Quais foram os principais momentos em que os Jogos Olímpicos se tornaram palco de grandes lutas políticas e de tensões globais?
Muitos Jogos Olímpicos foram palco das lutas políticas que atravessam o mundo. E as tensões geopolíticas expressam-se nos Jogos, em praticamente todas as edições. Podemos dar dois exemplos. Em 1976, nos Jogos de Montreal, pela primeira vez, foi organizado um boicote massivo, promovido pela Organização da Unidade Africana (OUA), que lutou, desde a sua fundação, em 1963, pela libertação das colónias africanas – uma tarefa que só terminou em 1975, quando as colónias de Portugal se tornaram independentes. A sua segunda luta foi contra o apartheid, institucionalizado na Rodésia e na África do Sul. Estas duas nações foram excluídas dos Jogos Olímpicos desde o início da década de 1960, mas a OUA continuou a fazer campanha, especialmente na ONU, para que todas os países suspendessem relações (económicas, culturais, desportivas) com a África do Sul. Quando faltavam poucos dias para os Jogos de Montreal, uma manifestação de africanos – homens, mulheres e crianças – foi organizada, no Soweto, para protestar contra o regime sul-africano. A repressão foi implacável, causando várias centenas de vítimas. A OUA reagiu imediatamente, solicitando a exclusão da Nova Zelândia, por ter hospedado a seleção sul-africana de râguebi. O COI recusou e a OUA decidiu então boicotar os Jogos. Ao apelo de boicote responderam 22 países africanos. É o primeiro boicote massivo aos Jogos, que realça a ignomínia do regime do apartheid. Também permitiu que a OUA, até aí relativamente ineficaz na ONU, assumisse uma estatura mais proeminente nas relações internacionais.
O segundo exemplo diz respeito aos boicotes cruzados entre os EUA e a URSS. Os primeiros boicotaram os Jogos de Moscovo, em 1980, em protesto contra a invasão soviética do Afeganistão, em 1979, alimentando a Guerra Fria e denunciando a ditadura comunista. Em resposta, a URSS e os seus satélites boicotaram os Jogos de Los Angeles em 1984. Estes boicotes cruzados realçaram as tensões da Guerra Fria.
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Os Jogos Olímpicos são sistematicamente mais caros do que aquilo que as cidades candidatas apresentam nos seus cálculos. Mas estas despesas podem ter efeitos benéficos a longo prazo, em termos de turismo, atratividade económica e consolidação urbana
Os Jogos Olímpicos têm sido um fator de aceleração de mudanças positivas na sociedade ou um motor de retrocesso?
O Comité Olímpico Internacional sempre foi conservador. Prova disso foi a resistência à presença feminina nos Jogos Olímpicos. O barão Pierre de Coubertin não queria “olimpíadas femininas”. As atletas femininas só foram aceites gradualmente. Ao mesmo tempo, os Jogos Olímpicos pretendiam ser universais, razão pela qual foram, desde muito cedo, palco de vitórias de atletas pertencentes a minorias ou das colónias. Coubertin também queria criar “Jogos Africanos” no início da década de 1920, com base no modelo dos Jogos regionais já existentes, para que colonos e colonizados participassem juntos nos acontecimentos. O projeto acabou por ser recusado pela administração colonial francesa, que temia que uma vitória de um atleta colonizado sobre um europeu manchasse a reputação de superioridade da “raça branca”. Prefiro dizer que o Comité Olímpico Internacional e, portanto, os Jogos, acompanharam, por vezes com relutância, as mudanças sociais.
Os Jogos Olímpicos são uma demonstração de poder para as cidades e países que os organizam? Com mais efeitos positivos ou negativos?
Os Jogos Olímpicos são sistematicamente mais caros do que aquilo que as cidades candidatas apresentam nos seus cálculos. Mas estas despesas podem ter efeitos benéficos a longo prazo, em termos de turismo, atratividade económica e consolidação urbana. Londres, em 2012 – embora o custo inicial tenha triplicado –, conseguiu utilizar uma grande parte das instalações que existia antes dos Jogos e foi, no geral, capaz de sustentar as novas instalações a longo prazo. O turismo de Londres beneficiou destes Jogos, que fizeram brilhar a capital britânica. Por outro lado, a consolidação urbana levada a cabo pela cidade foi marcada por alguns milhares de despejos – incluindo de empresas artesanais – e contribuiu, contrariamente às promessas iniciais, para “gentrificar” Londres, que é hoje uma das cidades com a habitação mais cara no mundo. Por vezes, os Jogos têm efeitos negativos a longo prazo, como os de Montreal em 1976. Depois do custo ter aumentado de 400 milhões de dólares para quase 2 mil milhões de dólares, a cidade teve de contrair um empréstimo de 1,6 mil milhões de dólares, que só acabou de reembolsar em 2007! O estádio olímpico, superdimensionado em relação ao tamanho da cidade, permanece apenas parcialmente utilizado, pesando ainda nas finanças municipais.
Dado o atual contexto global, os Jogos de Paris 2024 podem ser os mais políticos de todos os tempos?
Não sei. As tensões geopolíticas, com a guerra na Ucrânia e no Médio Oriente, irão obviamente pesar muito em Paris 2024. As tensões políticas em França, após a dissolução da Assembleia Nacional e a ascensão da extrema-direita, também suscitam receios de manifestações e até de motins. O futuro nos dirá qual foi a face desta olimpíada.
A matriz ficou definida logo em 1896, quando os Jogos Olímpicos renasceram, em Atenas, sob o impulso do barão Pierre de Coubertin, mas também graças ao apoio fundamental dos nacionalistas gregos, que financiaram a empreitada. Numa época em que o desporto ainda era, na maioria, um entretenimento de elites e ninguém tinha descoberto o seu potencial comercial, os gregos viram nos Jogos uma oportunidade única para se afirmarem no concerto das nações.
As circunstâncias assim o obrigavam: a Grécia procurava consolidar a sua independência, após uma guerra longa e intermitente, desde 1821, de quase quatro séculos de ocupação otomana. Internamente, a situação mantinha-se instável: a república instaurada depois da independência fora substituída por uma monarquia e quase que imposta pelas congéneres europeias, que tinham auxiliado os gregos no longo conflito contra os otomanos. Por ter sido o primeiro país a libertar-se do inimigo otomano, a Grécia já estava sob o olhar dos europeus e ainda mais ficou quando foram descobertos e começaram a ser explorados novos achados arqueológicos, como os de Olímpia, onde se realizavam os mais importantes Jogos Olímpicos da Antiguidade.
A História, no entanto, nunca se escreve de forma linear e até raramente segue o caminho mais previsível. Foi isso que mais uma vez aconteceu. Depois de ter conseguido vingar a sua ideia de um movimento centrado no desporto para unir o mundo, Coubertin desejou que o renascimento dos Jogos Olímpicos, apesar da inspiração helénica, ocorresse em Paris – e queria que isso sucedesse numa data repleta de significado: o ano de 1900, quando a capital francesa acolheria, novamente, a Exposição Universal, tentando repetir, cerca de uma década depois, algo tão marcante como tinha sido, em 1889, a imagem imponente da recém-inaugurada Torre Eiffel a erguer-se sobre os telhados de Paris.
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Atenas, 1896
Orgulho de uma nação
Os primeiros Jogos da era moderna foram decisivos para a afirmação da Grécia no mapa de uma Europa então muito conturbado e ajudaram também a consolidar a influência do rei Jorge I, de origem dinamarquesa, no seio da sociedade helénica
Berlim, 1936
Lição de propaganda
Fox Photos/Getty Images
Se houve quem percebeu a importância do fervor nacionalista nos Jogos Olímpicos, foi o organizador dos Jogos de 1936, em Berlim. Depois de chegar ao poder, Hitler definiu o objetivo: impressionar o mundo com a magnificência dos seus Jogos. Para isso, foram construídas instalações magníficas (o estádio foi agora o da final do Euro 2024…) e criado um ambiente cénico e coreográfico que sobreviveu aos horrores nazis. Prova disso é o facto de a estafeta da chama olímpica, num percurso que se inicia sempre em Olímpia e termina na cerimónia de abertura, ser ainda um dos pontos altos de qualquer organização. E a estética atlética com que a cineasta Leni Riefenstahl filmou os Jogos continua também a ser uma fonte de inspiração.
Melbourne, 1956
Sangue na água
Apenas f um mês depois de as tropas de Moscovo terem invadido Budapeste, para reprimir a revolta popular que pretendia tirar o país do Pacto de Varsóvia e organizar eleições livres, as seleções de polo aquático da União Soviética e da Hungria defrontaram-se na piscina de Melbourne. O que se seguiu foi uma autêntica batalha na água entre os nadadores dos dois países, com alguns a serem obrigados a abandonar o jogo com o rosto ensanguentado, como aconteceu com o húngaro Ervin Zádor, numa imagem que ficou como símbolo das tensões políticas no seio dos Jogos Olímpicos. Embora derrotada militarmente, nesse ano de 1956, a Hungria acabou por ganhar o jogo por 4-0.
Roma, 1960
Central Press/Getty Images
A vingança do colonizado
A vitória do etíope Abebe Bikila, a correr de pés descalços e sob um calor sufocante, na maratona dos Jogos de Roma, teve um duplo significado: mostrou ao mundo, pela primeira vez, a imensa qualidade dos corredores da África negra para as provas de fundo e, em simultâneo, foi entendida em muitos locais do continente como uma vingança sobre as ambições colonialistas de Itália, que, sob o comando de Mussolini, tinha ocupado o país entre 1936 e 1941.
No primeiro congresso olímpico, em 1894, realizado na Universidade da Sorbonne, Coubertin conseguiu fazer valer a sua ideia de Jogos, mas foi derrotado no que toca à escolha do local. Segundo revela o historiador Patrick Clastres, numa obra exemplarmente intitulada Os Primeiros Jogos Olímpicos, Uma Invenção Diplomática, essa reviravolta teve um responsável: o grego Demetrius Bikélas, um diplomata sediado em Londres, que era também tradutor de Shakespeare para grego e de Homero para inglês e que se revelou o melhor embaixador a que o rei Jorge I, da Grécia, podia aspirar para legitimar a sua dinastia de origem dinamarquesa.
Os dados foram lançados, como sublinha, em entrevista à VISÃO, o historiador francês Nicolas Bancel: “O jovem Estado grego, que então desempenhava um papel menor na cena europeia, viu na organização dos Jogos um meio para existir neste palco, ao mesmo tempo que fazia a monarquia brilhar.” Para o professor da Universidade de Lausanne e um dos autores de Une Histoire Mondiale de l’Olympisme: 1896-2024, desde cedo que os Jogos têm sido, em simultâneo, um espelho do mundo mas também, por vezes, um amplificador das tensões e dos grandes temas que ecoam nas sociedades, ao longo dos tempos.
Espelho e motor do mundo
As duas guerras mundiais foram, de certo modo, antecipadas nas arenas desportivas, da mesma maneira que a luta pela conquista de mais medalhas foi um dos mais visíveis campos de batalha da Guerra Fria entre Washington e Moscovo, o que agora se reinventa na rivalidade, mais recente, entre os EUA e a China. Nas competições e em tudo o que se passa em redor, também se se deram alguns dos passos mais importantes contra o racismo e, numa marcha lenta mas inexorável, as mulheres foram ganhando cada vez mais protagonismo, enfrentando preconceitos enraizados e, ao longo de um século de insistência, derrubando estereótipos até conseguirem, em Paris 2024, competir em paridade com os homens, em todas as provas e no número de atletas.
Munique, 1972
Horror da guerra
Na noite de 5 de setembro de 1975, o conflito israelo-árabe entrou em força nos Jogos, quando um comando palestiniano entrou na Aldeia Olímpica e fez nove membros da delegação de Israel reféns. Seguiram-se horas de negociações e, no dia 6, todas as provas foram suspensas. Israel pediu para enviar uma unidade de elite para resolver a situação, mas o governo alemão recusou, e a operação de salvamento montada pelos germânicos corre mal: todos os reféns morreram. No dia 7, no entanto, por ordem do presidente do Comité Olímpico Internacional, Avery Brundage, os Jogos recomeçaram como se nada de especial tivesse ocorrido. Foi o fim da era da inocência para o mundo do desporto.
Montreal, 1976
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África revela a sua força
Antes dos boicotes cruzados entre os EUA e a então URSS, houve um igualmente importante, embora menos falado: a recusa de 22 nações africanas em participar nos Jogos de Montreal, em protesto contra o regime do Apartheid, na África do Sul. A decisão foi tomada após um massacre no Soweto, o que levou a que muitos atletas tivessem feito as malas à pressa e regressassem os seus países.
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Moscovo, 1980
Polónia mostra a sua… solidariedade
A 30 de julho de 1980, crescia, na Polónia, a contestação contra o aumento do custo de vida em prol da liberdade. Em Moscovo, nuns Jogos boicotados por meia centena de países, mas em que os países do bloco soviético procuravam demonstrar uma unidade inquebrável, o polaco Wladyslaw Kozakiewicz mostrou o que se seguiria: depois de ter sido continuamente vaiado pelo público, que apoiava os atletas soviéticos, celebrou a conquista da medalha de ouro no salto à vara, com um valente manguito para as bancadas. Poucos dias após esse gesto, foi formado o sindicato Solidariedade nos estaleiros de Gdansk, e a Polónia não voltou a ser a mesma – acabou por fazer também um manguito a Moscovo.
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Seul, 1988
A rebeldia de Rosa
Se tivesse cumprido sempre as normas estabelecidas, ninguém recordaria hoje Rosa Mota como uma das grandes campeãs da história do desporto. Participou e ganhou a primeira maratona oficial de uma grande competição, nos Europeus de Atenas 1982, apesar de, em Portugal, a federação de atletismo não a aconselhar a correr aquela distância. Depois, em 1984, teve de fazer um prolongado braço de ferro para não ficar na Aldeia Olímpica, por forma a preparar-se melhor na companhia do treinador e companheiro de vida. Em 1988, ameaçou não representar Portugal, no caso de não ser construída uma pista de tartã no Porto. A rebeldia deu frutos e Rosa Mota foi também a única mulher a ganhar medalhas nas duas primeiras maratonas femininas em Jogos Olímpicos.
A verdade é que a dimensão política sempre esteve presente, em maior ou menor grau, em todas as edições dos Jogos Olímpicos e para isso tem contribuído uma certa coreografia, quase imutável há décadas, aliada a uma estética mais ou menos permanente, em que o espírito alegre e solto dos jovens atletas nunca deixa de estar mais ou menos enquadrado num certo rigor marcial, inspirado nos desfiles e nas cerimónias de condecoração militares.
Acrescente-se a isto a importância das bandeiras nas voltas de honra, a solenidade com que os hinos são tocados e os vários rankings de medalhas obtidas por país para se perceber como o nacionalismo passou a ser parte fundamental de uma iniciativa que pretendia ser, na origem, universalista.
Propaganda total
Quem percebeu depressa como os Jogos Olímpicos podiam ser um impulsionador notável do fervor nacionalista foi o organizador dos Jogos de 1936, em Berlim. Inspirado pela forma como Benito Mussolini instrumentalizou o Mundial de Futebol de 1934 para glorificar o regime fascista, Hitler levou a empreitada ainda mais longe. Construíram-se estádios grandiosos, ergueram-se estátuas a “exaltar o físico ariano” e montou-se uma gigantesca máquina de propaganda destinada a difundir a “grandiosidade e magnificência” da Alemanha nazi – que incluiu a invenção da estafeta da chama olímpica.
“Esses Jogos permitiram ao regime nazi mostrar o seu poder, com uma organização rigorosa e sumptuosa, num contexto europeu particularmente tenso”, lembra o historiador Nicolas Bancel. Uma jogada que tinha, na verdade, uma intenção oculta: “A sua gigantesca encenação serviu ainda para apresentar a Alemanha nazi como um dos países mais ardentes promotores da ‘paz’, mascarando assim a sua ambição imperialista, que se manifestaria dois anos depois com a anexação dos Sudetas e o Anschluss.”
Sem receio de dar um grande salto no tempo, Bancel lembra que algo de semelhante se repetiu há relativamente pouco tempo: “Os Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim, foram uma demonstração de força do regime chinês, pouco perturbada pelas manifestações de protesto contra o destino dos uigures ou dos direitos humanos na China.”
Durante algumas décadas, com ou sem boicotes, os Jogos foram o campo de batalha ideal da Guerra Fria, para as duas superpotências se enfrentarem diretamente, perante um público mundial e sem necessidade de recurso a armas.
Os soviéticos só começaram a participar nos Jogos em Helsínquia, em 1952, e o tom entre as duas potências ficou logo definido: os atletas do Bloco de Leste exigiram ficar numa vila olímpica à parte e, num relatório secreto da CIA desse ano, ficou bem ilustrado, em duas linhas, o desafio que os norte-americanos teriam de enfrentar: “Uma vitória soviética fornecerá uma arma de propaganda poderosa ao comunismo. As instruções são para ganhar a qualquer preço.”
Como sabemos, as instruções foram seguidas à risca pelos dois lados, e nalguns casos com recurso a substâncias proibidas, como na natação da então República Democrática Alemã, com programas de dopagem massiva, como se respondessem a um imperativo nacional.
Sydney, 2000
Jed, Jacobsohn/ALLSPORT
Duas Coreias, uma bandeira
Foi por causa de acontecimentos deste género que Francis Fukuyama chegou a decretar, à época, o fim da História: na cerimónia de abertura dos Jogos de Sydney 2000, a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, embora separadas desde 1953 e em estado de guerra há cinco décadas, desfilaram em conjunto, num gesto de reconciliação, sob uma bandeira que representava, a azul, um país unido sobre um fundo branco.
Matthias Hangst/Getty Images
Rio 2016
Em nome de um povo
Na era das redes sociais, em poucos segundos, pequenos gestos podem ganhar um significado global. Foi o que aconteceu com o etíope Feyisa Lilesa, que, ao cortar a meta da maratona em segundo lugar, cruzou os braços por cima da cabeça, num sinal de solidariedade para com os membros da sua etnia, os oromos, há muito perseguidos pelo governo da Etiópia.
Pequim, 2008
A nova superpotência apresenta-se
Adam Pretty/Getty Images
No dia 8, do mês 8 (agosto), às 8 horas da noite de 2008, por forma a tentar alinhar o máximo possível de números da sorte num mesmo instante, a China apresentou-se ao mundo como a nova superpotência mundial, e fê-lo de forma grandiosa: com instalações sumptuosas, assinadas pelos melhores arquitetos, e uma cerimónia de abertura que puxou aos limites pela História do país, sem quaisquer devaneios ideológicos, mas contribuindo para o renascimento do orgulho nacional. Além disso, os chineses tiveram a sorte de, nos seus Jogos, aparecerem sobredotados como Michael Phelps e Usain Bolt. Por tudo isto, Pequim 2008 ficará para sempre na memória como Jogos de excelência.
Atletas com voz
Nicolas Bancel lembra que a política entrou muitas vezes em jogo através dos atletas: “Foi o que aconteceu em Moscovo, em 1980, com o manguito do saltador à vara Władysław Kozakiewicz, que se transformou depressa num símbolo da resistência do povo polaco face ao regime comunista apoiado por Moscovo, numa altura em que o país era abalado por várias greves que levaram à criação do sindicato Solidarność (Solidariedade).”
O momento mais famoso deste género é a imagem de Tommie Smith e de John Carlos com os punhos erguidos, no México 1968. “A fotografia deste gesto de protesto contra a discriminação e as desigualdades raciais nos EUA correu o mundo, evidenciando a urgência da luta pelos direitos civis, num contexto particular, marcado pela revolta da juventude em todo o planeta”, recorda o historiador.
Ao longo dos anos, os Jogos têm sido, tantas vezes, o espelho – bom e mau – das nossas sociedades. A paixão com que são disputados pelos atletas e observados pelas multidões constitui um dos melhores amplificadores para a realidade do mundo – com a política sempre de mãos dadas com a propaganda e os arautos do progresso em conflito com os defensores do conservadorismo.
Na semana passada, assistimos a mais dois ataques da extrema-direita populista aos alicerces da nossa democracia e aos valores comunitários que julgávamos indiscutíveis.
O pedido do Chega para obter o acesso às comunicações pessoais do Presidente da República e demais envolvidos no chamado caso das gémeas já foi abundantemente comentado. Por esta altura, só quem não quer mesmo saber como funciona uma democracia liberal ou não aprecia este tipo de regime e os seus valores fundamentais é que não está chocado com a proposta dos populistas.
Bem sei que princípios como o respeito pela privacidade dos cidadãos, em particular as suas comunicações pessoais, parecem não preocupar muita gente. Também não desconheço que a nossa Justiça utiliza, por demasiadas vezes, as escutas e a violação de correspondência como se tratasse de um vulgar método de investigação.
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Seja como for, quando um partido que teve o apoio de mais de um milhão dos meus concidadãos defende que não seja um juiz a decidir quais os métodos de investigação e quais os direitos individuais que podem ser violados numa dada circunstância, temos um problema que vai muito para lá do simples tema da semana. O que o Chega pediu é um atentado ao princípio da separação de poderes.
Custa lembrar o óbvio, mas os tempos são o que são: isto seria impossível, mesmo que todos os partidos aprovassem um pedido destes em coro ou que os 230 deputados o exigissem. A democracia é muito mais do que o voto, é sobretudo um conjunto de princípios com que uma comunidade se rege.
É demasiado evidente que o Chega está a utilizar esta comissão de inquérito para arrastar o Parlamento para a lama. Para explorar os sentimentos primários, expressos em “quem não deve não teme” ou o famoso “temos o direito de saber tudo”, esta organização não conhece barreiras. Para o Chega, qualquer infâmia ou ataque ao Estado de Direito são admissíveis, se daí advir alguma vantagem. O objetivo destes revolucionários é o caos.
Este pedido de violação de correspondência é, no entanto, um passo demasiado grave para não causar um tumulto. Contudo, e apesar de se ter falado bastante do assunto, esteve longe de causar o impacto que devia ter causado. E o argumento de que é por Ventura já não estar a ser levado a sério não procede; os 50 deputados são a prova do contrário.
Bem sei que os partidos (com uns estranhos silêncios iniciais de alguns) foram unânimes na crítica, que Aguiar-Branco pediu um parecer à PGR (que seja qual for o teor em nada alterará a evidente inconstitucionalidade do ato), mas não ouvi nem uma palavra do Presidente da República, nem do primeiro-ministro, nem declarações dos líderes partidários apropriadas à gravidade da situação.
O segundo caso não tem a dimensão institucional do primeiro, mas é também muito grave.
Nos Açores e sob proposta do Chega, com o apoio do PSD, CDS e a abstenção da IL, os filhos dos desempregados e dos que recebem prestações sociais – como o Rendimento Social de Inserção (RSI) – são agora discriminados no acesso à creche gratuita. Ou seja: estes cidadãos, além de perderem o emprego ou de viverem em situação de pobreza, veem os filhos atirados para o fim da lista de candidatos à creche. Um autêntico jackpot da miséria.
Recomendo o artigo da Susana Peralta, no Público, em que, entre outros dados científicos, mostra o quão especialmente penalizador é para uma criança pobre não ter acesso à creche e quanto isso contribui para a reprodução da pobreza.
Quanto ao erro nos pressupostos para implementar esta medida, nada mais há a dizer. Talvez só mesmo concluir que, ao contrário do que foi aprovado, deve ser dada prioridade aos filhos dos desempregados e dos beneficiários de prestações sociais – são essas as crianças que mais precisam, e a educação desde a infância é o que mais ajuda a sair da pobreza. Sendo benevolente, posso pensar que foi apenas ignorância o que levou partidos como o PSD e o CDS a aprovar esta medida, mas temo que não seja esse o caso.
O discurso populista que pinta o desempregado e o beneficiário do RSI como alguém que não passa de um preguiçoso e que vive como um nababo com €100 por mês ou com um subsídio de desemprego de curta duração contaminou, neste caso, os partidos da direita democrática. O perigo dos partidos populistas de extrema-direita não é a sua retórica, é como influenciam os democráticos. De facto, o que importa são as políticas. Assusta ver o quanto partidos de centro-direita, democratas-cristãos, liberais e outros abastardaram as suas convicções em função de uma imaginária tática política que os está a destruir e a fazer medrar os radicais por esse mundo fora. E, claro, quanto mais estes últimos compram a agenda, mais fortalecem os chegas deste mundo.
Os partidos democráticos foram tíbios, mas cumpriram o seu papel no atentado à democracia liberal que o pedido do Chega na lamentável CPI das gémeas portuguesas representou – e a tibieza dá força a quem só quer destruir. Já o que o PSD, CDS e IL fizeram nos Açores é mais um passo num caminho muito perigoso.
Ser um “curio” na cadeia Hilton significa, entre outras coisas, estar inserido num edifício com História e ser único entre os pares. Se a isso associarmos o design e a localização privilegiada, caraterísticas dos projetos do Grupo Reformosa, empresa responsável pelo Legacy Hotel Cascais, Curio Collection by Hilton, está o segredo quase revelado. A singularidade deste quatro estrelas superior começa logo à entrada, quando se percorre a imponente rua em calçada portuguesa. Nada ficou do antigo e histórico Cidadela.
Fotos: Eduardo Ramos
Agora, há um hotel totalmente novo, com 59 quartos de várias tipologias, o Legacy Spa by Wake, com três salas de tratamento, ginásio, piscina interior e exterior, e um restaurante com a gastronomia do Sul de Itália. Os quartos dividem-se por cinco pisos, e os que ficam nos três mais altos têm vista para o mar.
A curta distância do centro de Cascais e de praias é uma das mais-valias deste que é o primeiro hotel Legacy. Os tons de azul da decoração revelam a inspiração marítima dos quartos, equipados com gadgets, como um relógio-despertador que carrega telemóveis e um pequeno tablet para consulta de informações, serviços e marcações. Há quartos com terraço e outros com pátio (que permitem receber animais até dez quilos).
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Fotos: Eduardo Ramos
O Ristorante Don Alfonso 1890, chefiado por Nicola Restaino, traz a Cascais a gastronomia da península de Sorrento e da Costa Amalfitana. Num cenário original, com uma mistura de padrões, tecidos e texturas, vistosos candeeiros com franjas e apliques feitos de cerâmica e vidro, provam-se iguarias como o vitello tonnato, uma entrada que é um mosaico de atum e de vitela, molho tonnato, alcaparras fritas e pó de algas, e o esparguete Don Alfonso, harmonizado com coulis de tomate e manjericão, queijo parmesão e um toque de raspas de limão, uma das estrelas da carta que marcam a entrada do histórico restaurante de origem napolitana em Portugal. Em breve, o hotel terá entrada direta a partir da Avenida 25 de Abril.
Legacy Hotel Cascais > Av. 25 de Abril, 528, Cascais > T. 21 054 0559 > a partir de €250
Aqui à volta
Museu da Vila Em mais de uma dezena de salas contam-se 655 anos de História, através de achados arqueológicos, hologramas, música, vídeo e ferramentas interativas. Paços do Concelho > Pç. 5 de Outubro > T. 21 482 5000 > ter-dom 10h-18h > grátis
Marina de Cascais Tem uma série de esplanadas e de restaurantes com vista para o mar, bem como bares e lojas. Av. Rei Humberto II de Itália
Relógio Slow Retail Nesta concept store de marcas portuguesas está a Origem, HLC, A Indústria, Papua, Saints at Sea e a chocolataria artesanal Niccolò Corallo. Pç. 5 de Outubro, 75 > seg-dom 11h-14h30, 15h-19h30 > Niccolò > seg-dom 10h-18h
Parque Marechal Carmona Conta com parque infantil, mata, lagos, parque de merendas e animais. Pct. Domingos D’Avilez > seg-dom 8h30-20h
Enquanto trabalhava na revista que agora tem nas mãos, encontrei muitas vezes a curiosidade. Uma característica subvalorizada por tantos, mas que parece ser a ignição para o nascimento das obras de vários artistas. Um motor para a criação. Por coincidência, a palavra veio à conversa com alguns entrevistados desta edição. David Fonseca acredita ser esse um dos segredos para estimular a criatividade e defende que nunca se deve deixar morrer a criança perguntadora que mora em nós; Pedro Cabrita Reis vai mais longe e assume que é a ferramenta principal de um artista, um termómetro para a vida, realça a importância de olhar com curiosidade para o mundo exterior e interior. Já Sylvie Dias deixou a representação ao fim de 20 anos para perseguir um sonho de filmar o fundo do mar, alimentada pela curiosidade e pela vontade de o documentar.
Também um jornalista tem de ser um curioso, querer saber sempre mais para poder contar uma história completa. No caso desta PRIMA, olhar com o mesmo interesse para um tear que fabrica mantas alentejanas há mais de 100 anos em Reguengos de Monsaraz e para uma oficina de resinas em Roterdão, onde uma designer de 39 anos dá vida a peças lindíssimas de diferentes cores ou descobrir as melhores histórias dos 43 anos de vida do icónico Pap’Açôrda, em Lisboa.
Em tempos de turbulência para o setor dos média, é com uma leve dose de ousadia que, a cada três meses, apresentamos uma revista alimentada pela curiosidade, mas também pela calma. Um projeto feito com tempo, para lhe trazer uma leitura prazerosa, mas também fresca. Com originalidade. Nesta edição e sempre.
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Editorial da PRIMA 24
A nova edição d’A Nossa PRIMA já está nas bancas e também à venda na loja da Trust in News.
As sondagens não escodem que há um clima de lua-de-mel entre o eleitorado democrata e Kamala Harris. É bonita, tem um sorriso rasgado, é nova, vice-presidente, ex-senadora e ex-procuradora geral da Califórnia. E já tem um guião muito bem definido para atacar Trump até 5 de Novembro. Até à Convenção em Chicago vai estar sempre em alta, mas falta saber tudo sobre o que quer para os EUA.
O guião de ataque a Trump é muito simples e poderosamente básico: eu sou a procuradora, ele é o criminoso. Nas prisões da Califórnia estão muitos detidos, por minha mão, com os mesmos abusos e crimes do ex-presidente. Não há história mais atrativa do que esta: a do polícia e do ladrão. Kamala já disse que vai repetir isso todos os dias.
Mas não basta para Kamala ganhar a Casa Branca. Nem de longe. Os americanos e os democratas querem saber se têm uma candidata só «woke», mais à esquerda de Biden, e sem nenhum programa próprio que não seja o da plataforma de Biden, em que ela era a vice. Falta saber tudo o que pensa. E vai ter de dizer, rapidamente.
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Depois, como é normal, acabará a lua-de-mel, lá para meados de Setembro, e aí vai ser duro. Não basta a dicotomia do Bom e Mau, porque nessa altura já se conhece o seu vice, e as suas próprias fraquezas. Se há coisa em que as campanhas são muito boas é em descobrir, inventar e desinformar sobre os candidatos, e Kamala, na verdade, está agora em total e maciço escrutínio. Não convém minimizar as suas qualidades e capacidades, mas é de evitar o lançamento apressado de foguetes. Nasceu, apesar de tudo, uma nova Kamala.