Qual é o balanço que hoje faz da nossa Justiça?
Bem ou mal, existe hoje na sociedade portuguesa uma ideia muito negativa da Justiça, não faltando mesmo quem afirme, ainda que exageradamente, ser este o principal dos nossos problemas. Trata-se de uma perceção, é certo, mas fortemente instalada, com graves consequências para a credibilidade do Estado e para a própria solidez do regime democrático. Ora, isto é quanto basta para que tenhamos de considerar a Justiça como uma questão profundamente política.

E onde fica a expressão recorrente de “à Justiça o que é da Justiça e à política o que é da política?”
Há que salientar os perigos que decorrem dessa afirmação, quando mal esclarecida. Uma coisa é a administração da Justiça, cuja competência cabe exclusivamente aos tribunais e em cujo exercício eles gozam de total independência; outra, é a que se refere ao funcionamento da máquina da Justiça enquanto serviço ao cidadão, em nome do qual ela é administrada, domínio onde urge falar de estratégia, de prestação de contas, de transparência e de comunicação, de eficácia nos tempos de resposta, de acesso ao Direito e por aí adiante. Tudo questões que impõem hoje interdependência entre os poderes do Estado, cooperação e corresponsabilização. Ora, aqui, o sistema falha rotundamente.

É por isso que vem defendendo a criação de um Conselho Superior de Justiça?
Nós temos um modelo de gestão e disciplina das magistraturas formado por estruturas muito poderosas, gozando cada uma delas de total autonomia em relação às demais, sem qualquer comunicação institucional entre si. Três Conselhos Superiores – Magistratura, Tribunais Administrativos e Fiscais e Ministério Público – gerem o respetivo setor de forma estanque. A isso junta-se a Ordem dos Advogados e, claro, a Assembleia da República e o Governo, além do Presidente da República.

Não comunicam entre si?
Em termos de previsão institucional formal, não. Encontram-se apenas, em conjunto, uma vez por ano, na cerimónia de abertura do Ano Judicial e nada mais. O que defendo, há muito, é a constituição do Conselho Superior de Justiça, incluindo todos num órgão superior do Estado que complete o modelo que temos, constituído por vários pilares, mas que vivem separados entre si e sem qualquer imposição de cooperação e de corresponsabilização ou responsabilidade partilhada pelo funcionamento global do sistema. É nesse vazio que se tem vindo a instalar a expressão “à Justiça o que é da Justiça e à política o que é da política”, frase que, interpretada restritivamente como tem sido, acaba por tornar ainda mais inoperante e, nessa medida, obsoleto, o sistema de Justiça no seu todo.

Obsoleto?
Em boa parte, sim, na medida em que repousa sobre uma conceção de Estado deslocada da realidade. O Estado perdeu grande parte do poder que está hoje polarizado, num tempo em que a heterarquia veio ocupar o lugar da tradicional hierarquia e em que o Estado era detentor do monopólio do poder. As palavras de ordem hoje são ação, cooperação, corresponsabilização, prestação de contas e comunicação atempada e transparente. Entre os tribunais, os restantes poderes do Estado e a imprensa livre estabelece-se um triângulo que se quer virtuoso. Mas ele só o será com transparência, e fluxo de comunicação capaz de gerar confiança, fazendo substituir, junto do cidadão, a mera perceção por uma mais rigorosa informação. Sem isso, o que temos é a imagem negativa que persiste em relação à Justiça e ao seu funcionamento.

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Ao seu último livro, A Vida na Selva (Quetzal, 160 págs., €16,60), recentemente publicado, Álvaro Laborinho Lúcio chamou-lhe uma “autobiografia oculta”. Pretexto apetecível para desocultar a vida cheia de um homem, hoje com 82 anos (ninguém lhos dá, tal a boa forma que exibe), que foi ministro da Justiça (1990-1995), juiz-conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (agora jubilado), ministro da República para a Região Autónoma dos Açores (na Presidência de Jorge Sampaio), diretor do Centro de Estudos Judiciários, a escola de formação dos magistrados, durante uma década (1980-1990), e procurador-geral adjunto ao longo de um quarto de século.

Na entrevista que se segue, ficamos a saber que, por vontade do pai, o menino Álvaro foi para a escola primária dos “pés descalços” na Nazaré, e que aí encontrou “os amigos verdadeiros, aqueles que nunca mais se largam”. Que foi “um cábula” no ensino básico e secundário. Que causou uma crise familiar quando, após concluir o 7.º ano, disse aos pais que queria ir “para o teatro”. Que, como estudante de Direito na Universidade de Coimbra, esteve “à beira de um problema sério” com a PIDE. Que “não foi fácil” ser ministro da Justiça no último governo de Cavaco Silva. Que é um social-democrata com “alguma simpatia” pela extrema-esquerda libertária e preocupado com a ascensão da extrema-direita. E que considera que o sistema de Justiça está a falhar “rotundamente”. A palavra a Laborinho Lúcio, “sportinguista convicto” e guarda-redes que “cumpria os mínimos”.

1942 O filho único de José Lúcio e de Libânia Laborinho, em casa, na Nazaré

Como era a Nazaré em que nasceu e cresceu?
Era uma terra com grandes dificuldades, em que se dizia, em cada família, que quem não rema já remou, o que significa que há sempre em nós uma matriz que vem dessa origem e que nos orgulha muito. Foi aí que comecei por encontrar os meus primeiros heróis, os que via chegar a altas horas, mar fora, para ver se conseguiam encalhar, como então se dizia, e manterem-se vivos, porque era da vida ou da morte que muitas vezes se tratava.

Na sua família, quem “remou”?
A minha avó paterna – já não conheci o meu avô – e a filha, minha tia, eram as pessoas mais ligadas quer à pesca original quer, depois, a uma pequena indústria pesqueira.

Falou numa “terra com grandes dificuldades”. A Nazaré não escapou, pois, à pobreza do Portugal salazarista…
Recordo-me de que havia muitas crianças, filhas de pescadores, que andavam só com uma camisinha, muito esfiapada, uma boina, descalças e nuas da cintura para baixo. Lembro-me bem de colegas meus, na escola primária, cuja sola do pé era mais rija do que a sola do sapato que eu usava. Às vezes não temos a noção exata de que estamos a falar de há 70 e poucos anos, não estamos a falar da pré-História.

O menino Álvaro, filho do chefe da estação dos correios da Nazaré, misturava-se com os pés descalços?
Antes de mais, a minha família era de classe média não elevada, com um avô, o materno, que era comerciante, um pai que era funcionário público, e um tio, irmão da minha mãe, que fazia a carreira diplomática. E, quando chegou a altura de eu ir para a escola, fui para a da vila, conhecida como a dos pés descalços. A minha mãe, muito preocupada comigo, filho único, queria que fosse para a escola dos pés calçados, no Sítio da Nazaré, mas o meu pai entendeu que não, e isso foi relativamente aceite, porque ficava mais perto de casa.

E como foi recebido pelos pés descalços?
Sobre isso, tenho uma pequena história. No primeiro dia de escola, a minha mãe arranjou-me com grandes cuidados e fui calçado, claro, de calções e com uma camisa que tinha uns pequenos folhos à frente. As preocupações da minha mãe eram enormes. Dizia ao meu pai: “Ele vai aprender a falar à maneira dos pescadores, e sabe-se lá se o vão tratar bem ou mal.” E o meu pai respondia-lhe: “Mas isso só lhe faz bem. Deixa-o ir e vamos ver.” Aconteceu que, quando cheguei a casa, desatei a chorar. A minha mãe perguntou-me o que se passava e a expressão que guardo de memória desde essa altura foi a de lhe dizer, à nazarena mesmo, porque quando cheguei a casa já falava como me tinham falado na escola: “Os menines dezerem que eu sou panelero.” A minha mãe ficou para não viver, porque numa só frase os meninos tinham confirmado os receios todos dela. Quando o meu pai chegou a casa, acabou por colocar as coisas nos seus devidos termos. “Não há problema nenhum e ele vai continuar na escola.” Ele tinha-me trazido de Lisboa uma bola de catechu, que na altura era fantástica, e que eu ainda não tinha usado. E o meu pai disse: “Ele amanhã vai para a escola, de calças compridas, como deve ser, e leva a bola.” Resultado: no fim do dia cheguei a casa contente e, em resposta a uma pergunta da minha mãe, disse-lhe que “os menines já gostem de mim e dezerem que já não sou panelero”.

1966 No dia da formatura em Direito, em Coimbra. Depois do “rasganço”

Fora da escola misturava-se com os pés descalços?
Sim. Havia uma grande miscigenação: na praia, saltávamos de barco para barco, brincávamos aos índios e cowboys, e, o que é muito engraçado, juntavam-se-nos crianças de uma comunidade cigana. Apesar da grande diferença social, essa relação íntima existia muito.

Foi um aluno aplicado logo desde a escola primária?
Não. Era um bocado cábula. Havia três colegas meus que eram bem melhores do que eu. Mas, quando chegámos ao fim da 4.ª classe, um deles foi para a escola industrial, os outros dois foram para a pesca e eu é que fui para o liceu. E um dos que foi para a pesca era quem me ajudava a fazer as contas de dividir, sobretudo com números decimais, o que nunca soube fazer devidamente. É desgostante quando vamos atrás e pensamos nisso. Mas os amigos verdadeiros, aqueles que nunca mais se largam, foi muito aí que os criei e com eles fui sempre conversando e tendo relações muito fortes. Posso dizer que a atitude que julgo ter de preocupação com a coesão social foi muito aprendida aí, é alguma coisa que vem muito mais dos inícios do processo de crescimento do que da cultura e da ideologia que fui construindo ao longo do tempo.

A casa da sua família estava bem provida de livros?
Na família dos meus avós maternos, onde vivia o meu quotidiano, havia um gosto muito grande pela leitura. O meu avô, por exemplo, adorava a literatura russa – Dostoiévski, Tolstoi e por aí adiante –, que aparecia numa coleção de livros de bolso. Fui incentivado desde cedo a ler. Mas, quando procuro encontrar a razão pela qual comecei a ler cedo e a gostar de ler, encontro uma imagem muito firme, que é a do meu avô a ler-me os contos que vinham publicados na revista Civilização, que assinava. E ele lia muito bem. Muito pequeno mesmo, com 4, 5 anos, ouvia-o colocando-me de costas e encostado nos joelhos dele. Ouvia sem estar a ver quem estava a ler e aquilo era quase uma encenação, porque havia uma história que me aparecia, projetada por outrem, contada de uma maneira muito estimulante – na leitura, o meu avô interpretava as personagens que surgiam no conto. E cedo comecei a dizer: “Quero aprender a fazer isto.” Ainda hoje entendo que muitos dos jovens não leem porque os obrigaram a ler antes de eles quererem e gostarem de aprender a ler.

Foi buscar o título do seu mais recente livro, A Vida na Selva, ao de uma redação que escreveu no 1.º ano do liceu, em que contava a história de uma comunidade de animais falantes, “num contraste permanente entre o bem e o mal, até à chegada, apaziguadora, do leão”, descreve. Mas a professora não acreditou que tivesse sido o aluno Álvaro a escrever a redação. “Guardei as lágrimas de raiva para casa”, conta. Zangou-se, a partir de então, com o Português?
Sim – enquanto disciplina escolar, não enquanto leitor. Esse até foi um dos períodos da vida em que eu e companheiros meus demos um salto muito grande na qualidade da leitura. Na escola primária e no liceu – ao contrário do que depois aconteceu na universidade –, fui sempre cábula e desprendido do estudo curricular. Mas, nessa redação sobre a vida na selva, entusiasmei-me com a escrita e terei feito uma história bonitinha, bem construída e conseguida. E quando acabo de a ler na aula e a professora me diz, “Ó meu filho, não foste tu que a fizeste, pois não?”, achei que aquilo era de uma grande injustiça. Até porque o comentário foi acompanhado das gargalhadas dos colegas que estavam a ouvir e que encontraram na reação da professora uma boa maneira de descaraterizarem a qualidade do que tinha feito. A partir daí, zanguei-me mesmo. Não me interessei mais pelo estudo do Português. Mais: acho que me desinteressei de responder bem nas aulas.  

Além da literatura, é conhecida a sua paixão pelo teatro. Também começou cedo?
Sim. Quando tinha 6, 7 anos, havia com frequência uma ida à Nazaré do Teatro Desmontável Rafael de Oliveira, onde, entre outros, estava a muito novinha Eunice Muñoz – vi-a no Frei Luís de Sousa a fazer de Maria, com 13 anos ou por aí. Este teatro desmontável representava tudo o que eram peças clássicas e, quando passava pela Nazaré, ia a família toda. Quando vi o Milagre de Santo António, então, com peixes a saírem de trás de umas ondas, apesar da tecnologia rudimentar… Ando sempre muito ligado à capacidade que temos de, através da ficção, podermos criar verdades que não são as da lógica racional, mas que têm que ver com dimensões interiores em cada um de nós. Tive sempre a sorte de essas coisas me serem trazidas e se algum pequeno mérito tenho é o de não as ter desleixado e de as ter incorporado.

1959 Guarda-redes da equipa do Externato Ramalho Ortigão, de Caldas da Rainha, num jogo em Cernache do Bonjardim

Em contraste com a cabulice escolar no liceu, o teatro interessava-lhe muito mais…
Sem dúvida. Integrei um grande grupo de jovens nazarenos que criou o Clube Académica da Nazaré que, entre outras, também formou a Secção de Teatro. Foi aí que, com 17 anos, comecei a atuar como ator. No conjunto, devo ter participado em cerca de 12 peças. Foi aí que se consolidou o meu gosto pelo teatro.

Concluído o 7.º ano, disse ao seu pai que queria ir para o teatro. Supõe-se que a casa veio abaixo…
Foi ao jantar, e à mesa estavam o meu pai, a minha mãe e o meu avô. Fez-se um silêncio absoluto. Até que o meu pai diz-me qualquer coisa do género: “Bem, isso é contigo.” Conhecia-me perfeitamente e sabia que se me dissesse “nem pensar nisso” era muito difícil impedir que eu fosse. De repente, fiquei sozinho com o teatro e a perguntar-me: “Como é que chego lá?” Resultado: como era esperado, fui para a Universidade de Coimbra.

Matriculou-se logo na Faculdade de Direito?
Não. Antes pensara ir para Económicas e Financeiras – na altura era um pouco por aí que se chegava à carreira diplomática. Mas desisti logo, não tinha nada que ver comigo. E fui depois para a Justiça porque era o que havia de mais parecido, no ritual e na sua expressão externa, com o teatro. Digo-o com todo o respeito, além de uma pitada de humor.

Na universidade participou em movimentações estudantis anti-ditadura?
Estive na maior parte das manifestações de rua, andei a fugir da polícia, e tive uma aproximação a um problema com a PIDE, porque foi descoberto que tinha sido eu o autor de um texto irónico, para apresentar num sarau, em que a figura mais criticada era Salazar. Escapei assim: havia uma tentativa de substituir o então maestro do orfeão, pessoa de idade já bastante avançada, e eu, de repente, quase que numa epifania desculpante, disse que o texto nada tinha que ver com o Presidente do Conselho, mas sim com o maestro. Estive ali à beira de um problema sério.

Na universidade fui para a Justiça porque era o que havia de mais parecido, no ritual e na sua expressão externa, com o teatro. Digo-o com todo o respeito, além de uma pitada de humor

Sendo alvo, no mínimo, de informações “pouco abonatórias” da PIDE, como conseguiu chegar a magistrado?
Não foi linear. Quem concorria ao Ministério Público, a delegado do procurador da República, com o curso que agora se designa por mestrado, como era o meu caso, tinha preferência sobre todos os outros. Mas, quando abriu o concurso, todos foram colocados e eu fiquei para último. Com quase um ano de atraso, tentei perceber o que se passava, fazia perguntas e davam-me respostas burocráticas. Até que alguém me disse que a PIDE demorou demasiado tempo a dar o parecer no sentido de que não havia obstáculo à minha entrada. Não posso garantir que foi assim, apenas repito o que me disseram. O certo é que tinha o direito de entrar antes e entrei no fim.

Mas, em 1968, é colocado como delegado do procurador da República em Seia, a sua primeira comarca. Algum caso marcou-o nessa estreia?
Houve um que me impressionou particularmente. Foi o de um homicídio brutal cometido por um indivíduo que ia num atrelado de um trator. Conforme a prova que depois se fez, e a que foi muito difícil chegar, outro indivíduo vem atrás, numa bicicleta, segura-se ao atrelado e vai rebocado. Eles estariam de relações cortadas e o que vai no trator diz ao outro para largar o atrelado e ir-se embora. Como não o fez, o que está em cima, com um machado, mata-o, abrindo-lhe a cabeça ao meio. O cérebro ficou com uma metade para cada lado. Uma coisa horrível. O homicida era um indivíduo boçal, no sentido de quase não ter capacidade de distinguir o bem do mal. Foi uma investigação complicada e um julgamento muito pesado. Para um jovem delegado, que dava os primeiros passos, foi um batismo com peso. De repente ser-se confrontado, quando se vem com os grandes ideais de justiça, com esta dimensão que a vida também comporta, e que nos coloca a questão de saber se estamos no lugar certo – depois percebi bem que sim, que estava –, marcou-me muito.

Seguiu-se o Fundão. Nesta comarca, ao que se diz, confrontou-se com um bicudo caso político, relacionado com as eleições de 1969 para a Assembleia Nacional, já no tempo de Marcelo Caetano…
É verdade. O voto era feito por lista nominal dos candidatos, entregue aos eleitores. Havia a lista da União Nacional, o partido do regime, e a da oposição. E aconteceu que no Fundão houve uma freguesia, Souto da Casa, em que a oposição ganhou. Em pouquíssimos outros locais do País isso sucedeu. No caso de Souto da Casa, a câmara municipal e o governo civil sentiram-se na necessidade de explicar como é que tinha acontecido uma coisa daquelas.

Colegas Foto conjunta do curso de Direito, em Coimbra

E dirigiram-se a si, delegado do procurador da República…
Houve uma queixa feita pelo presidente da câmara, dizendo que, na véspera das eleições, elementos da oposição tinham ido à residência das pessoas, em Souto da Casa, e aí trocaram a lista que as pessoas já tinham em seu poder pela da oposição, tendo sido por isso que votaram nesta, quando a intenção era a de votar na União Nacional. Tinham sido, assim, impedidas de exercer livremente o direito de voto, o que constituía crime. Chamei os denunciados e eles disseram: “Sim, senhor, é verdade. Nós fizemos isso.” Mas acrescentaram: “Fizemo-lo porque a nossa lista já estava nas mãos daquelas pessoas desde a antevéspera, e foi depois trocada pela da União Nacional.” Perguntei-lhes: “Então, estão a denunciar a União Nacional por ter feito a mesma coisa?” Responderam que sim. “Só fizemos porque eles já tinham feito.” 

O que se seguiu?
Chamei o presidente da câmara, para lhe perguntar se também denunciava a União Nacional, como era exigido pela lei. Foi engraçado, porque pediu-me um tempo para refletir. Tinha de pedir instruções, como é evidente. Voltou mais tarde para apresentar a queixa, embora adiantando não acreditar que os membros da União Nacional tivessem feito o mesmo. Chamei-os, mas, ao contrário dos elementos da oposição, negaram que assim tivessem procedido, repetindo que “apenas os da oposição é que trocaram as listas”.

Ambos tinham-no feito…
Exatamente. Chamei uma série de eleitores e cheguei à conclusão de que muitos deles mal sabiam escrever o nome. Acabei por dar um despacho em que dizia que não havia crime, porque só pode existir livre exercício do direito de voto quando se sabe em quem se vota. As pessoas colocaram na urna uma lista que não tinham condições para saber qual era, porque não tinham condições para a identificarem. E arquivei o processo. O presidente da câmara ficou muito incomodado com isso. Quis vir falar comigo, para lhe dar explicações. Respondi que não tinha de lhe explicar mais nada, além do que constava do despacho, o que teve como resposta uma insinuação de que “isto não vai ficar assim”. Assumi isso e fiquei, claro, preocupado com as consequências que daí podiam advir. Mas, tirando aquela ameaça velada, não aconteceu coisa nenhuma.

Até à sua chegada ao Supremo Tribunal de Justiça, em 2003, quando deixou de ser procurador-geral adjunto e passou a juiz-conselheiro, apenas foi juiz, no caso de 1.ª instância, entre 1973 e 1974. Algum julgamento ficou-lhe em particular na memória?
Há um caso que me baila no espírito em permanência. Isto porque me deixa alguma dúvida quanto à maneira como construí a decisão de condenar. Foi um caso em que condenei uma pessoa – a uma pena de multa, nada de excessivamente pesado – pela prática de um crime de homicídio involuntário num acidente de viação. Continuo a ter a convicção de que decidi bem, mas a minha inquietação vem de ter sido o único caso em que me meteram uma cunha, na circunstância para que absolvesse. E não tenho a certeza de que a cunha não contribuiu para a condenação. Não sei se, no limite, naquele momento em que nós, juízes, temos de dizer “é assim ou é assim”, a cunha não reforçou, inconscientemente, a minha inclinação para aquele lado.

Quando falamos na extrema-esquerda temos de distinguir a totalitária da libertária, pela qual não deixo de ter alguma simpatia, mesmo sendo representada pelos grupos mais radicais

Onde é que o 25 de Abril de 1974 o apanhou?
Em mudanças, de Oliveira do Hospital, onde era juiz desde 1973, para Coimbra, onde tinha aceitado o lugar de juiz adjunto do Procurador da República, como então se designava, junto do Tribunal da Relação. A minha mudança estava mesmo marcada para aquele dia. Lá consegui convencer o senhor dos transportes a levar as minhas coisas para Coimbra, o que ele não queria fazer. Depois, já em Coimbra, com a televisão em cima de um caixote, é que fui dando conta do que se estava a passar e, a partir daí, senti-me verdadeiramente envolvido pelo acontecimento. Foi um dia extraordinário. Recordo-me de um episódio muito pessoal: estava a comer atum de uma lata com um garfo e a olhar para a televisão e, de repente, tenho uma reação emotiva, que não foi descontrolada, mas não andou muito longe. As lágrimas rolavam-me pela face. Estava sozinho em casa, ouço um ruído na rua, venho à janela, e vejo um senhor de idade que vai a andar e que, um pouco descomposto, gritava: “Sou um homem livre!” É só uma historinha do meu 25 de Abril, feito muito em privado, mas que foi muito forte nesta cronologia que permite hoje guardar uma memória bem viva.

No seu mais recente livro, num texto de homenagem ao escritor chileno Luis Sepúlveda, refere Chico Mendes, o ativista ambiental e defensor dos direitos dos seringueiros da Amazónia, assassinado a mando de fazendeiros, e os tempos sombrios após o golpe de Pinochet. É assim tão de esquerda?
Hoje posso dizer sem nenhum tipo de hesitação que sempre me situei à esquerda enquanto social-democrata. Agora é preciso dizer assim, porque as palavras andam de tal maneira vadias que não sabemos muito bem o que cada uma delas quer dizer. Sempre tive dificuldade de conviver do ponto de vista compreensivo, em termos de adesão ou não, com o oposto radical do que considero importante. Tenho uma reação muito negativa em relação aos totalitarismos, de esquerda ou de direita. Isso não significa que não tenha imenso respeito por muito do pensamento de pessoas que vivem uma ou outra das realidades. Mas tenho muita dificuldade em estender essa margem de compreensão à extrema-direita. Talvez porque fui muito marcado pelo que foi o papel da extrema-direita ao longo do tempo e porque, neste momento, estou muito marcado pelo que ameaça vir a acontecer progressivamente pelo mundo democrático fora. Quando falamos na extrema-esquerda, porém, temos de distinguir a totalitária da libertária, pela qual não deixo de ter alguma simpatia, mesmo sendo representada pelos grupos mais radicais. Não porque queira vincular-me a isso, mas porque muito do que de alguma forma permite a construção complexa da vida também está bastante aí, quando tudo é colocado em contexto quer histórico quer geográfico.

Foi ministro da Justiça de um Governo cujo primeiro-ministro, Cavaco Silva, chamou “força de bloqueio” ao então procurador-geral, Cunha Rodrigues. Mas de si, enquanto governante, nunca se ouviu tal expressão. Não concordava com ela?
Como ministro da Justiça tinha e sempre tive a ideia de que um objetivo que qualquer titular dessa pasta num regime como o nosso deve perseguir é o de manter tão intocável quanto possível o prestígio das instituições judiciárias. E, nessa medida, o ministro não deve tornar públicas as situações de divergência ou até de eventual conflito que haja entre ele, órgão político, e os tribunais, enquanto tais. Devo dizer que não foi fácil manter essa posição ao longo dos cinco anos em que estive como ministro da Justiça. Mas fico feliz por se verificar que não se nota da minha parte, como titular da pasta, qualquer posição de afrontamento com a Procuradoria-Geral da República. E nunca valorizei particularmente aquela afirmação do então primeiro-ministro – ele tinha com certeza a sua intencionalidade quando a referiu, mas não a vi como uma tomada de posição que viesse definir a sua filosofia face à relação interinstitucional.

Como viu o Manifesto dos 50, que, encurtando razões, acusa a Justiça de “indevida interferência no poder político, não conforme com as exigências do Estado de Direito democrático”, e que reivindica uma reforma do setor, exemplificando com os casos Influencer e da Madeira?
Não concordo com várias coisas que são ali ditas, mas que têm que ver com processos concretos e sobre isso não falo. Mas, para mim, é de louvar o manifesto e o facto de os subscritores terem convergido na necessidade de o apresentar. Não fizeram outra coisa senão dizer: “Sentimos que há aqui um problema, temos em face dele esta leitura, vimos colocá-la no espaço público e queremos que se abra um debate sério sobre esta matéria.” Agora, se isto for colocado em trincheiras de combate, vamos enquistar as posições, vamos sair dessas trincheiras ainda com elas mais enrijecidas e não vamos encontrar um espaço de cooperação, que é hoje essencial. Se há uma dimensão estratégica na Justiça, se pelo seu funcionamento há efeitos perversos em áreas fundamentais da administração pública ou da administração concreta da política, então temos de reconhecer que existe uma dimensão política na administração da Justiça. Mas nunca nos processos, nunca na decisão, nunca na autonomia da investigação, porque isso são pontos intocáveis em nome da defesa do Estado de Direito. No entanto, havendo aqui de facto um problema político, o qual neste momento coloca o Ministério Público no banco dos réus, não podemos deixar que se consolide esta ideia, porque, na minha opinião, há muita coisa errada na perspetiva de crítica àquela magistratura. É preciso que isso seja restabelecido e recolocado no seu ponto exato: temos de distinguir o que o Ministério Público é, o que faz, e a maneira como faz o que faz. E a maior parte das coisas que se destacam como erradas – e eu comungo dessa opinião – encontram-se sobretudo na maneira como faz o que faz, e porventura num ponto ou outro naquilo que faz. Se pusermos em causa a autonomia do Ministério Público, estaremos a deixar sair com a maior facilidade pela porta o que tão dificilmente entrou pela janela.

Em 2014, quando publicou o seu primeiro romance, O Chamador, surpreendeu meio mundo. Entretanto, já vai na sua 5.ª ficção, se contarmos com A Vida na Selva. Quando e como se descobriu escritor?
Assumi ser escritor quando publiquei esse primeiro romance, em 2014. Disse, então, que era o que queria ser. Descobrir-me escritor não sei quando foi, nem sei se já foi. Tendo hoje a julgar que sim, mas sem a isso acrescentar qualquer juízo de qualidade, que não me compete fazer.

Temos de distinguir o que o Ministério Público é, o que faz, e a maneira como faz o que faz. E a maior parte das coisas que se destacam como erradas – e eu comungo dessa opinião – encontram-se sobretudo na maneira como faz o que faz

Qual é o livro da sua vida, se o tem?
O Pinóquio. Foi o livro do grande deslumbramento. Quando o li, pensei que o escritor é outra forma de Deus, cria coisas fantásticas que não existem. Mais tarde, Umberto Eco também disse que o Pinóquio foi fundamental na vida dele, o que me deixou feliz.

É tido como um sportinguista ferrenho, daqueles para os quais um penalti a favor do Sporting é sempre bem assinalado, e contra, mal marcado…
Diria que não sou ferrenho, mas sim um sportinguista muito convicto. O futebol tem a grande virtude de nos dar espaço para despejarmos as dimensões da irracionalidade. Nessa medida, quando as questões do Sporting estão muito no ganha ou não o campeonato, ganha ou não uma final, aí sou capaz de reconhecer que penalti contra o Sporting nunca é, penalti a favor do Sporting é sempre.

Jogou futebol?
Joguei a guarda-redes várias vezes ao longo da vida, sempre como amador. E mesmo a nível oficial só em Coimbra, nos campeonatos universitários. Gostei sempre do lugar, não era um guarda-redes extraordinário, longe disso, mas cumpria com os mínimos. Quando estive no Governo, fizemos dois jogos – além de mim, à baliza, jogavam o Bagão Félix, o Couto dos Santos, o Arlindo Cunha e muitos secretários de Estado – com jornalistas. No segundo desses jogos, no Estádio Nacional, chovia a cântaros, eles estiveram sempre em cima de nós, mas o resultado acabou 0-0. O que significa que o guarda-redes não se portou mal, não é? Lá fui defendendo o que era para defender. O problema é que fiquei todo esfolado, porque a relva estava toda revolvida por causa da chuva. Então há uma fotografia minha já nos balneários, com os joelhos escalavrados. Houve um repórter-fotográfico maroto que me tirou a foto, que depois saiu no semanário O Jornal, com a seguinte legenda: “O estado a que chegou a Justiça em Portugal.” [risos.]

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Palavras-chave:

T em um daqueles nomes que nos soam estranhos e que se costumam dar aos princípios ativos dos medicamentos, mas é a grande esperança no combate a uma doença cada vez mais presente no nosso quotidiano, à medida que vivemos mais tempo e as populações envelhecem. O donanemab retarda a progressão do Alzheimer em 60%, em pacientes nos estágios iniciais da doença, e isso mesmo foi confirmado esta semana pelo painel de especialistas da FDA, a agência norte-americana que aprova os fármacos.

Os resultados dos ensaios clínicos foram publicados o ano passado na revista científica Jama – Journal of the American Medical Association. O estudo incluiu mais de 1 700 pacientes, entre os 60 e os 85 anos. Embora os resultados sejam bastante mais eficazes entre as pessoas mais novas, o facto é que, nas contas finais, o donanemab atrasou a progressão do Alzheimer em 60% dos casos.

Além disso, 39% dos doentes apresentaram um risco bem menor de evoluir para o próximo estágio da doença, durante o período de 18 meses que durou o ensaio. Outro resultado animador prende-se com o facto de metade dos pacientes ter conseguido mesmo interromper o tratamento ao fim de um ano, porque o medicamento foi eficaz a diminuir fortemente os depósitos da proteína beta-amiloide (as placas amiloides), que são uma das característica da doença. Estas placas bloqueiam a comunicação entre as células e levam à morte de neurónios.

Os novos medicamentos que têm surgido nesta revolução contra o Alzheimer – e o donanemab não é o único – incidem sobre os depósitos de beta-amiloide, que surgem até antes da própria doença. Mas esta nova droga da farmacêutica Eli Lilly não é só pura magia.

Um dos efeitos secundários comuns que o ensaio clínico mostrou foi inchaço cerebral em um terço dos pacientes. A esmagadora maioria resolveu o inchaço sem problemas e sem sintomas, mas três pacientes morreram. Houve também casos de hemorragias cerebrais. Ainda assim, e tendo em conta a gravidade do Alzheimer, o painel de especialistas da FDA considerou que os benefícios superam os riscos, abrindo caminho para a aprovação do medicamento.

Já a ser administrado, o lecanemab, da farmacêutica japonesa Eisai, foi aprovado nos EUA há um ano, e também ataca as placas de proteína, além de retardar o avanço da perda de memória. Conforme o relato do New York Times, os resultados do seu tratamento têm sido modestos. Primeiro, porque o grupo de pacientes elegíveis para o tomar é reduzido – só funciona nos primeiros dois estágios da doença e é preciso confirmar que a causa da demência seja mesmo a presença das placas amiloides. Depois, os riscos são os mesmos: inchaço e hemorragia cerebrais.

Uma doença a crescer

Apesar das cautelas, o facto é que nunca houve tratamentos tão eficazes contra o Alzheimer, a mais conhecida e frequente das demências, a qual, segundo a Organização Mundial da Saúde, afeta 55 milhões de pessoas, número que se prevê aumentar para 78 milhões em 2030 e para 139 milhões em 2050. Todos os anos há dez milhões de novos diagnósticos, sendo raros antes dos 65 anos.

Até agora, não existia um tratamento curativo (e cura ainda não há) ou que travasse a progressão da doença – o acompanhamento tem sido feito através do controlo dos sintomas com medicamentos que ajudam a dominar o declínio cognitivo.

O sintoma principal é a deterioração progressiva da memória, o que impacta bastante as atividades do dia a dia. A doença desenvolve-se em três grandes fases. Tem um início muito gradual, o que atrasa o diagnóstico, mas no estágio mais leve há lugar aos esquecimentos de acontecimentos recentes, perda de interesse por fazer atividades e muita reticência em adaptar-se à mudança ou fazer coisas novas, um discernimento reduzido, em que se tomam más decisões, e a instalação de um certo egocentrismo.

Na segunda fase, moderada, agravam-se as perdas de memória, a pessoa pode perder-se por haver confusão de espaços e do tempo, podem começar os comportamentos inapropriados, já se confundem as pessoas mais próximas e haverá negligências, como deixar o gás ligado, por exemplo.

Finalmente, na fase avançada, já não se é autónomo, é preciso ajuda para comer e vestir, a agressividade instala-se, perde-se linguagem e compreensão, as capacidades motoras ficam comprometidas e, no fim da vida, é possível que se fique acamado.

Entre as causas da doença, ainda há muito em investigação, mas além da formação das placas amiloides, estuda-se o peso genético. “A doença de Alzheimer é considerada uma doença com um peso genético importante. Embora sejam também raras as pessoas com formas hereditárias ‘puras’ (menos de 1%), considera-se que, na maioria das pessoas, mais de metade do risco tem que ver com os genes”, explicaram os neurologistas Miguel Pereira e Isabel Santana na VISÃO Saúde, acrescentando que “o principal fator de risco para a doença de Alzheimer é a idade. Com o aumento da idade, o risco de ter a doença aumenta de uma forma exponencial (duplica a cada dez anos, a partir dos 65 anos). Assim, não é incomum uma pessoa ter um familiar que teve doença de Alzheimer, habitualmente em idades tardias e em famílias de grande longevidade. Tal como noutras doenças, ter um familiar que teve a doença aumenta o risco de a desenvolver, mas este é não é substancial”.

E existem outros fatores de risco, a saber: a hipertensão arterial, a diabetes mellitus, o tabagismo, a inatividade física e mental, o défice de audição, a má higiene de sono, o stresse em demasia e o isolamento. Para alguns, não podemos esperar respostas da Ciência, mas podemos ser nós a tentar controlá-los.

Os novos diagnósticos

A Inteligência Artificial está a criar um mundo novo de deteção do Alzheimer

Ressonância magnética funcional
Cientistas da Universidade Queen Mary, em Londres, publicaram este mês um estudo na revista Nature Mental Health anunciando um método para estimar a probabilidade de uma pessoa vir a desenvolver a doença até nove anos antes do aparecimento dos sintomas. O exame – desenvolvido com a ajuda da IA, uma vez que compara o paciente com imagens cerebrais de milhares de voluntários – mede uma área da função cerebral que é a primeira a ser afetada e tem uma precisão de 80%.

Imagiologia oftalmológica
Recolhas post mortem na retina de pessoas com Alzheimer confirmaram a presença de beta-amiloide no olho – daí que os cientistas tentem encontrar neste órgão a presença de biomarcadores desta patologia neurodegenerativa em pessoas vivas e sem procedimentos invasivos. Utilizando as novas tecnologias de imagiologia oftalmológica, vários estudos têm descoberto evidências de acumulação de beta-amiloide na retina. Novos estudos mostram ainda que a perda de sensibilidade visual (ver contornos de objetos ou discernir cores) é um dos sinais precoces do Alzheimer, antes mesmo do início da perda de memória.

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Talvez só alguns dos muitos milhares de escoceses que invadiram Munique (a esmagadora maioria deles sem bilhete) acreditassem que o resultado final do jogo de abertura do Euro2024 não fosse uma vitória da Alemanha. Como era de prever, os donos da casa venceram a simpática equipa escocesa. O que provavelmente poucos esperavam era que o desnível entre as duas equipas fosse tão acentuado e que o jogo terminasse com uma goleada por 5-1. Um resultado que acabou por se justificar pela eficácia exibição alemã e pela fragilidade demonstrada pelo conjunto britânico. Provavelmente, mais um exemplo de que a decisão patrocinada por Michel Plantini como forma de angariar votos na sua fome de poder pode não ter trazido os melhores frutos ao futebol europeu. Ao aumentar para 24 o número de seleções participantes em fases finais do Campeonato da Europa é simpático e abre espaço a equipas que, de outra forma, não conseguiriam entrar na elite, mas corre-se este risco de ter resultados muito desnivelados e jogos em que não existe, de facto, competitividade. É algo que teremos de avaliar com o decorrer da competição. Esperemos que engane e que, em vez deste tipo de goleadas, apareçam grandes surpresas.

Outra nota que fica da partida inaugural da competição é que a Alemanha, seleção com mais títulos europeus conquistados, surgiu disposta a não facilitar e em terminar com a maldição que, desde 1984, afeta as equipas anfitriãs. Há 40 anos, a França foi a última nação organizadora a conseguir sagrar-se campeã da Europa. De lá para cá, todos os falharam, como os portugueses bem devem estar recordados. É certo que ainda há muita competição pela frente, mas a Alemanha deixou bem claro ao que vem, confirmando ser um dos grandes favoritos à vitória final. Outros dois grandes candidatos e um forte aspirante entram hoje em campo. Às cinco da tarde, a Espanha defronta a Croácia e, às oito da noite, a Itália bate-se com a Albânia. Dois jogos referentes ao Grupo B. Antes, às duas da tarde, Hungria e Suíça fecham as contas da primeira jornada do Grupo A.

Uma nota final para a euforia que continua a viver-se em torno da Seleção Nacional. Depois da calorosa receção que receberam, na quinta-feira, da parte de milhares de emigrantes, mas também de fãs de outras nacionalidades, a equipa das quinas voltou ontem a ser engolida por uma multidão que assistiu ao obrigatório treino aberto que todas as equipas têm de realizar durante a competição. Um ambiente que pode ajudar a motivar os jogadores portugueses, mas que se espera que acalme. A estreia marcada para a próxima terça-feira exige tranquilidade na preparação e concentração nos objetivos. Agora, acabou a festa. É hora de recolher ao trabalho. Para que a festa se faça no fim.