Habitação, Saúde e Educação continuam a ser áreas sensíveis. A Economia pode ser o grande trunfo de Luís Montenegro. E a Defesa é ainda uma incógnita, mas deve ditar muito do que será o debate político nos próximos tempos. Que País é este que vai a votos no dia 18 de maio e em que pé estão os grandes dossiers da governação?
Habitação
A grande crise
Não há diagnóstico à situação do País que não ponha a Habitação como emergência nacional. Não é por acaso. O acesso a uma casa digna é cada vez mais difícil e tem consequências sociais cada vez mais devastadoras. Já era assim há um ano quando Luís Montenegro tomou posse, mas os indicadores não pararam de piorar desde que o Governo entrou em funções. Em 2024, os preços aumentaram 9,1% face ao ano anterior, tendo subido em 74% dos municípios, segundo dados do INE. Estão a vender-se mais casas, mas por preços muito mais elevados. Em fevereiro, o valor de avaliação bancária por metro quadrado ultrapassou os €1 800 pela primeira vez, uma subida de 16% face ao período homólogo.
O mercado não está melhor para quem procura arrendar. As rendas de novos contratos subiram em 2024 mais de 10%, batendo um novo record de €7,97 por metro quadrado em média no País, sendo que em Lisboa o valor é dobro. Segundo o INE, as rendas de novos contratos aumentaram em todos os 24 municípios com mais de 100 mil habitantes no último ano.
Para tentar dar resposta ao problema, o Governo lançou duas medidas emblemáticas: a garantia pública na compra de casa (que também estava no Programa Eleitoral do PS) e a isenção de IMT, ambas para menores de 35 anos. Segundo os analistas, estas aumentaram a procura e contribuíram para a subida dos preços e, de acordo com um levantamento feito pelo Público junto dos bancos, “há um número significativo de estrangeiros a comprar casa ao abrigo da garantia pública”. Segundo o Idealista, na prática, o aumento do valor dos imóveis absorveu os benefícios da isenção de IMT e imposto de selo.

Uma das medidas que o Governo considerou importantes para aumentar a oferta foi a revisão da Lei dos Solos, que permite aligeirar o processo de urbanizar terrenos rústicos. Mas os dados mostram que há ainda muitos solos urbanos por usar. De acordo com o Idealista, todos os 18 distritos portugueses têm, pelo menos, 100 terrenos urbanos à venda. Mais: a Grande Lisboa e o Porto têm 10% de casas vazias. Sem contar com casas de segunda habitação, há 40 mil fogos vazios em Lisboa e 700 mil no País. Segundo a investigadora Alda Botelho Azevedo, do Instituto de Ciências Sociais, uma em cada quatro casas construídas nos últimos 18 anos está vazia.
A pressão dos preços que afeta a classe média e que ajuda a explicar a falta de professores nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e Algarve tem efeitos dramáticos nas populações mais desfavorecidas. Segundo o Expresso, em 2024 foram 28 os recém-nascidos que não tiveram alta por razões sociais na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa. Este valor é o quádruplo do que acontecia em 2022 e, de acordo com o jornal, os bebés não tiveram alta porque as famílias não tinham condições de habitação. No Hospital de São Francisco Xavier, também em Lisboa, foram contabilizados 26 casos destes em 2024, no Garcia de Orta, em Almada, 30, e no Amadora-Sintra houve 16 casos.
9,1%
Aumento do preço das casas no último ano
Os preços subiram em 74% dos municípios. Arrendar também ficou acima de 10% mais caro, batendo um novo recorde de €7,94 por metro quadrado, em média, no País – e o dobro em Lisboa
Além disso, as barracas voltaram a fazer parte da paisagem da periferia da Grande Lisboa e a população sem-abrigo disparou, com a Caritas a alertar para o facto de haver cada vez mais pessoas a viver na rua mesmo fora dos grandes centros urbanos. Os dados mais recentes são de 2023, altura em que já se estimava haver cerca de 13 mil pessoas sem teto.
Sendo Portugal o terceiro país da OCDE com menos oferta pública de habitação, o Governo anunciou uma alteração ao Programa 1º Direito, para garantir o financiamento de quase 33 mil habitações que ficam de fora do PRR. Um reforço que visa dar casas às 120 000 famílias identificadas como estando numa situação habitacional indigna. Até 1 de abril de 2024, tinham entrado candidaturas ao abrigo do PRR para a construção de 59 mil casas, que deverão ser entregues até 2030.
Saúde
Uma emergência
Era a grande prioridade de Luís Montenegro. Tão grande que, mal tomou posse, anunciou um Plano de Emergência para a Saúde. Um ano depois, os problemas são tantos que Ana Paula Martins se tornou a ministra mais vezes citada como ativo tóxico no Governo (facto que não impediu Montenegro de a pôr como cabeça de lista por Vila Real nestas legislativas).
O encerramento de urgências pediátricas e obstétricas quase já não é notícia de tão banal que se tornou. A falta de médicos fez o Governo tornar a triagem telefónica obrigatória para as grávidas antes de se dirigirem ao atendimento urgente e há relatos, nomeadamente da Maternidade Alfredo da Costa, de um aumento de gravidezes não vigiadas. Segundo dados recolhidos pelo Expresso junto daquela unidade, o número de mulheres que não foram acompanhadas durante a gravidez mais do que duplicou desde 2023, passando de 51 casos para 124 no ano passado.

Ao contrário do que Luís Montenegro tinha prometido, o número de portugueses sem médico de família subiu. Em fevereiro de 2025, eram, segundo dados divulgados no Portal do SNS, mais de 1,5 milhões. Também aumentaram os doentes inscritos no SIGIC (Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia) à espera de uma cirurgia face aos números do final de 2023. Apesar disso, 55,37% dos mais de 134 400 vales cirurgia (a que se tem direito quando se ultrapassa 75% do tempo máximo de resposta garantido) emitidos nos primeiros oito meses de 2024 foram recusados pelos doentes. E ainda que no primeiro semestre o SNS tenha realizado mais de 466 mil cirurgias, a lista de espera aumentou.
O Ministério da Saúde não conseguiu chegar a acordo com o principal sindicato dos médicos, a FNAM, e os aumentos aos médicos acordados com o SIM (Sindicato Independente dos Médicos) não permitiram compensar a perda do poder de compra destes profissionais no SNS registada entre 2012 e 2025, que varia entre os 9,5% e os 16%. Segundo um estudo do economista Eugénio Rosa, “médicos altamente especializados, muitos deles com mais de 20 anos de serviço, capazes de fazer operações extremamente complexas, a remuneração líquida que recebem no SNS é, no máximo, de apenas €3 191 por 40 horas de serviço”. O mesmo estudo aponta para cortes nas verbas transferidas para o SNS na ordem dos 913 milhões de euros. “O investimento executado em relação ao orçamentado sofreu um enorme corte em 2024, à semelhança do acontecido em anos anteriores”, sublinha Eugénio Rosa, que estima que tenham ficado por executar cerca de 416 milhões.
1,5 milhões
Portugueses sem médico de família
O SNS realizou, no primeiro semestre de 2024, 466 mil cirurgias, mas, mesmo assim, a lista de espera aumentou. Os médicos do SNS sofreram uma perda de poder de compra estimada entre 9,5% e os 16%
Com condições menos atrativas, no último ano vários concursos de contratação de médicos ficaram por preencher. Nos últimos 11 meses, foram contratados 194 médicos e 897 enfermeiros. Estes dados e as opções dos médicos mais jovens (que preferem horários mais flexíveis e menos horas de trabalho) têm obrigado a um recurso cada vez maior a médicos tarefeiros, pagos pelo SNS à hora, com um valor médio de €33 por hora, que em casos excecionais podem chegar aos 46 euros. Os gastos com tarefeiros subiram 11% em 2024 e já representam mais de 200 milhões de euros, mais 50% do que se gastava em 2018.
Para resolver os problemas de acesso, a aposta do Governo tem sido recorrer aos privados. O Executivo quer passar para a gestão privada 174 centros de saúde, que ficarão agregados aos cinco hospitais que Luís Montenegro quer que sejam geridos em PPP – Braga, Loures, Vila Franca de Xira, Amadora-Sintra e Garcia de Orta, que juntos servem mais de 1,7 milhões de pessoas. Um modelo de gestão de centros de saúde que foi desenhado pelo governo de António Costa, mas que nunca saiu do papel. Apesar do anúncio, feito já nas vésperas da queda do Governo da AD, não é claro se será desta que se testa este modelo. Porquê? Porque mesmo que Montenegro ganhe a 18 de maio, é preciso que os privados estejam interessados nestas novas PPP e isso não é garantido. Os três maiores grupos privados de saúde disseram ao Expresso que é muito cedo para avaliar o interesse das novas PPP e o presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, Óscar Gaspar, diz que o histórico das PPP é “traumatizante” para os privados. De resto, esta semana foi notícia a forma como a CUF abriu 12 centros de saúde privados na Grande Lisboa, unidades completamente privadas e, por isso, pagas pelos utentes.
E ainda há o aumento da conflitualidade no setor, com a ministra Ana Paula Martins a exonerar 11 administrações hospitalares no último ano, substituindo os administradores afastados por pessoas com ligações ao PSD, algumas delas sem qualquer experiência na área.
Educação
Mais paz social, mas faltam professores
No último ano, o impacto das greves nas escolas baixou significativamente. Apesar de tanto a plataforma de sindicatos encabeçada pela Fenprof como o STOP terem feito algumas greves ao trabalho, às horas extraordinárias ou ao apoio a provas e de ter havido algumas paralisações do pessoal não docente, os ânimos serenaram na Educação com a entrada em cena do Governo da AD. “A recuperação do tempo de serviço, apesar de nem todos terem recuperado [o tempo congelado nos anos da Troika], trouxe alguma serenidade. Tirou a crispação”, diz à VISÃO o professor Paulo Guinote, que identifica esse como “um ponto forte” da governação de Luís Montenegro.
A bonança, depois de anos de luta sindical intensa, não significa, porém, que se tenham resolvido muitos dos problemas de que pais e professores se queixam há longo tempo. Um dos maiores dramas nas escolas passou a ser a falta de professores. No arranque deste ano letivo, um estudo da Missão Escola Pública, feito em conjunto com o professor Davide Martins, do Blog DeAr Lindo, revelava que havia 1 128 horários completos e anuais por preencher. Em Lisboa, estavam por atribuir 697 horários completos, em Setúbal 254, em Faro 60 e em Beja 22. Um mês depois de começarem as aulas, a Fenprof fazia as contas e chegava à conclusão de que havia 34 mil alunos sem professor a, pelo menos, uma disciplina.
1 128
Horários escolares completos por preencher no arranque do ano letivo Em Lisboa, estavam por atribuir 697 horários completos, em Setúbal, 254, em Faro, 60 e, em Beja, 22. Um mês depois de começarem as aulas,a Fenprof dizia que 34 mil alunos tinham falta de professor, pelo menos, a uma disciplina
O Governo avançou com algumas medidas para minorar o problema: desde incentivos a que professores aposentados e bolseiros fossem dar aulas a um apoio aos docentes deslocados (que, por iniciativa do BE, passou, desde esta semana, a poder ser requerido por todos os que ficam colocados a mais de 70 quilómetros de casa). Mas os resultados ainda não são animadores. Em todo o País, foram apenas 55 os reformados que voltaram este ano à docência. E, no caso dos bolseiros, medida que prevê que os investigadores recebam cerca de €450 brutos por mês para dar seis horas de aulas por semana nos ensinos Básico e Secundário, tem sido alvo de críticas duras por parte da ABIC (Associação dos Bolseiros de Investigação Científica). Segundo quem está nas escolas, a medida que se revelou mais eficaz foi mesmo o aumento das horas extraordinárias dos professores no ativo. “Cada professor que entra de baixa implica a distribuição das suas turmas por outros professores do grupo”, relata Paulo Guinote, dando conta de que isso está a sobrecarregar profissionais que já estavam no limite.
De resto, não houve mudanças ainda quanto às promessas de desburocratizar o trabalho dos docentes para os libertar para o ensino e continuam as provas digitais, mesmo com todas as dúvidas que suscitam. Não só há cada vez mais especialistas a contestar a aposta no digital nas escolas (a Suécia era pioneira neste campo e recuou em toda a linha), como os professores se queixam de que há muitas escolas em Portugal que não estão equipadas para conseguir realizar as provas neste formato. O Governo fez nos últimos meses uma aposta nos equipamentos, mas em janeiro o Público revelava que quase 23% das escolas diziam ter problemas de ligação à internet ou falta de equipamentos informáticos.
Na gaveta ficou, por enquanto, a revisão do Estatuto da Carreira Docente, considerada fundamental para tornar a profissão mais atrativa e fazer face à falta de professores.
Além destes problemas, o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), divulgado esta semana, veio mostrar que há outra urgência nas escolas: o número de ocorrências criminais registadas em ambiente escolar em 2024 é o mais alto dos últimos dez anos e o RASI mostra como os smartphones e as redes sociais estão a expor crianças e jovens (a partir dos 10 anos) a conteúdos de violência extrema, pornografia e ideologias misóginas e nazis. O ministro Fernando Alexandre reagiu, apelando à serenidade e garantindo que “as famílias podem estar tranquilas”, ao mesmo tempo que anunciou que o Governo está a tomar medidas para fazer face ao crescimento da criminalidade entre os mais jovens, através de uma articulação com os municípios, sem especificar que medidas podem ser essas.
Luís Montenegro tinha admitido na campanha eleitoral de há um ano apoiar a proibição de smartphones nas escolas, mas o Governo acabou por emitir apenas uma recomendação nesse sentido. No Brasil, os telemóveis em ambiente escolar foram proibidos este ano e em França foram banidos os dispositivos com ligação à internet até aos 15 anos em ambiente escolar.
Economia
Os trunfos e as preocupações
António Costa tinha o mantra das contas certas e o Governo de Luís Montenegro, apesar de ter aumentado vários setores da Administração Pública (com destaque para a Educação, as forças de segurança e os oficiais de Justiça), não desafinou. Pelo contrário, se ter um excedente orçamental for a medida do sucesso, a AD só tem de se orgulhar pelos 0,7% de superavit conseguidos em 2024. Um valor que fica acima das previsões do Ministério das Finanças.
Apesar disso, o crescimento económico não tem o fulgor que a AD perspetivava no seu Programa Eleitoral há um ano e fica aquém do “crescimento anémico” dos governos socialistas a que Joaquim Miranda apontava o dedo. Em 2024, o PIB cresceu 1,9%, abaixo dos 2,3% registados em 2023 ou dos 6,7% de 2022, que não servem de comparação por refletirem o impacto do regresso da atividade económica depois do confinamento ditado pela pandemia.

Os números do emprego são positivos. O mês de fevereiro fechou com uma nova subida da taxa de desemprego para 6,4%, mas o emprego mantém-se em níveis recorde, com o INE a registar um aumento da população ativa no País para os 5 517,8 mil, cerca de mais sete mil do que em janeiro.
Outro trunfo da governação é o aumento do rendimento mensal líquido dos portugueses, que têm agora em média mais 100 euros no bolso para gastar todos os meses, mesmo que o fosso salarial entre homens e mulheres tenha aumentado, ultrapassando pela primeira vez os 200 euros. Em 2024, a remuneração bruta média mensal por trabalhador cresceu 6,4% face a 2023, para €1 294, mas aumentou apenas 3,9% em termos reais, segundo dados do INE.
Há, contudo, um dado preocupante: em 2024 houve quase 500 despedimentos coletivos, o valor mais alto desde 2020, levando para o desemprego 4 190 trabalhadores, números que a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, admitiu serem “preocupantes”. Também as insolvências aumentaram 8,2% em 2024 face ao ano anterior, com o têxtil e a moda a serem os setores mais afetados. Em sinal contrário estão as construtoras: no ano passado, foram criadas 6 187 novas nesta área, um aumento de 7,1%.
Defesa
Despesa ou investimento?
O discurso que vem de Bruxelas é claro: é preciso aumentar a despesa em Defesa. Sem que os tratados deem à Europa poderes para decidir em matéria de Defesa, a orientação política dá-se através de um aligeirar das regras orçamentais para tudo o que seja investimento neste setor. É que cerca de 600 mil dos 800 mil milhões anunciados por Ursula von der Leyen para os gastos militares vão mesmo ter de sair dos orçamentos nacionais, com os governos a terem de fazer escolhas sobre onde vão gastar menos para poder fazer este reforço. O financiamento europeu para o efeito não vai além dos 150 mil milhões.
0,7%
De superavit, nas contas públicas, em 2024
O PIB cresceu 1,9% e o emprego mantém-se em níveis recorde, com o INE a registar um aumento da população ativa para os 5 517 800 trabalhadores, mais cerca de sete mil do que no ano transato
Ainda assim, Luís Montenegro olha para o copo meio cheio e vê aqui uma oportunidade para Portugal. “Faz toda a diferença se olharmos para isso não na ótica apenas de fazer despesa, mas numa ótica de promover investimento. Para ser mais direto e claro, nós podemos aumentar os recursos financeiros alocados à Defesa apenas comprando material a quem produz ou podemos nós próprios produzir toda a panóplia de equipamentos que são necessários para ter uma base bem apetrechada”, disse nesta segunda-feira, na abertura da conferência organizada pelo Exército sobre Indústria de Defesa.
O travão a este entusiasmo pode ser posto por Joaquim Miranda Sarmento, caso continue como ministro das Finanças. “Com um crescimento real do PIB na ordem dos 2%, os gastos com Defesa estarão sempre limitados pela manutenção de um pequeno excedente orçamental”, disse esta semana ao Financial Times.