O geógrafo e sociólogo holandês Hein de Haas considera que os imigrantes não roubam empregos nem baixam os salários e que se os países quiserem ter menos estrangeiros podem fazê-lo… destruindo a sua economia.
“Quando o crescimento económico é elevado e o desemprego está a diminuir, chegam muitos imigrantes. Quando a economia está em recessão e o desemprego está a aumentar, vêm menos imigrantes e muitos regressam. Portanto, de certa forma, a melhor maneira de reduzir a imigração é destruir a economia”, disse em entrevista, por escrito, à agência Lusa.
Considerado um dos maiores especialistas em migrações, Hein de Haas esteve recentemente em Portugal a participar numa conferência organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre o tema.
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Sobre a situação em Portugal, país que tem acolhido cada vez mais imigrantes de várias origens, Hein de Haas explica que “os imigrantes preenchem vagas, para as quais não encontramos trabalhadores portugueses em número suficiente que estejam dispostos e sejam capazes de fazer esses trabalhos de baixo estatuto e pouco atrativos”.
“Este facto tem a ver com o aumento do nível de educação dos portugueses, bem como o declínio das taxas de natalidade e o envelhecimento. Isto significa que os jovens aspiram a empregos qualificados e que a escassez de mão-de-obra, em especial nos empregos menos qualificados, aumentou”, prosseguiu.
Questionado sobre a relação de Portugal com os imigrantes, tratando-se de um país com uma forte emigração, o especialista reconheceu que seria espectável uma maior compreensão, mas que isso é frequente em “muitos países com uma longa história de emigração” que “esquecem rapidamente o seu próprio passado”, acrescentando que isso “foi o que aconteceu em Itália, na Grécia ou na Irlanda”.
“Isto também se deve ao facto de os políticos criarem muitas vezes receios em relação à imigração ou se envolverem em bodes expiatórios da imigração para ganharem apoio e desviarem a atenção do facto de as suas próprias políticas económicas e sociais, e não os imigrantes, serem as principais causas de problemas, como a crescente insegurança no emprego, a falta de habitação a preços acessíveis ou o aumento do custo de vida”, avançou.
Sobre a criminalidade, recordou que esta é muito baixa em Portugal, “particularmente no que diz respeito à criminalidade violenta”, e que está a diminuir, em vez de aumentar”.
“Estudos internacionais realizados nos Estados Unidos e no Reino Unido sugerem antes o contrário, que os imigrantes tendem a ser menos criminosos, uma vez que são trabalhadores, têm uma mentalidade empreendedora e o controlo social é frequentemente elevado. É claro que existem sempre exceções, mas estas não são representativas”.
Por isso, considera que a atribuição do mal da sociedade aos imigrantes interessa, sobretudo, a “certos políticos que utilizam o medo dos imigrantes para obter apoio”.
Sobre as respostas da Europa a este fenómeno das migrações, Hein de Haas elegeu como principal problema “o grande fosso entre a grande e crescente procura de trabalhadores migrantes menos qualificados, devido à crescente escassez de mão-de-obra, e à falta de canais de migração legal para satisfazer essa procura”.
“O resultado é que as pessoas atravessam as fronteiras ilegalmente para encontrar trabalho, ou chegam legalmente, mas acabam por ultrapassar o período de validade dos seus vistos. Ambos os fenómenos ocorrem em Portugal”, disse.
E concluiu: “A única forma de resolver esta situação é diminuir a procura de mão-de-obra e aumentar drasticamente o controlo governamental sobre os empregadores e todo o mercado de trabalho, ou criar mais canais legais para os trabalhadores estrangeiros, para que os governos tenham um melhor controlo sobre quem vem”.
“Não há uma maneira fácil de contornar esta situação, porque não se pode ter uma economia aberta e próspera e ter muito menos imigração. Nesse sentido, os governos não podem ter o seu bolo e comê-lo também”.
com Lusa
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Até há uns dez anos, este edifício da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa acolhia pessoas em situação económica vulnerável. Na altura, falava-se em “pobreza envergonhada”, o que faz muito sentido no meu trabalho, porque Roof [teto, em inglês] revela algo escondido, sofrido em silêncio.
Ao longo da exposição, o visitante entra em diferentes quartos, salas, casas de banho, cozinhas, e vai compreendendo como é que as pessoas sobrevivem em sítios como escolas ou fábricas abandonadas.
Sr. Gomes, 63 anos, dentro do seu quarto numa antiga moradia abandonada, em Lisboa. As paredes e os tetos não escondem o passado nem o abandono. Trabalhou desde que se lembra na área da construção civil, um dos setores que mais sofreram com a crise de 2011-2014.
Além de conseguirmos recriar esse mundo neste edifício, é muito pertinente estarmos no centro da cidade. A especulação imobiliária tem um papel determinante na falta de habitação, e aqui, quando olhamos pelas janelas, quase só vemos alojamento local à volta.
Roof começou porque vivíamos uma crise financeira, e incomodou-me não ver na Imprensa trabalhos com a devida profundidade. Comecei então a dar atenção a sinais de vida em locais abandonados – um cadeado numa porta, um caminho trilhado… Andava por Lisboa e fazia marcações (“Tenho de voltar aqui”, pensava), sem nunca saber o que mais tarde ia encontrar e quem ia encontrar.
Um edifício industrial devoluto tornou-se casa para dezenas de pessoas que, através de portas e cadeados, dividiram os diferentes espaços existentes.
O trabalho segue as vidas das pessoas que são reflexo da pobreza, do desespero, da falta de apoio social. E, à medida que o ia fazendo, a realidade ia mudando.
Em 2013-2014, encontrei pessoas que, de um momento para o outro, tinham ficado sem emprego, vendo-se obrigadas a resolver de repente a falta de habitação. Havia uma sensação de choque; diziam-me: “Nunca pensei” ou “Pensava que era uma situação temporária”.
Miguel Costa no seu quarto numa fábrica fechada. Devido à dimensão do local, várias pessoas construíram “casas” para sobreviverem longe da calçada portuguesa. A Polícia de Segurança Pública visitava regularmente a fábrica e destruía as construções ilegais dos moradores.
Quando essa primeira parte do trabalho foi publicada no The New York Times, os leitores ficaram chocados, porque sentiram que podiam ser eles, que muito facilmente se chegaria àquele local.
Em 2019, percebi que havia uma ilusão. Portugal era tido como um bom exemplo na Europa, mas eu continuava a ver sinais de vida em locais abandonados. Nessa altura, já encontrei pessoas empregadas, com dificuldade em conseguir casa, mas que acreditavam ser uma questão de tempo.
Entretanto, a pandemia interrompeu o trabalho, até que, em 2023, fiz um exercício de introspeção. O 25 de Abril ia fazer 50 anos e o direito à habitação não estava plenamente conquistado. Fui então novamente para o terreno.
Um colaborador da Câmara Municipal de Lisboa na entrada para a casa que construiu num edifício inacabado. O seu vencimento não era suficiente para alugar uma casa na capital portuguesa.
Em 2019, tinha conhecido uma senhora com uma filha bebé, que trabalhava num restaurante, mas não conseguia arrendar casa. Lembro-me de ficar chocado, porque eu também fora pai há um ano e pouco. Em 2023, essa mãe continuava lá, mantinha o mesmo emprego e a sua filha estava no pré-escolar, tal como o meu filho.
Hoje, encontramos nestes locais abandonados pessoas com vida normal, se é que se pode dizer isso de alguém sem casa. Pessoas que não conseguem pagar renda, mesmo com um ordenado superior ao mínimo. Pessoas que, se as virmos na rua, nos seus trabalhos, não vamos saber quem são.
Em 2013-2014, elas diziam-me: “Mostra, é importante mostrar.” Em 2019, já havia a tal vergonha, porque tinham emprego. Foi uma população que mudou bastante, e este meu trabalho vive do paralelo entre a fragilidade dos locais e a fragilidade das situações das pessoas.
Uma das muitas barreiras de cimento construídas para evitar a ocupação de edifícios e apartamentos devolutos. A família que mora neste local destruiu a barreira o suficiente para conseguir ter acesso a uma “casa”.
Agora, em 2024, é muito difícil arranjar casa para ocupar. Está tudo entaipado e reconvertido em alojamento local. Houve um esforço grande para entaipar e um esforço diminuto para resolver. É confrangedor perceber isso: o que se faz é entaipar, impedir, não solucionar.
No rés do chão do edifício da exposição, o visitante entra logo num sítio com sinais de degradação, que tem várias marcas do tempo. Faz sentido, porque, no meu trabalho, procurei a passagem do tempo – também o das pessoas, que não esperavam ir ali parar. Depois, sobe-se ao primeiro andar e entra-se no mundo do Roof.
A placa da sinopse tem em evidência o artigo 65ª da Constituição [em que se lê que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”, e quais são as incumbências do Estado para assegurar o direito à habitação]. Como entaipei com madeiras tudo o que não inclui a exposição, é preciso ir procurando as fotografias, tal como eu fiz no meu trabalho, sempre à procura dos locais onde as pessoas estavam a viver.
Um funcionário público no interior do contentor onde vive, em Lisboa. Apesar de ter um rendimento fixo que supera o salário mínimo, não encontra uma casa que consiga pagar desde 2022.
A fotografia de uma porta perdida no meio do nada, que abre a exposição, é a que fecha o livro (ver caixa no final destas páginas). Para lá de portas como essa, encontramos pessoas que estão a sobreviver e que têm os mesmos cuidados que nós temos nas nossas casas. Querem trazer a dignidade, que perderam, para um sítio que já não tem dignidade nenhuma. Fiquei fascinado.
Quando comecei a fazer o trabalho, tinha imagens preconcebidas (temos esse problema) e ficava abismado com os cuidados das pessoas. Eu chegava e diziam-me: “Deixe-me arrumar.” Como é que se pode arrumar algo que está a cair em cima de nós? Há essa necessidade de as pessoas terem um lar.
Ao longo da exposição, existem muitos elementos que têm de ser observados, que conferem a identidade de casa a estes sítios. Um quadro, uma cortina, um prato imaculado em cima da mesa… Em 2014, conheci o senhor Gomes, então com 63 anos. Tinha ocupado uma moradia e usava um escadote de três metros para entrar em casa. Lá dentro, punha a mesa com tudo, saleiro e tudo.
Quis ter algumas fotografias em negativo, porque as pessoas estão na situação oposta à normalidade e não estão visíveis para nós, são invisíveis na cidade, não entram nas estatísticas. Não são sem-abrigo, não estão a dormir na calçada portuguesa, é como se não existissem mesmo.
E quis só ter luz natural para não desvirtuar a exposição e o tema. Quero que a visita seja o mais imersiva possível.
A entrada de uma casa construída numa escola abandonada,em Lisboa. Nesta escola, vivem trabalhadores, pensionistas e imigrantes.
A exposição termina com uma pessoa deitada, tapada com uma coberta. É como se nos colocássemos ali. Somos nós a dormir. Terminamos a visita e sentimos que não acabou, é algo que continua.
Passam milhares de turistas aqui à porta, a entrada é gratuita, e vou ter duas faixas grandes, em português e em inglês, na fachada do prédio, com a frase “O lado escondido da crise da habitação”. É importante passar esta mensagem para fora de Portugal.
Nunca gostei de me ver como um ativista, mas nunca escondi que uso a fotografia como forma de alerta. Cada vez mais. E como um veículo para criar reação.
Tenho carteira profissional, com muito orgulho, e sou um jornalista permanentemente indignado com o estado do jornalismo. Sinto que este trabalho deveria ter sido feito por vocês na VISÃO, pela Lusa… Este e outros trabalhos. O jornalismo está doente, é uma pena. Devia ter grande vitalidade. Roof é quase um manifesto que partiu do jornalismo.
Paula e Carlos, duas das pessoas que moram em arrecadações de uma escola abandonada. Apesar de estar situado num local abandonado, o espaço que ocupam já foi assaltado várias vezes, e ambos vivem num clima de grande insegurança. Recentemente, Carlos emigrou para a Alemanha, em busca de uma vida melhor.
Já não reconheço Lisboa, onde nasci e cresci. Há espaço para tudo, mas não houve esse cuidado. E, nesse processo, os portugueses foram esquecidos, não foram a prioridade.
Não fomos capazes de criar habitação pública – e não estou a falar de habitação social. O Programa de Arrendamento Acessível não devia ser um programa, devia ser a lei nascida de Abril. Habitação que eu consigo pagar, coisa que acontece lá fora.
O 25 de Abril faz 50 anos, e ouvimos que o alojamento local vai deixar de ser travado e que a especulação vai continuar. O tempo social e político não me cheira a Abril, cheira-me a bafio. E nós temos de refletir sobre isso. Esta celebração dos 50 anos é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada.
Depoimento recolhido por Rosa Ruela
Exposição e livro
A exposição é inaugurada às 15h de sábado, 27, e até 9 de junho pode ser visitada no Antigo Recolhimento das Merceeiras, R. Augusto Rosa, 15, Lisboa. Qua-sex, 14h-18h; sáb-dom, 10h-18h (entrada gratuita).
Na mesma ocasião, é lançado o livro, quatro tomos numa caixa selada, com 70 fotografias, 22 retratos e detalhes dos locais, um desdobrável (com uma parede em ruína) e um jornal com um texto de Sebastião Almeida e recortes de notícias sobre o que (não) foi feito na última década.
Há 50 anos que temos a sorte de poder cantar, em coro, com a atriz Ermelinda Duarte, que, “como ela, somos livres”. Mas será que ao entoarmos esta canção, em que se evoca uma gaivota a voar, damos o devido valor à liberdade? Temos a noção de como ela pode ser perene, de como em muitos lugares do globo ela ainda é apenas uma miragem.
A Amnistia Internacional está sempre atenta às histórias em que os direitos humanos são esmagados, ao abrigo de leis suspeitas, de dirigentes demasiado musculados, de sistemas muito pouco democráticos. Nestas narrativas, há sempre mártires, aqueles que nunca desistem de lutar, tornando-se assim os mais apetecíveis destes poderes sufocantes.
No ano em que Portugal comemora meio século de liberdade, de conquista de direitos esquecidos, a organização não governamental pôs a correr uma campanha global, que apelidou de Protege a Liberdade. Nela, com recurso a cinco casos-base que aqui mostramos, pretende-se vangloriar a liberdade, nomeadamente a liberdade de expressão e o direito à reunião e à manifestação pacíficas.
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Esta campanha é deveras importante, numa altura em que o mundo tem enfrentado retrocessos e restrições, quando se pensava que o caminho agora era só para a frente. Não são poucos os exemplos em que manifestantes são travados à custa de força policial, acabando atrás das grades, com um suporte legal bastante duvidoso. Assim como, sinal dos tempos, a expansão de vigilância em massa, as restrições ao uso da internet e a censura online.
Qualquer um dos casos-base aqui reportados tem uma petição, que pode ser assinada no site da Amnistia Internacional, a exigir, respetivamente, a liberdade da chinesa Chow Hang-tung, o fim da perseguição das líderes da oposição do Zimbabwe, o direito às vigílias pacíficas das Mães de Sábado, na Turquia, a libertação imediata do iraniano Vahid Afkari e que se faça justiça com o chileno Gustavo Gatica, que cegou na sequência da violência policial.
Há 50 anos que temos a sorte de poder cantar, em coro, com a atriz Ermelinda Duarte, que, “como ela, somos livres”. Mas será que ao entoarmos esta canção, em que se evoca uma gaivota a voar, damos o devido valor à liberdade? Temos a noção de como ela pode ser perene, de como em muitos lugares do globo ela ainda é apenas uma miragem.
A Amnistia Internacional está sempre atenta às histórias em que os direitos humanos são esmagados, ao abrigo de leis suspeitas, de dirigentes demasiado musculados, de sistemas muito pouco democráticos. Nestas narrativas, há sempre mártires, aqueles que nunca desistem de lutar, tornando-se assim os mais apetecíveis destes poderes sufocantes.
No ano em que Portugal comemora meio século de liberdade, de conquista de direitos esquecidos, a organização não governamental pôs a correr uma campanha global, que apelidou de Protege a Liberdade. Nela, com recurso a cinco casos-base que aqui mostramos, pretende-se vangloriar a liberdade, nomeadamente a liberdade de expressão e o direito à reunião e à manifestação pacíficas.
Esta campanha é deveras importante, numa altura em que o mundo tem enfrentado retrocessos e restrições, quando se pensava que o caminho agora era só para a frente. Não são poucos os exemplos em que manifestantes são travados à custa de força policial, acabando atrás das grades, com um suporte legal bastante duvidoso. Assim como, sinal dos tempos, a expansão de vigilância em massa, as restrições ao uso da internet e a censura online.
Qualquer um dos casos-base aqui reportados tem uma petição, que pode ser assinada no site da Amnistia Internacional, a exigir, respetivamente, a liberdade da chinesa Chow Hang-tung, o fim da perseguição das líderes da oposição do Zimbabwe, o direito às vigílias pacíficas das Mães de Sábado, na Turquia, a libertação imediata do iraniano Vahid Afkari e que se faça justiça com o chileno Gustavo Gatica, que cegou na sequência da violência policial.
Zimbabwe Joanah Mamombe, Netsai Marova e Cecillia Chimbiri As mulheres à frente da luta
Raptadas, torturadas e violadas por liderarem uma manifestação contra o governo
Emmerson Mnangagwa foi um grande aliado de Robert Mugabe, o conhecido ditador que governou o Zimbabwe entre 1980 e 2017 (até 1987 como primeiro-ministro e depois como Presidente), até ser deposto num golpe militar. Mnangagwa, aliás, foi o seu vice-presidente entre 2014 e 2017 e seria um sucessor natural, não fosse o golpe.
Com 77 anos, este antigo advogado e ex-ministro (da Defesa e da Justiça) acabou por ganhar as eleições de 2018, tendo sido reeleito no ano passado. Neste mês de abril, num “grandioso” ato de clemência, amnistiou mais de quatro mil presos para celebrar o dia da independência do Zimbabwe, incluindo alguns condenados à pena de morte, que viram a sentença suavizada.
Enquanto isso, três jovens mulheres, Joanah Mamombe, Netsai Marova e Cecillia Chimbiri, continuam a responder em tribunal por terem estado numa manifestação no dia 13 de maio de 2020. O protesto tinha que ver com a resposta do governo à pandemia Covid-19. Protestava-se também pelo aumento da fome no país.
Nesse dia, Joanah, Netsai e Cecillia, ativistas pelos direitos humanos e membros do partido da oposição, Citizens Coalition for Change (CCC), antigo MDC Alliance, foram detidas na capital Harare. Depois de levadas para uma esquadra da polícia, foram metidas, com a cabeça tapada, num carro sem matrícula. “Temendo pela própria vida, as mulheres foram atiradas a um poço, obrigadas a comer excrementos humanos e vítimas de violência sexual. O seu paradeiro permaneceu desconhecido durante dois dias, até terem sido largadas a 87 quilómetros de Harare, com as roupas rasgadas, visivelmente agredidas e com necessidade de cuidados médicos”, descreve a Amnistia Internacional.
Um mês mais tarde, voltaram a ser detidas durante 16 dias, depois de terem dito que reconheceram alguns dos atacantes.
Um ano mais tarde, o jornal The Independent encontrou Netsai Marova, de 29 anos, a viver na Europa. “Vivo com cicatrizes, dia a dia, pela minha participação na política. Mesmo agora, aqui, não abro as cortinas de casa. A minha vida tem sido uma montanha-russa”, descreveu.
Joanah Mamombe, de 30 anos, estudou na Noruega e foi eleita para o Parlamento do Zimbabwe em 2018, sendo um dos membros mais jovens. Cecillia Chimbiri, de 37 anos, é jornalista e secretária-geral da Women’s Academy For Africa.
Acusadas de romper o confinamento e de organizar uma manifestação que a polícia diz ter como objetivo incentivar a violência, as três mulheres enfrentam vários processos em tribunal. “Tudo indica que o Estado está a usar este caso para enviar uma mensagem a todas as pessoas que pretendam manifestar-se no país e, em particular, às mulheres (que têm liderado os protestos contra violações de direitos humanos)”, escreve a Amnistia Internacional.
Nenhum dos raptores e atacantes foi, até agora, responsabilizado. A.C.
China Chow Hang-tung A última vítima de Tiananmen
Advogada de direitos humanos, está presa por participar em manifestações pacíficas em memória do massacre na praça de Pequim
Todos os anos, a Hong Kong Alliance faz questão de recordar o que se passou a 3 de junho de 1989, na chamada Praça da Paz Celestial, quando as tropas armadas chinesas silenciaram brutalmente a manifestação de estudantes universitários que não arredava pé desde abril, para denunciar a morte de um antigo dirigente do Partido Comunista e outras atrocidades sociais do Estado autoritário.
Enquanto vice-presidente da associação de apoio aos movimentos democráticos da China, a brilhante advogada de direitos humanos e laborais, Chow Hang-tung, atualmente com 39 anos, também participava regularmente na vigília anual que relembrava as inúmeras vítimas do massacre (nunca se conseguiu apurar ao certo quantas pessoas terão morrido às mãos das forças policiais, mas foram centenas).
Usando o pretexto de saúde pública, à boleia da pandemia Covid-19, em 2020 e em 2021, as autoridades chinesas proibiram essa vigília que se realizava regularmente desde 1990, um ano após o massacre. Para contornar esta proibição de reunião presencial, em junho de 2021 Chow incentivou as pessoas a se juntarem virtualmente e, nas redes sociais, a acenderem uma vela em memória de quem lutou pelo país, há mais de 30 anos.
Foi imediatamente detida por “promover e publicitar uma reunião não autorizada”. Desde essa data, nunca mais a libertaram. A 4 de janeiro de 2022, recebeu a condenação de 15 meses de prisão por esse “crime”.
Um mês antes, já havia sido igualmente condenada a um ano atrás das grades, pela participação pacífica noutra vigília, organizada em 2020, e também proibida, como sempre, para assinalar a repressão de Tiananmen.
A Amnistia Internacional tem apelado à libertação imediata de Chow Hang-tung e a que lhe sejam retiradas todas as acusações de que colocava em perigo a segurança nacional do país. Entretanto, a advogada não desarma nem tão-pouco dá mostras de se ir abaixo: “Dizer que não tenho medo seria uma mentira, mas o que tenho não me impede de agir.”
Irão Vahid Afkari Punido, mas não culpado
Quando a manifestação pacífica dá prisão, tortura e até custa a vida
Sobreviveu a mais de mil dias em regime de solitária, numa cela sem janelas, na prisão de Adel Haddad, em Shiraz, a capital da província de Fars. É lá que continua, vai para seis anos, condenado por um crime que não cometeu. E continua firme e sem ceder a pressões, apesar do medo, da privação das visitas de família e da violência física e psicológica que o levaram a fazer duas greves de fome e uma tentativa de suicídio.
Tudo começou em 2018, quando Vahid e os dois irmãos, Habib e Navid, foram detidos pelas autoridades iranianas apenas por terem estado presentes nas manifestações pacíficas contra o aumento do custo de vida e da repressão política no País.
Mantiveram-nos em isolamento, submeteram-nos a tortura e forçaram-nos a “confessar” crimes, com acusações infundadas, como a que apontava Vahid e Navid de terem estado envolvidos na morte de um agente de segurança. Todos foram condenados e a sentença foi pesada: mais de 30 anos atrás das grades e 74 chicotadas para dois dos Afkari, cabendo ao mais novo, Navid, campeão de luta livre, a pena de morte.
Nada disto estava nos planos da família que, apesar dos escassos recursos, proporcionara aos seis filhos um ambiente com alegria e afeto e a possibilidade de frequentarem a universidade, onde tinham bom aproveitamento.
Em agosto de 2020, uma mensagem de áudio de Navid chegou às redes sociais, anunciando não haver dados que indicassem qualquer culpa. Pouco depois, a 12 de setembro, foi enforcado em segredo, aos 27 anos, sem conhecimento da família ou do advogado. A execução gerou uma onda de indignação e de apoio, dentro e fora do Irão, e a campanha internacional que se seguiu teve impacto: após 550 dias de solitária, Habib foi liberto, em março de 2022, mas Vahid continua em cativeiro, o que constitui um motivo para preocupações. Um ex-prisioneiro fez saber à BBC como eram degradantes as condições em que ali se sobrevive: algemado, exposto ao frio e à dor, privado de luz, camas e cobertores. Segundo a mesma fonte, Vahid terá sido instado a fazer uma confissão, sob pena de ver o irmão ser morto, mas sem sucesso.
O seu nome está incluído na campanha global da Amnistia Internacional “Protege a Liberdade”. No texto da petição, dirigida a Gholam-hossein Mohseni Eje’i, responsável pelo poder judicial no Irão, exige-se a garantia de acesso a cuidados médicos, a libertação imediata e a retirada de acusações vagas, relacionadas com “segurança nacional”, bem como as de “cumplicidade em homicídio” sem haver provas, que são obrigatórias à luz do Direito Internacional. No mesmo documento, refere-se que estas táticas são usadas de forma recorrente para silenciar ou dissuadir a liberdade de expressão e manifestações futuras. C.S.
Chile Gustavo Gatica À espera de justiça
Em 2019, foi atingido por uma bala de borracha da polícia, que o cegou. E o caso ainda nem acusação tem
Com uma colher e uma frigideira nas mãos, que ameaça para as autoridades podia representar o chileno Gustavo Gatica, 21 anos, estudante universitário recém-licenciado em Psicologia, quando, naquele dia 8 de novembro de 2019, se juntou aos milhões de compatriotas que, desde o mês anterior, se manifestavam nas ruas de forma pacífica contra o aumento do custo de vida, resultante de medidas tomadas pelo governo do Presidente Sebastián Piñera, conservador e liberal?
O rastilho foi o acréscimo das tarifas dos transportes públicos, mas as reivindicações da revolta estender-se-iam a exigências de uma sociedade mais justa, em que o Estado assegurasse os direitos a saúde, educação e segurança social.
A repressão, à conta dos Carabineros (designação dos polícias no Chile), seria brutal. Mais de 20 manifestantes foram mortos nas ações policiais. No caso de Gustavo Gatica, fã de fotografia, que protestava na Plaza Italia, em Santiago, capital do país, um oficial da polícia, a menos de 30 metros de distância, disparou balas de borracha, uma das quais atingiu o jovem, que perdeu a visão de forma permanente.
Gatica tornar-se-ia um símbolo das vítimas da repressão. Quando saiu do hospital, disse uma frase que se transformou num slogan de resistência: “Dei a minha visão para que as pessoas despertem.” E, em março seguinte, de óculos escuros e bengala, voltou aos protestos na Plaza Italia. “Foi comovente sentir o amor das pessoas”, contou. “Agradeceram-me, o que foi estranho e bom, ao mesmo tempo. Ofereceram-me ajuda e construímos uma rede gigante de contactos. O apoio e a solidariedade dão-me forças para seguir em frente.”
Mais de quatro mil queixas seriam apresentadas ao Ministério Público contra a violência indiscriminada dos Carabineros (incluindo denúncias por tortura e maus-tratos, desumanos ou degradantes, e crimes sexuais), mas, em julho de 2020, o comando da polícia só anunciou 170 sanções, e apenas 16 envolvendo a expulsão da instituição. Entre os polícias expulsos estava o oficial que disparou contra Gustavo Gatica, embora “a conduta punida”, argumentou o comando, não se encontrasse “relacionada com uso de força”.
Houve polémica e, em agosto seguinte, o procurador-geral chileno, Juan Meléndez, ordenou a abertura de um processo, com o agora ex-oficial dos Carabineros como arguido. Ainda hoje, porém, Gatica e a Amnistia Internacional esperam por notícias da acusação… J.P.J.
Turquia Mães de Sábado Onde está o meu filho?
Há mais de 40 anos que não sabem dos parentes. A juntar a essa dor tremenda, perderam o direito a se juntar para lembrá-los e reclamar por justiça
Desde 25 de agosto de 2018, no dia em que se comemorava a 700.ª vigília, que os manifestantes turcos, familiares e amigos das centenas de pessoas desaparecidas na década de 80 e 90 foram proibidos de se reunir em homenagem aos parentes perdidos para sempre, na sequência de detenções por parte das autoridades estatais. Este grupo foi inspirar-se no das Mães da Praça de Maio, na Argentina, e também exige justiça para aqueles de quem se desconhece o paradeiro, na sequência de um golpe militar e dos combates entre as forças e os insurgentes curdos, no Sudeste do país.
Essas vigílias constituem a manifestação pacífica mais longa da História da Turquia e ficaram conhecidas como as Mães de Sábado, porque ocorriam nesse dia da semana, desde 1995, e juntavam muitas mães desses presos, algumas com idades avançadas, na Praça Galatasaray, no centro de Istambul (com os devidos intervalos, sempre que a pressão política os justificavam).
Mas, em 2018, dois meses depois de Erdogan ter ampliado os poderes, na sequência de um novo mandato, a polícia entrou na praça e fez uso de gás lacrimogéneo para impedir a reunião. Na altura, deteve 47 pessoas, todas libertas nessa mesma noite. No entanto, foram logo acusadas de participar numa “manifestação ilegal”, ao abrigo da pouco democrática Lei sobre Reuniões e Manifestações. O julgamento, sem provas, continua até hoje, assim como a proibição de reuniões na Praça de Galatasaray – neste momento, aliás, encontra-se vedada e ocupada pela polícia de intervenção.
A Amnistia lembra, por isso, em carta dirigida ao Presidente turco, que as mães e os outros familiares dos desaparecidos merecem saber a verdade sobre os entes queridos e, acima de tudo, deveriam poder continuar com a pacífica vigília semanal.
Emine Ocak, mãe de Hasan Ocak, desaparecido em 1995, é uma das persistentes, e não se calou quando a impediram de estar com outras pessoas em situação idêntica à sua: “Nós vimos e sentamo-nos aqui, em paz. As mães vêm para falar sobre os filhos perdidos. Irmãos e irmãs perguntam pelo túmulo, para que possam chorar… As autoridades deviam responder a estas perguntas: Porque nos fizeram isto? Quem é que nós ferimos?” Questões que, a avaliar pela situação atual, nunca obtiveram nem obterão resposta.
André Villas-Boas ganhou as eleições para a presidência do FC Porto contra Jorge Nuno Pinto da Costa, líder do clube há 42 anos. Nas eleições mais participadas de sempre do clube, com 26741 a votarem, o antigo treinador do FC Porto , de acordo com todos os dados já disponíveis, venceu o ato eleitoral. À VISÃO, o novo presidente explicou as principais linhas do seu programa para o clube.
Este sábado, durante as eleições, André Villas-Boas revelou estar “confiante” em relação ao resultado final, depois de exercer o direito de voto para eleições aos órgãos sociais do FC Porto. O líder da lista B garantiu que foi “sentido e medindo o pulso a toda a massa associativa” à medida que foi caminhando pelo país e isso dá-lhe um sentimento positivo em relação ao futuro.
“Tem sido um grande movimento de apoio que me dá força, mas só hoje saberemos se isso se materializa em voto não. A impressão que tenho é que sim”, frisou aos jornalistas.
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Em relação à grande mobilização de sócios para as eleições, André Villas-Boas revelou-se bastante satisfeito.
“Já estarão ultrapassados os valores de 2020, com o passar das horas serão ultrapassados os valores de 1988. É um ato democrático. O mais importante é que o presidente eleito seja o presidente de todos os portistas, que o clube volte a focar-se na sua vida. É um sinal de vitalidade, importante para o FC Porto, dará seguramente mais força ao presidente eleito, que assim seja”, admitiu.