Mesmo quem desconfia das sondagens tem de reconhecer que a eleição do próximo Presidente dos Estados Unidos da América é tão difícil de prever quanto o vencedor da Liga dos Campeões… nos anos em que o Real Madrid não chega à final. Semana após semana, ao longo do último ano, todos os estudos de opinião coincidem no empate entre Joe Biden e Donald Trump, separados sempre por escassas décimas, tornando-se quase indiferente saber qual dos dois candidatos pode estar, circunstancialmente, à frente. Até porque noutros indicadores os seus resultados não permitem quaisquer ilações triunfalistas: tanto em aprovação como em popularidade, ambos têm estado sempre com valores negativos.Ninguém duvida, portanto, de que a eleição será disputada até ao último voto, especialmente em meia dúzia de estados decisivos. E de que a margem de vitória será, salvo qualquer ocorrência excecional, muito pequena. Por isso, será uma eleição decidida por pequenos pormenores. Como, por exemplo, uma gaffe num debate entre os dois candidatos.É precisamente por isso que o primeiro debate entre Joe Biden e Donald Trump, marcado para a madrugada de quinta para sexta-feira, pode ser de capital importância. E é também por essa razão que, por antecipação, muitos já o comparam ao confronto entre John F. Kennedy e Richard Nixon, em setembro de 1960, que definiu as eleições e, em simultâneo, inaugurou uma era na política americana e, mais tarde, mundial: aquela em que uma boa prestação na TV pode ser decisiva para fazer mudar o sentido de voto a eleitores suficientes para garantir a vitória.Nesse ano, embora surgisse com um ligeiro atraso nas sondagens, um Kennedy cuidadosamente maquilhado e treinado para responder com segurança às principais perguntas conseguiu, de forma quase instantânea, virar o favoritismo para o seu lado. Em termos de presença física e de segurança no discurso, foi implacável face a um Nixon com uma imagem descuidada e intervenções atabalhoadas. Enquanto um sorria e transmitia confiança, o outro transpirava e não conseguiu evitar o olhar perdido e inseguro. A vantagem do candidato republicano evaporou-se, assim, “ainda antes de o debate terminar”, como sublinha a historiadora Doris Kearns Goodwin, num livro recente sobre esse período. E a reação histórica do senador Henry Cabot Lodge, que concorria como vice-presidente de Nixon, terá sido ainda mais eloquente, segundo algumas testemunhas: “O sacana acabou de nos fazer perder a eleição.”
Respeitar as regras?
Desta vez, 64 anos depois do duelo Kennedy-Nixon, na era da internet e da informação instantânea, um debate na TV pode voltar a ser decisivo, apesar de ocorrer a grande distância das eleições de 5 de novembro e, portanto, ainda a tempo de qualquer candidato conseguir emendar uma má prestação. Acima de tudo, o debate marcará o início oficioso de uma campanha eleitoral que se prevê intensa, truculenta e, inevitavelmente, repleta de “casos” e de jogos sujos. A primeira surpresa reside mesmo no facto de os dois candidatos terem aceitado voltar a medir forças num debate televisivo, depois de tudo o que aconteceu nos confrontos de 2020 e após anos de ataques mútuos entre personalidades que não escondem o desprezo que sentem uma pela outra. Para evitar atropelos e interrupções constantes, a CNN impôs algumas regras draconianas, que precisam de ser respeitadas durante a emissão, em sinal aberto, desde os estúdios de Atlanta: sempre que um dos candidatos estiver no uso da palavra, o microfone do outro será silenciado. Não haverá público, para evitar aplausos ou vaias – ou para impedir intimidações psicológicas, como a de Trump, em 2016, no debate com Hillary Clinton, em que fez sentar na assistência três mulheres que tinham acusado Bill Clinton de assédio sexual. Cada resposta não pode exceder os dois minutos e acender-se-á uma luz vermelha a cinco segundos do fim. Nos dois intervalos, por compromissos publicitários, Biden, de 81 anos, e Trump, de 79, podem ir à casa de banho, mas estão proibidos de falar com os seus assessores. Ao longo dos 90 minutos previstos para o embate, nenhum candidato poderá exibir gráficos ou recortes de jornais. As únicas “armas” que lhes serão distribuídas são folhas de papel, uma caneta e uma garrafa de água.
O debate marcará o início oficioso de uma campanha eleitoral que se prevê intensa, truculenta e, inevitavelmente, repleta de “casos” e de jogos sujos
Estratégias prontas
Em teoria, essas regras serão favoráveis a Biden, que tenta passar uma imagem de maior serenidade e responsabilidade. No entanto, também podem não ser completamente prejudiciais para Donald Trump, a quem o adversário vai procurar colar a imagem de “criminoso condenado”.A verdade é que este primeiro debate e a campanha eleitoral que se lhe seguirá serão de grande exigência para os dois candidatos. Tudo o que eles proferirem durante o confronto – e o modo como se comportarem – será analisado ao pormenor. E, de cada lado, as equipas de campanha vão esforçar-se por acentuar os pontos fracos do opositor.As estratégias parecem estar delineadas. Donald Trump vai procurar explorar a idade avançada do atual Presidente dos EUA que, se for reeleito, terminará o segundo mandato com 86 anos. Até agora, em todos os momentos, tem procurado apresentar Biden como “demasiado velho”, insinuando que ele nem sequer conseguirá ficar 90 minutos de pé e preparando-se para registar qualquer gaffe como sinal de senilidade. E quando for acusado por causa dos problemas com a Justiça, Trump não hesitará em ripostar com o caso do filho de Biden, Hunter, recentemente condenado em tribunal.Joe Biden, por seu lado, vai procurar mostrar-se em forma, física e mentalmente, à semelhança do que fez no discurso sobre o estado da União – embora aí com um texto preparado e com a ajuda do teleponto. A dúvida é sobre se Biden conseguirá ser suficientemente contundente nos ataques a Trump, sem perder a imagem de decência.Numa eleição que será decidida por poucos votos, haverá, no entanto, uma série de temas que têm a possibilidade de fazer desequilibrar a balança para qualquer dos lados, já que podem traçar linhas divisórias relevantes entre cada um: o direito ao aborto, a postura de Washington em relação a Israel e aos massacres na Faixa de Gaza, o controlo da imigração, o combate à inflação, a política de Defesa e a continuidade do apoio à Ucrânia. Mesmo que algumas dessas respostas não sejam dadas neste debate, elas irão estar presentes na campanha que se segue. De uma forma cada vez mais acalorada e sem as regras impostas no estúdio de televisão.
OS DIAS DECISIVOS
As datas que vão marcar a corrida presidencial nos EUA
27 de junho
Primeiro debate entre Joe Biden e Donald Trump, na CNN15 a 18 de julho
Convenção Republicana em Milwaukee, no estado do Wisconsin (ganho por Biden em 2020, mas por Trump em 2016). É o momento em que Donald Trump será nomeado oficialmente candidato, apresentando o nome de quem o irá acompanhar na vice-presidência, no caso de ser eleito.
19 a 22 de agosto
Convenção Democrata em Chicago, estado do Illinois (um bastião do partido de Joe Biden desde a eleição de Bill Clinton, em 1992). Biden vai manter Kamala Harris como vice-presidente?
10 de setembro
Segundo debate entre Joe Biden e Donald Trump, na ABC
5 de novembro
Eleições em todos os 50 estados para escolher os representantes no Colégio Eleitoral que elegem o futuro Presidente, que tomará posse a 20 de janeiro de 2025