto ao Stargate AI, uma parceria público-privada de grande escala que visa criar as infraestruturas necessárias para o desenvolvimento da Inteligência Artificial nos EUA, é liderado pela OpenAI, a SoftBank, a Oracle e a MGX, envolvendo um investimento de 500 mil milhões de dólares, em quatro anos.
Com Musk caído em desgraça, tudo leva a crer que Ellison, amigo de Trump desde a década de 1990, é agora o seu novo BFF. E o que faz o Presidente dos EUA a um best friend forever? Dá-lhe o poder que o dinheiro, sozinho, não concede.
Em abril, ainda Musk era olhado como grande amigalhaço do atual inquilino do número 1600 da Pennsylvania Avenue, e já no New York Times se escrevia que Trump podia vir a fazer de Larry Ellison o próximo magnata dos média através do… TikTok. Cinco anos depois de quase se ter tornado um proprietário minoritário das operações da popular rede social nos EUA.
Parece anedota, mas o regresso à ribalta do cofundador da Oracle deverá mesmo vir a acontecer graças à compra da app/rede de vídeos. E daí até tentar conquistar o mundo, a pretexto de o melhorar, pode ser um passo.
“A única forma que conheço de me sentir melhor é tornar o mundo melhor”, disse ele à Vanity Fair, em 1997, acrescentando: “Não confundam isso com altruísmo. É egoísmo. Chamem-lhe egoísmo iluminado.”
Quase 30 anos depois, não há hipótese de olhar com romantismo para esta sua citação. Sobretudo porque, entretanto, o mundo fartou-se de girar, a Inteligência Artificial está aí para o que der e vier – e cada vez dá mais – e a maneira como Ellison olha para ela lembra um pesadelo Orwelliano.
Distopia em tempo real
Exageramos? O presidente da Oracle prevê uma época de vigilância total e policiamento por IA. “Vamos ter supervisão. Todos os polícias vão ser supervisionados a todo o momento. E se houver um problema, a IA vai reportar esse problema e comunicá-lo à pessoa adequada. Os cidadãos vão comportar-se bem porque estamos constantemente a gravar e a comunicar tudo o que se passa”, disse numa recente reunião de analistas financeiros da sua empresa.
Eis uma visão distópica para quem não é multimilionário como ele. Só quem vive numa constante bolha de segurança privada, e que muitas vezes até é dono de uma ilha privada, pode ver com bons olhos esta hipótese de a IA ser uma espécie de Big Brother (mais não seja porque manteria “os maus” ao longe).
Os muito ricos não são obviamente iguais a toda a gente. E não é apenas porque o dinheiro não traz felicidade, mas ajuda muito. É porque vivem num mundo à parte.
Se a ideia de repartir a riqueza de uma maneira mais justa é utópica, a vida que eles levam é notoriamente distópica. E o casamento de Bezos que levou à Serenissima ainda mais celebridades do que durante o Festival de Cinema, no Lido, é um bom exemplo.
“Enquanto Veneza se afunda sob o peso da crise climática, os bilionários festejam como se não houvesse amanhã nos seus megaiates”, afirmou a ativista da Greenpeace Clara Thompson, presente na Praça de São Marcos, durante o desfraldar da faixa gigante em que Bezos aparece a rir à gargalhada.
O riso alto e forte do patrono da Amazon é tão invulgar que se transformou num meme. A sua fotografia foi, por isso, uma ideia excelente para chamar a atenção do mundo e, ao mesmo tempo, irritar os próprios habitantes, cuja indignação começou a fazer-se ouvir logo que o presidente da câmara de Veneza, Luigi Brugnaro, confirmou, em março, que o empresário queria casar-se na cidade.
Em jeito de boas-vindas, Brugnaro haveria de oferecer à noiva um bouquet de rosas brancas (“um tributo à graça e um desejo de serenidade e beleza”, sic) e ao noivo uma garrafa magnum de Amarone 2015, considerada a melhor colheita dos últimos 30 anos. Aos média, o autarca informou que o casamento poderia gerar um impacto económico global de cerca de 957,3 milhões de euros, o que equivale a quase 68% do volume de negócios anual da cidade em termos de turismo.
Jatos privados
A estimativa foi do Gabinete de Estatísticas do Ministério do Turismo. “O casamento de Bezos é um forte sinal da crescente centralidade de Itália na cena turística internacional. Eventos como este reforçam a nossa imagem global, geram emprego, promovem o território e atraem novos fluxos turísticos qualificados”, comentou, na mesma ocasião, a ministra do Turismo, Daniela Santanchè.
O excesso de turismo e o aumento dos custos da habitação deixam sobretudo os residentes do centro storico céticos em relação a eventos deste tipo – queixam-se de que há muito alojamento para visitantes e pouco para eles. A verdade é que Veneza, que se estende por mais de uma centena de ilhas ligadas por pontes, tem vindo a perder progressivamente pessoas desde 1951, ano em que atingiu um pico de 174 800. Em 2009, eram menos de 60 mil e, no ano passado, apenas 48 mil.
No início de junho, já tinha sido colocada uma outra faixa em Veneza, com a palavra “Bezos” riscada a vermelho, e, na semana em que arrancaram os festejos, multiplicaram-se as ações de protesto. A mais criativa espalhou pela cidade uma série de bonecos em tamanho real, imitando o bilionário – muito fotografado e filmado foi aquele que flutuou no Grand Canal, agarrado a uma caixa de cartão da Amazon e com maços de notas de dólares nas mãos.
Na quinta-feira à noite, enquanto o casal dava a primeira de três receções no claustro da Igreja Madonna dell’Orto, foram projetados na torre do sino de São Marcos escritos a laser: “Fck Bzs” e a cara de Bezos com o logótipo da Amazon de cabeça para baixo em vez de um sorriso. A iniciativa foi do grupo Reclaim The Tech (recuperar a tecnologia), que faz parte do comité No Space for Bezos.
No dia seguinte, horas antes da troca de alianças, realizou-se uma manifestação com o mote No Bezos No War, que partiu da estação ferroviária de Santa Lucia e envolveu ativistas de toda a área de Veneza, incluindo pessoas que moram na terraferma. Pelo caminho, iam passando por cartazes com a frase “No tempo que leva a ler esta mensagem, a riqueza de Jeff Bezos aumentou mais do que o seu salário mensal” e a assinatura “Taxem os bilionários!”
A contestação também aconteceu na internet. Ao longo de toda a semana, as palavras-chave “Bezos” e “Veneza” reuniram 9,3 milhões de interações em conversas online na última semana. Segundo a Arcadia Media Agency, entre as hashtags mais utilizadas estava #taxtherich, enquanto o sentimento dos utilizadores para ambas as palavras-chave era apenas um terço positivo.
Sabia-se de antemão que deveriam aterrar mais de 90 jatos privados nos aeroportos de Treviso e Verona, pelo menos, sete iates ficariam ancorados na lagoa. Cinco dos hotéis mais luxuosos de Veneza (Aman Venice, Gritti Palace, Danieli, Belmond Hotel Cipriani e The St. Regis Venice) tinham sido reservados em bloco para receber os convidados.
Base oficial dos três dias de festejos, o sete estrelas Aman ocupa o Palazzo Papadopoli, construído no século XVI pelo arquiteto Giacomo de’ Grigi, no Grand Canal. Tem 24 suítes com frescos de Tiepolo e lareiras desenhadas por Jacopo Sansovino, que custam entre mil e 3 500 euros por noite. Em 2014, foi palco do casamento de George Clooney e Amal Alamuddin.
A cerimónia de casamento esteve prevista para a Scuola Vecchia della Misericordia, um antigo edifício de caridade no bairro de Cannaregio, mas seria transferida para a Fundação Giorgio Cini por causa da contestação popular, com os ativistas a cantarem vitória.
Doações ou migalhas?
“Um dos oligarcas mais poderosos da imensa corte de Trump acreditava que podia alugar todo o centro histórico de Veneza para si e para os seus amigos milionários, transformando-o na sua Disneylândia pessoal. Acreditou que podia deitar a mão a um espaço público que, por definição, pertence a todos. Acreditou que podia comprar tudo e todos, partindo do princípio de que, a troco de umas migalhas, qualquer um estaria disposto a servi-lo”, twittou na véspera do “sim” Ilaria Salis, deputada ao Parlamento Europeu em 2024 pela Aliança Verde e Esquerda.
“Felizmente”, continuou a mesma política que se apresenta como ativista, “os habitantes, também eles contrários aos interesses daqueles que vivem do turismo de luxo – e que, com isso, matam a cidade –, mobilizaram-se para dizer NÃO. Graças à mobilização, Bezos foi expulso do centro da cidade e simbolicamente empurrado para as margens. Mas o que está em causa é muito mais importante. Trata-se de uma luta de classes contra a superelite capitalista. Uma batalha cultural para afirmar que o comum vem antes do privado.”
As migalhas a que Salis se refere são os três milhões de dólares que o casal doou à Corila (agência que coordena a investigação para o cuidado da lagoa veneziana), ao gabinete da UNESCO em Veneza (que promove a cultura e as ciências naturais) e à Universidade Internacional de Veneza.
A informação constava do convite a que a ABC News teve acesso, um convite carregado de ilustrações de gosto duvidoso, com borboletas, pássaros, uma libelinha, estrelas, penas, a Ponte de Rialto e gôndolas, em que Jeff e Lauren diziam que seriam eles a dar os presentes de casamento, em forma de doações.
Um seguidor da deputada italiana correu a comentar a doação: “Três milhões para Bezos equivalem a um café; dada a exclusividade, cidades como Veneza, Florença e Roma deveriam ter uma tabela de preços muito mais onerosa.” Exagero, claro, embora o anel de noivado de Sánchez, com um diamante cor-de-rosa-claro, lapidado em forma de almofada, valha entre três e cinco milhões de dólares.
Além de os Sanchoz terem sido simbolicamente “empurrados” para a ilha de San Giorgio Maggiore no dia em que trocaram alianças, depois de Matteo Bocelli (filho de Andrea) ter cantado Can’t Help Falling in Love, na noite de sábado a “festa de pijama”, que fechou as celebrações, acabou por se realizar numa tenda de 600 metros quadrados no Arsenale (um complexo de antigos estaleiros navais e oficinas, no extremo oriental de Veneza), propriedade do município e gerida pelo clube de vela para eventos públicos e privados.
Escreva-se, a terminar, que o casamento que tanta tinta nos faz gastar nem foi dos mais caros dos últimos tempos. Em julho ano passado, Anant Ambani, filho do homem mais rico da Índia, Mukesh Ambani, casou-se ao fim de sete meses de festejos que incluíram um cruzeiro de luxo pelo Mediterrâneo e concertos de Rihanna, Justin Bieber e Katy Perry. Custo estimado? Mais de 500 milhões de euros.
A sensação é de que nunca se ostentou tanto nem nunca as desigualdades foram tão grandes como agora. Isto olhando para os últimos 50 anos, porque claro que historicamente são inúmeros os exemplos de ainda mais ostentação e de um ainda maior fosso entre os muitos ricos e os muito pobres.
Quando se fala no “homem mais rico do mundo”, na História moderna, ainda tem de se falar de Mansa Muça, que governou o Mali entre 1312 e 1337 d.C., após o desaparecimento do seu irmão, numa altura em que o império da África Ocidental era o maior produtor de ouro do mundo. Se a sua fortuna fosse ajustada à economia atual, estima-se que ultrapassaria os 500 mil milhões de dólares, mais do que o pico do património líquido de Elon Musk.
A riqueza do nono mansa (traduzível por “rei dos reis” ou “imperador”) estava enraizada na abundância natural do Mali e numa rede comercial bem oleada que negociava ouro, sal (também de minas), marfim e outras matérias-primas. Não consta que tenha visitado Veneza, mas a lendária peregrinação que fez a Meca, em 1324, marcou as várias cidades por onde passou a sua caravana.
Ela era formada por mais de 60 mil pessoas, incluindo 12 mil escravos, e cem camelos que saíram do Mali a carregar mais de 45 quilos de ouro cada um. Rezam as crónicas da época que Mansa Muça doou tanto ouro no Cairo durante os três meses que lá esteve que acabou por provocar uma inflação galopante, desvalorizando o metal precioso durante mais de uma década. Não admira que o Atlas Catalão, de 1375, tenha um desenho de um rei africano que se crê ser ele, sentado num trono dourado, com uma grande moeda de ouro na mão.
Muça I gastou boa parte do seu tempo focado em promover a educação e a arquitetura no Mali, mandando construir mesquitas e centros de ensino. Foi, por isso, durante o seu reinado que Timbuktu (cidade anexada por ele) ganhou fama como centro da cultura e dos estudos islâmicos. Mas o seu reinado também ficará para a História graças à prática da escravatura e aos conflitos militares que aumentaram as desigualdades no seio do império.
Dentro de dois meses, por ocasião do Festival de Cinema, Veneza vai novamente encher-se de artistas e celebridades a bordo de táxis aquáticos lindos, forrados a madeira, seguidas de perto por paparazzi que ganham o dia se lhes apanharem um sorriso ou um aceno de mão.
Todos ímpares e, ao mesmo tempo, todos desejavelmente iguais tanto em cima como debaixo de terra.
JEFF BEZOS
O fundador da Amazon, a maior empresa de comércio eletrónico do mundo, foi o homem mais rico do mundo entre 2017 e 2021. Agora, aos 61 anos, ocupa a 4ª posição.
Origem da fortuna 9% da Amazon, que teve uma receita de 574,8 mil milhões de dólares, em 2023. 100% da empresa de exploração espacial Blue Origin. Ao longo da sua vida tem feito investimentos extremamente lucrativos, como foi o caso da Uber, onde multiplicou por muito os 30 milhões de dólares com que apostou na empresa, quando ainda era uma simples startup. Segundo a Bloomberg, o portefólio dos seus investimentos inclui empresas como Workday, Nextdoor, Airbnb, X (antigo Twitter), Business Insider e Cloud Paper.
Ligações a Trump Nos últimos tempos, fez uma aproximação ao Presidente dos EUA: como dono do Washington Post, impediu o jornal de manifestar o apoio a qualquer um dos candidatos às presidenciais de novembro, como era tradição.
LARRY ELLISON
Aos 80 anos, viu recentemente a sua fortuna aumentar mais 40 mil milhões no espaço de dois dias, na bolsa, catapultando-o para o atual segundo lugar do top da Forbes.
Origem da fortuna Foi um dos fundadores da tecnológica de software empresarial Oracle, criada em 1977, da qual detém cerca de 41% das ações. Tem uma carteira imobiliária diversificada com propriedades em todo o mundo, incluindo 98% de Lanai, a maior ilha do Havai.
Ligações a Trump Em Washington, apontavam-no como o bilionário da tecnologia com a segunda maior influência junto de Trump, então atrás de Musk (que, entretanto, se afastou, como se sabe). No dia seguinte à tomada de posse, em janeiro, estava na Casa Branca quando o Presidente anunciou um investimento de 426 mil milhões de euros em centros de dados de Inteligência Artificial.
ELON MUSK
Aos 54 anos, o fundador da Tesla e da SpaceX mantém–se no 1º lugar da lista de homens mais rico do mundo.
Origem da fortuna 12,8% da Tesla, de que é presidente-executivo, fabricante de veículos elétricos com mais de 140 mil funcionários 42% da SpaceX, fabricante de foguetões escolhida pela NASA para o reabastecimento da Estação Espacial Internacional, e que tem como subsidiária a Starlink, uma empresa global de internet, com seis mil satélites. Possui ainda cerca de 70% da X (antigo Twitter), de que é CEO, 56% da XAI (empresa de Inteligência Artificial) e é dono da Neuralink (que produz implantes cerebrais) e da Boring Company (que constrói túneis para, alegadamente, evitar congestionamentos de trânsito).
Ligações a Trump Já foi o melhor amigo do Presidente e um dos líderes do novo Departamento de Eficiência Governamental. O plano orçamental traz os dois desavindos, com Musk a acusar Trump de não se preocupar realmente com as pessoas.
MARK ZUCKERBERG
Em 2008, com apenas 23 anos, foi celebrado como o primeiro self-made bilionário do mundo, devido ao êxito quase instantâneo do Facebook, a maior rede social do planeta. Agora, aos 41 anos, está no 3º lugar na lista dos mais ricos do mundo.
Origem da fortuna 13% da Meta Platforms, que detém o Facebook, mas também o Instagram e o WhatsApp No total, a empresa serve mais de quatro mil milhões de pessoas no planeta (três mil milhões delas no Facebook).
Ligações a Trump Na sequência da eleição de novembro, Zuckerberg, que sempre tinha procurado afastar-se da política, fez questão de viajar para o resort Mar-a-Lago para se encontrar pessoalmente com o Presidente e anunciou uma série de mudanças na Meta que encantaram os conselheiros de Trump.
WARREN BUFFETT
Conhecido como o “Oráculo de Omaha” (cidade no Nebraska, onde mora), é um dos investidores mais bem-sucedidos de todos os tempos. Em 2010, ele e Bill Gates lançaram o Giving Pledge (promessa de doação), pedindo a outros bilionários que se comprometessem a doar, pelo menos, metade da sua fortuna. Aos 94 anos, é o 5º homem mais rico do mundo.
Origem da fortuna Lidera a Berkshire Hathaway, que tem dezenas de empresas, incluindo a seguradora Geico, o fabricante de pilhas Duracell e a cadeia de restaurantes Dairy Queen.
Ligações a Trump Nas últimas presidenciais, optou uma vez mais por não apoiar nenhum candidato, mas não se tem inibido de aconselhar Trump por portas travessas. Em maio, disse ser “um grande erro” ele ter “7,5 mil milhões de pessoas que não gostam muito de si”.