Há um concelho em Portugal que aumentou as exportações de bens em quase 200%, nos últimos cinco anos. Em Vagos, a aposta em parques industriais e a proximidade de importantes eixos rodoviários traduziram-se na multiplicação das vendas ao exterior, o que deu um valioso cartão de visita à autarquia para captar novos investimentos. Este é um dos exemplos de como o poder local tem ferramentas para ajudar a fomentar a presença internacional das empresas – mas está longe de ser o único. Os especialistas ouvidos pela EXAME são unânimes a apontar que os municípios têm potencial para desempenhar uma função importante no reforço das exportações nacionais, apesar de nem sempre esse caminho ser fácil.
“Pela maior proximidade aos territórios, as autarquias têm naturalmente um papel relevante no estímulo ao crescimento e no desenvolvimento socioeconómico da sua área de atuação”, afirma Luís Miguel Ribeiro. O presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) nota que “há algum tempo que as autarquias têm tido uma colaboração mais estreita com as entidades representativas das empresas – como é precisamente o caso da AEP –, em matéria de promoção nos mercados internacionais”. A análise da EXAME com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostra que há concelhos que alcançaram um crescimento acima de 100% das exportações de bens, nos últimos cinco anos, um ritmo bem superior ao de 29,5% verificado no País como um todo. Nos cálculos, foram incluídos apenas municípios que tenham exportado um mínimo de €100 milhões no ano passado.

Além de Vagos, também Ferreira do Alentejo, Valença e Póvoa de Varzim viram as empresas instaladas nos seus territórios mais do que duplicar as vendas nos mercados externos, entre 2019 e 2023. A EXAME foi à procura do que permitiram estas taxas de crescimento. No caso do concelho do distrito de Aveiro, o presidente da câmara detalhou a estratégia seguida e que contribuiu para que as exportações de bens aumentassem de €173,3 milhões, em 2019, para €509,9 milhões em cinco anos: “O desenvolvimento industrial como forma de fazer crescer o concelho de Vagos e a criação de condições para a captação desse investimento, quer interno quer externo, foram, desde o início, em 2013, uma prioridade estratégica, em que assentou tudo o resto”, revela Paulo Sousa.
Para alcançar este crescimento, a autarquia apostou em “parques empresariais devidamente infraestruturados, que permitem o acolhimento de novas empresas ou a ampliação e o melhoramento das existentes”. O presidente da câmara de Vagos salienta o exemplo do Parque Empresarial de Soza, que tem uma ligação privilegiada à A17. A autoestrada do Litoral-Centro é “uma via de comunicação estruturante”, refere o autarca. E a câmara tem tentado aproveitar as potencialidades dadas por esse eixo rodoviário. “Temos já em projeto a ligação da Zona Industrial de Vagos também à A17, numa interface que envolve igualmente a A25 e um acesso mais rápido ao porto de Aveiro. Isto é importantíssimo para o tecido empresarial, nomeadamente para o que se destina ao setor da exportação, e irá permitir uma maior competitividade logística, tornando Vagos mais atrativo para os empresários que queiram por cá sediar-se.”
A maior exportadora do concelho é, segundo informações fornecidas pela Informa D&B à EXAME, a Plafesa Portugal, uma unidade da Network Steel Resources, que se dedica à produção de aço de carbono. Entre as empresas vaguenses que mais vendem lá fora estão ainda a Grestel – Produtos Cerâmicos e a fabricante de bicicletas Unibike.
A alavanca das infraestruturas
Um exemplo semelhante pode ser visto em Valença, onde o investimento em parques empresariais e a ligação a importantes infraestruturas de transporte também se revelaram estratégicos. As exportações de bens do concelho minhoto cresceram de €107,7 milhões para €224,9 milhões, nos últimos cinco anos. “O Parque Empresarial de Valença é, hoje, uma referência no acolhimento industrial na região transfronteiriça Norte de Portugal-Galiza, podendo estabelecer contacto com um mercado aliciante de cerca de sete milhões de consumidores. Esta localização privilegiada é acompanhada, em termos de acessibilidades, pela proximidade ao nó da autoestrada A3 – a 500 metros do Parque –, que liga os principais centros urbanos do Norte de Portugal à Galiza”, indica fonte oficial da autarquia, liderada por José Manuel Carpinteira.
A proximidade a Vigo, que fica a pouco mais de 30 quilómetros, tem sido um motor importante para as exportações. A cidade galega alberga a maior fábrica da Stellantins fora de França, o que tem permitido a Valença aumentar as vendas de componentes automóveis para o exterior. Assim, não é de estranhar que as duas maiores exportadoras do município – a Lear Corporation e a MA Automotive Portugal Project – sejam desse setor. A estratégia valenciana é para continuar, com uma fonte oficial do município a revelar que “a expansão do parque empresarial é uma das prioridades e uma área com investimentos significativos nos próximos tempos”. Em simultâneo, Valença tem atuado na área fiscal, para fixar pessoas e empresas, com a câmara a garantir que “continuará a ser um dos concelhos fiscalmente mais atrativos de Portugal”.
A EXAME contactou também as autarquias de Ferreira do Alentejo e da Póvoa de Varzim, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição. Ainda assim, a análise aos dados do INE deixa pistas sobre o que motivou o crescimento das vendas ao exterior. No caso de Ferreira do Alentejo, foi a fileira do olival a ajudar a regar as exportações, com as gorduras e os óleos a representarem quase 90% das vendas de €140 milhões para fora do País. Sem grande surpresa, as empresas que mais contribuem para o comércio internacional do concelho são desse setor: a Aggraria Lagar, a Casa Alta – Sociedade Transformadora de Bagaços e a Bestolive.
Póvoa de Varzim também conseguiu duplicar as exportações, nos últimos cinco anos, passando de €99,8 milhões para €200,9 milhões. Uma parte significativa deste aumento deveu-se às indústrias alimentar e de conservas, responsáveis por quase 80% do comércio internacional gerado a partir deste concelho pertencente ao distrito do Porto. A maior exportadora poveira é a Fábrica de Conservas A Poveira, mas o concelho tem também empresas com uma boa presença internacional noutros setores, como a TradEstela – da área de corretagem de transportes marítimos – e a Ecosteel, unidade de fabrico de caixilharias, controlada pelo Grupo Vanguard.
Top 10 com quota de 35%
Os exemplos de Vagos, Ferreira do Alentejo, Valença e Póvoa de Varzim até podem ser um caso de estudo pela forma como conseguiram acelerar as exportações. Mas, apesar desses e de outros casos de concelhos mais pequenos com histórias de sucesso no mercado internacional, o facto é que em Portugal as vendas para o exterior estão bastante concentradas. “Com base nos resultados apurados, em 2023, os dez municípios mais exportadores (3,2% do total) representaram 35,7% das exportações totais”, refere a AICEP, numa análise enviada à EXAME.
Lisboa encabeça a lista, com um volume de €8 319 milhões, mais de 10% do total do País. Os dados da Informa D&B mostram que a EDP, a Petrogal, a TAP, a Galp – Gás Natural e a Teleperformance Portugal compõem o pódio das lisboetas com maior volume de vendas para o exterior. Nos últimos cinco anos, o valor das exportações das empresas do concelho aumentou em €1 569 milhões, um crescimento relativo de 23%. Ainda que tenha sido o maior incremento em volume, Lisboa ficou aquém do crescimento de 29,5% do País no mesmo período.

Os outros dois lugares do pódio dos mais exportadores são ocupados por Palmela e Famalicão. Embora a economia destes dois concelhos assente no setor automóvel, a evolução ao longo dos últimos cinco anos tem sido distinta. No município do distrito de Setúbal, as vendas para o exterior caíram mais de 20%, uma descida de €1 042 milhões para €3 747 milhões. No entanto, importa referir que, no ano passado, a Volkswagen Autoeuropa – a grande exportadora do concelho e uma das maiores do País – teve a produção parada durante várias semanas, devido aos problemas provocados por um fornecedor da Eslovénia afetado pelas cheias. Já em Famalicão, o motor nunca foi abaixo, bem pelo contrário. As exportações cresceram a um ritmo mais rápido do que o do País, com uma subida de 36% para um recorde de €2 757 milhões no ano passado. Foram mais €727 milhões do que em 2019, o que permitiu ao concelho manter o título de campeão das exportações no Norte de Portugal. As empresas que mais contribuem para esse estatuto são a Continental Mabor, a Coindu – Componentes para a Indústria Automóvel e a TMG – Tecidos Plastificados e Outros Revestimentos para a Indústria Automóvel.
No top 5 dos concelhos mais exportadores estão Oeiras e Setúbal, com valores em torno dos €1 920 milhões. Maia, Braga, Vila Nova de Gaia, Sintra e Guimarães fecham a lista dos dez municípios que registam um maior volume de vendas de bens para o estrangeiro.
Uma questão de políticas e de escala
Nos últimos anos, houve mais autarquias a redobrar esforços para promoverem a presença internacional das empresas dos seus concelhos. Luís Miguel Ribeiro nota que tem existido uma “colaboração muito próxima” entre a AEP e os municípios, “cujas parcerias estabelecidas têm permitido potenciar a promoção e a melhor divulgação dos projetos junto das empresas localizadas nos respetivos territórios”. O responsável da associação empresarial destaca “o trabalho próximo que tem tido com diversas autarquias, nomeadamente com as câmaras de Famalicão, de Santo Tirso, de Matosinhos, de Penafiel e de Viseu, e que tem sido uma excelente mais-valia, em prol do reforço do processo de internacionalização das empresas portuguesas”.
Essas iniciativas têm-se refletido nos números das exportações em alguns concelhos. E há argumentos para que se reforce o papel das autarquias como alavanca para a presença nos mercados externos. “As políticas nacionais são definidas tendo em conta objetivos nacionais, mas são cegas face às especificidades regionais ou locais”, considera Isabel Mota. A professora de Economia na Universidade do Porto detalha que, “dada a existência de especificidades regionais e características específicas dos setores e empresas, poderá existir vantagem na definição de políticas locais. A descentralização de políticas de promoção de exportações pode assim ser mais eficiente, ao aproximar as políticas das especificidades locais em termos de região, setores de atividades e características das empresas”.
No entanto, um caminho mais local na definição de políticas para a promoção do mercado internacional não está isento de riscos. “A sua efetivação necessita de recursos humanos, financeiros e técnicos, que podem não existir ou ser exíguos ao nível municipal”, realça Isabel Mota. A falta de escala na maioria dos municípios portugueses pode complicar a tarefa no que respeita a instrumentos para fomentar as exportações. Apesar dos casos de sucesso, cerca de 28% dos concelhos portugueses têm vendas para o exterior abaixo de €5 milhões, segundo cálculos da EXAME, baseados nos dados do INE. Quase 14% não chegam a €1 milhão e há nove que nem um cêntimo exportaram.
Poderá ser desejável, em algumas regiões, aumentar a escala de oferta de serviços de apoio à exportação, criando-se, por exemplo, serviços partilhados entre municípios que ofereçam serviços especializados de apoio legal, linguístico e de aconselhamento a empresas de uma rede de municípios
isabel mota, professora de economia na universidade do porto
A boa notícia é que existem estratégias que podem ser utilizadas para melhorar os números nos concelhos com maiores dificuldades no comércio internacional. Isabel Mota aponta algumas soluções: “Poderá ser desejável, em algumas regiões, aumentar a escala de oferta de serviços de apoio à exportação, criando-se, por exemplo, serviços partilhados entre municípios que ofereçam serviços especializados de apoio legal, linguístico e de aconselhamento a empresas de uma rede de municípios.” A economista salienta também que a dimensão das empresas portuguesas constitui um entrave à internacionalização. “Nesse sentido, os municípios podem também atuar como interfaces em consórcios de exportação, cujo objetivo será concentrar a oferta atomizada e dessa forma aumentar o potencial de penetração e a operação em mercados internacionais”, sugere.
Já Luís Miguel Ribeiro defende que, entre as políticas seguidas pelos municípios, devem constar, “além da estreita colaboração com as associações empresariais, a promoção de áreas de localização empresarial, em condições mais favoráveis, que permitam atrair e fixar empresas, ou ainda a isenção ou a redução de medidas de caráter fiscal para a captação de investimento, nacional e estrangeiro”. O presidente da AEP realça também a importância da “realização de investimento público em infraestruturas, bem como a promoção da ligação entre o tecido empresarial e o Ensino Superior, com o envolvimento das associações empresariais”, e sublinha a importância de se eliminar a burocracia, que diz implicar “perdas de produtividade e de oportunidades de investimento”.
Muitos concelhos – mesmo alguns de menor dimensão – deram provas, nos últimos anos, de que é possível aumentar as exportações, promovendo-se políticas para potenciar localizações geográficas privilegiadas, acessos a importantes infraestruturas de transportes ou a proximidade a grandes zonas industriais. Esse trabalho teve de ser desenvolvido em parceria com as empresas da região, associações empresariais e com o governo central. A estratégia aparenta, porém, estar a dar frutos, já que quase um terço dos municípios aumentou mais de 50% as exportações, nos últimos cinco anos.
No futuro, o papel desempenhado pelos municípios poderá ser reforçado. “Com a descentralização das competências, é esperado que o impacto das políticas municipais aumente significativamente”, prevê Luís Miguel Ribeiro, que relembra o “papel fulcral” que estes terão para ajudar o País a atingir a meta da intensidade exportadora de, pelo menos, 60% do PIB.