Já no início desta manifestação, que levou cerca de 45 minutos a percorrer um trajeto desde a Praça do Município, em Lisboa, até à Assembleia da República, o presidente do Chega alegou que o querem prender.

Logo no início da manifestação, que presidente do Chega tinha alegado que o querem prender: “Nós temos um conjunto de vândalos a destruir o País todas as noites. Se quem acabar por ir para a prisão for eu, está tudo errado neste país, está tudo errado na democracia, está tudo errado no Estado de direito que defendemos.” “Em todo o caso, vocês conhecem-me, eu penso que o País me conhece também, eu nunca na minha vida, nunca, fugi à minha responsabilidade”, acrescentou.


Sem nunca se referir diretamente ao inquérito que a Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu por declarações suas e do líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, que corre no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional de Lisboa, nem à queixa-crime que um grupo de cidadãos está a preparar por causa das mesmas declarações sobre a atuação da polícia, André Ventura referiu que está a ser ameaçado “com processos”. Mas garantiu que, aconteça o que acontecer, o seu partido fará “a revolução” para pôr fim ao “sistema dos últimos 50 anos”.

“É a revolução, a verdadeira revolução que nós queremos fazer em Portugal. Não há prisão que pare essa revolução, porque para prender a um eles terão de nos prender a todos e terão de nos pôr a todos na cadeia, a todos, a todos na cadeia”, exclamou o presidente do Chega.

“Não há ninguém, nenhum poder neste Estado nem nesta República, que nos parará. Ninguém parará este movimento. Nós somos a única salvação, a última salvação para Portugal”, declarou, no palco em frente à Assembleia da República, ladeado por duas grandes bandeiras nacionais.

Para Ventura, o Chega está fora da “classe política” e opõe-se ao “sistema dos últimos 50 anos” de democracia em Portugal: “Eles têm 50 anos do lado deles, nós temos a revolução do nosso lado, nós somos os novos, nós somos os inovadores, nós somos o espírito novo deste século, nós somos a novidade, nós somos a revolução, nós somos a transformação”.

A manifestação do Chega foi convocada como contraponto a outra realizada à mesma hora em Lisboa para reclamar justiça pela morte de Odair Moniz, o homem que morreu baleado pela PSP na segunda-feira na Cova da Moura, na Amadora.

Segundo a agência Lusa, o desfile do Chega, que decorreu de forma pacífica, as palavras de ordem mais repetidas foram “polícia sim, bandidos não” e “o lugar do ladrão é na prisão”, mas também se gritou “Ventura, Ventura” e “Portugal é nosso”.

No seu discurso, de vinte minutos, André Ventura reiterou a mensagem, já transmitida aos jornalistas no início, de que o Chega quer mostrar que há “outro país” além do que se manifestava “a um quilómetro ou dois” dali. O presidente do Chega dividiu o País em “dois lados”, um que está com “a bandidagem”, com “as minorias e os coitadinhos” e “sempre contra a polícia e contra a autoridade”, e outro que apoia as forças de segurança. “A toda a bandidagem deste país, nós temos uma mensagem: o vosso país acabou, o vosso país morreu”, disse.

Depois do hino nacional e do “Conquistador”, dos Da Vinci, a manifestação começou a desmobilizar por volta das 17h00, com o pedido de que quem se dirigisse à baixa de Lisboa procurasse “não arranjar confusão”.

Vamos começar esta viagem interior roubando um desafio que Xana Nunes, ex-manequim e atual mentora, lança às pessoas que a procuram para sessões de coach, torcendo para que ela não nos leve a mal. Dirigindo-nos diretamente a si, caro leitor, propomos-lhe que espalhe creme nas suas mãos. Esperamos agora que termine de o fazer para prosseguirmos com a prosa que nos levará ao universo dos retiros em Portugal. 

Terminou? Quanto tempo gastou nessa atividade que apenas tem benefícios para si? Três segundos ou cinco minutos? Se não aproveitou para se mimar, talvez precise de desligar da vida acelerada, do leva-e-traz dos miúdos, das discussões familiares ou do stresse causado pelo trabalho. Não se sinta sozinho. Parece que anda meio mundo no mesmo estado.

Na Villa Epicurea a paisagem natural ajuda ao recolhimento, reforçado pelas práticas de ioga e meditação num confortável dome situado no topo do terreno. Foto: Marcos Borga

Pelo menos, é o que nos diz Xana Nunes, que depois de sentir na pele isso mesmo e de ter chegado ao burnout, há seis anos, decidiu pôr travão a fundo ao quarto de século que passou imergida no ambiente da moda. Hoje, aos 58 anos, avó de duas crianças, dedica-se ao Wize Collective, um projeto colaborativo de saúde e bem-estar. “Vejo como as pessoas precisam de avaliar a vida de outra forma, cuidando mais delas, preocupando-se com a saúde e apostando no bem-estar e na prevenção”, realça.

Isto não é só um negócio. Os hóspedes vêm para cá com um propósito e entram na mesma onda

Marianna Yakobson, Dona do Villa Epicurea

A pandemia – sempre a pandemia! – veio acelerar esta introspeção, esta necessidade de refrear o dia a dia. E assim os retiros multiplicaram-se como cogumelos em meio húmido, com um cardápio deveras variado. As pessoas escolhem evadir-se para conseguir mais e melhor longevidade, ficar em silêncio, ultrapassar traumas, aprender a viver com a menopausa, praticar ioga e surf, resolver conflitos entre pais e filhos, aprofundar conhecimentos de culinária, aperfeiçoar uma arte, só para citar os exemplos mais comuns.

Claro que, no meio de tanto trigo, também se encontra algum joio. E nem sequer há receitas para o separar – só entrando no meio, arriscando e conhecendo quem os organiza.

As unidades hoteleiras também descobriram o filão, que resulta mesmo bem para retirar peso à sazonalidade e aos meses em que os turistas vêm menos para Portugal. Mas também já existem muitos sítios que nasceram virados para os retiros e só a essas estadas se dedicam.

Foto: Marcos Borga

Existem duas modalidades neste negócio. Ou são os próprios donos dos locais que organizam este tipo de atividades ou alugam alguns quartos, ou mesmo todo o espaço, aos facilitadores, que é como se chama às pessoas que organizam os retiros, do princípio ao fim. Daquilo que nos foi dado a perceber, são estrangeiros, a maioria, e trazem os seus clientes também de fora. Uma vez mais, o clima e as paisagens nacionais são os maiores atrativos na hora de escolher Portugal como destino para uma viagem interior.

Quase em modo férias

É exatamente esse o perfil de Pauline Bellocq, uma francesa residente em Lisboa, facilitadora da agência Namastrip há um ano, que está a chegar à Villa Epicurea, perto da Aldeia do Meco, Sesimbra, com um grupo de mulheres francófonas (de França, Suíça e Bélgica) para cinco dias de evasão.

Mas também é o caso de Lisa Müller, austríaca a viver em França, já muito batida neste tipo de programa em Portugal (na Casa da Volta, em Grândola) e no resto da Europa, mas a estrear-se na Ericeira, juntamente com o hotel Immerso, um cinco estrelas, neste formato, meio retiro meio férias.

Com ela estão cinco estrangeiros: dois casais, um deles francês, outro inglês, e uma mulher proveniente da Letónia. E terão quatro dias de evasão, buscando melhores hábitos para as suas vidas. Bem, não é rigorosamente assim – um participante partirá antes do previsto para trabalhar e outra há de prolongar a viagem por dois ou três dias para conhecer um pouco melhor o País.

As pessoas precisam de avaliar a vida de outra forma, cuidando mais delas

Xana Nunes, Mentora Wize Collective

Por agora, à mesa corrida do jantar, estão todos juntos, na sala de refeições do hotel, aonde também se alimentam outros hóspedes. Alguns ganharam cores rosadas, depois da tarde de estreia em cima das pranchas de surf. Lisa não foi com eles, embora até pratique este desporto, mas temeu pelo tamanho do mar. Também não precisaram dela, pois estiveram entregues ao instrutor Vítor, da escola de Tiago Pires, vulgo Saca, antigo campeão da modalidade. “Não se trata apenas de um retiro de surf ou de ioga, por isso não é necessário que esteja sempre presente”, justifica-se a facilitadora, que também aproveita o sítio lindo em que se encontra para relaxar.

Normalmente, é ela quem cozinha, pois já teve um restaurante em Berlim e está habituada a tratar da comida de outros retiros que não os seus. Mas aqui, neste formato misto, limitou-se a dar algumas receitas de snacks mais saudáveis e sobremesas com menos açúcar à equipa do hotel. O menu do jantar incluiu couvert, puré de batata-doce com frango e sobremesa de chocolate. O pequeno-almoço, por exemplo, é exatamente o mesmo que tomam os outros clientes do Immerso. 

Pelos quatro dias deste retiro, uma pessoa pagou €446,50 por noite, em quarto duplo, e duas 683 euros. Neste valor, inclui-se transfer de e para o aeroporto, as refeições, as atividades de ioga, surf e workshops, acesso livre ao spa e 15% de desconto em tratamentos e massagens. No dia 1 de novembro e até domingo, 3, acontecerá outro retiro, desta vez orientado por Isa Guitana (professora de ioga em Portugal). Neste caso, os preços são de €1 106 para duas noites em quarto single e de €1 752 em duplo. Não há uma tabela estipulada, tudo depende, já se viu, das negociações entre os facilitadores e a própria unidade.

Os valores no Six Senses Douro Valley, um hotel de luxo perto de Lamego, não são para muitos, mas ainda assim fazem-se lá cerca de meia dúzia de retiros por ano – sempre fora da época alta –, até porque trabalham em rede com 26 resorts que têm espalhados pelo mundo. As condições únicas deste alojamento são o seu maior atrativo, que fazem com que a oferta, promovida pelo Six Senses, se esgote em 48 horas. “Notamos um crescimento na procura por este tipo de experiência e não é só em Portugal”, explica Richard Bowden, diretor de marketing da unidade do Norte do País.

Os facilitadores internacionais entram em contacto para alugarem os quartos, durante quatro noites, adjudicarem algumas atividades que já existem no cardápio do hotel, marcarem outras usando o ginásio exterior, o deck de ioga e o spa, e combinarem as refeições. “Às vezes, a comida tem mais importância, como nos retiros de bem-estar, noutros casos, como os de escrita, isso já não conta assim tanto. Temos de adaptar os menus ao tipo de cliente”, conclui.

Manhãs imersas

Às sete e meia da manhã, ainda o sol não rompeu totalmente pelas nuvens, já o grupo está reunido na sala de conferências do Immerso, ao lado da receção e dos pequenos-almoços, com vista para o agitado mar da Ericeira. Cá dentro, cultiva-se o silêncio e a música relaxante ajuda a esses recolhimentos, enquanto se mexe, com energia, o chá matcha, que Lisa comercializa e defende com unhas e dentes. A ele há que juntar leite de soja e mel para melhor se diluir o travo forte que caracteriza esta bebida muito popular no Japão.

De seguida, começa uma sessão de meditação guiada por uma gravação em inglês, a anteceder uma aula de mobilidade, que poderia chamar-se de alongamentos ativos. “Estes são os movimentos que devíamos fazer todos os dias, nem que seja por cinco minutos”, conclui Lisa, antes de todos irem tomar um pequeno-almoço demorado.

O instrutor de surf virá buscá-los pelas 10h30 para mais uma sessão na praia do Matadouro, aonde se juntam centenas de outros surfistas de primeira viagem, mesmo que o dia esteja pardo. O grupo regressa exausto, três horas depois, mas não haverá tempo para grande descanso, com o almoço de sanduíches e o workshop de culinária durante a tarde, que acontecerá, agora que o sol abriu pelo céu antracite, nos confortáveis sofás da varanda da sala de refeições, com vista sobre o oceano.

É precisamente essa vista, ainda que com outros contornos, que seduz a dezena de mulheres que vão chegando à Villa Epicurea, na margem sul do Tejo. Ninguém consegue resistir a paralisar a paisagem numa fotografia de telemóvel. Depois, enquanto Pauline Bellocq não dá o pontapé de saída para este retiro, ficam refasteladas na zona da piscina, aproveitando o quente sol outonal. Refasteladas, sim, porque embora esteja aberto a qualquer género, os homens nunca fizeram parte destes retiros. As idades das participantes oscilam entre os 25 e os 75 anos.

Não ter de cuidar de ninguém

Mariana Yakobson, 43 anos, é a dona deste alojamento local, inaugurado em 2019 numa zona privilegiada do planeta, desde logo pensado para este tipo de recolhimento. Até porque tudo aqui tem pegada curta, da piscina biológica aos detergentes amigos do ambiente, passando pela comida vegetariana, sem lactose ou glúten, que se serve aos hóspedes, estejam ou não em retiro. “Isto não é só negócio, as pessoas vêm na mesma onda”, garante.

Anualmente, recebem-se aqui cerca de 30 retiros, com um mínimo de cinco noites (só a Namastrip faz cinco por ano). Os temas podem ir da dança ao autoconhecimento, não esquecendo a arte-terapia. Embora com abordagens diferentes, estabelece-se sempre uma relação entre o corpo, a mente e a Natureza que os envolve. Por norma, há um dia de experiência nas redondezas, que pode variar entre fazer mergulho nas águas frias da Arrábida ou uma ida às pegadas de dinossauro, bastante visíveis no cabo Espichel, que fica a 10 minutos de distância de carro.

Os participantes chegam aqui, depois de uma doença, à procura de um sentido para as suas vidas

Sofia Fonseca, Eco Retiro de Galamares

As manhãs começam no confortável dome, com a prática de meditação e ioga ativa, antes do brunch e de algum tempo livre para se apreciar as delícias deste alojamento, desconectar, relaxar, não ter de cuidar de ninguém – os principais motivos que trazem as pessoas até este cantinho de Portugal (o primeiro destino fora de França, para a Namastrip).

Pauline dá todas as aulas, da filosofia Ayurveda à automassagem ou à escrita como meio de libertar sentimentos. “O mais importante é termos tempo para nós, para observarmos as emoções”, conta. Durante estes dias, vão estar num circuito fechado, em que haverá muita partilha entre todas, mas não com pessoas de fora. A não ser a chefe Tânia, que lhes cozinhará as refeições. Na sala comum, com janelas rasgadas para a Natureza, entre o verde e o azul, há sempre água aromatizada, tisanas prontas a serem escaldadas, frutos secos, tâmaras e fruta.

Quando sobem ao dome para o círculo de boas-vindas, caem uns pingos de chuva. Nada que as incomode, pois a versão do retiro à lareira, de manta nas pernas, caso seja necessária, também há de saber-lhes muito bem.

O preço ronda os mil euros, com descontos, fora voos, em quartos partilhados com pessoas que normalmente não se conhecem umas às outras. 

À procura de um sentido

O dinheiro não é o que move Sofia Fonseca, 53 anos, para a organização de retiros, mais ou menos longos. Para viver, ela continua a ter a sua empresa de animação turística. Em Galamares, na zona de Sintra, explora um terreno que era da família para se aproximar ainda mais da Natureza e ajudar pessoas a fazerem essa consciencialização ambiental, para a qual despertou depois de uma viagem à Venezuela, em 2017.

No Ecoretiro de Galamares não há camas para ficar, mas nem por isso se extrai tempo ao sentir, à conexão e à parte ecológica com ligação ao espiritual. No primeiro sábado de cada mês, pratica-se meditação consciente, aroma touch, reiki e partilha-se o almoço. “Frequentemente fazemos trocas, apoiamo-nos e aprendemos uns com os outros”, explica Sofia, imbuída do espírito comunitário. Os preços não passam dos 70 euros.

No último domingo de cada mês, também lidera caminhadas silenciosas nas redondezas, que demoram duas horas, para observar a Natureza com tempo. “Vemos coisas em que nunca reparamos e ficamos em paz, mais em contacto com nós próprios”, assegura.

Uma vez por ano, em maio, retira-se com um grupo na Terra Raiz, uma quinta na região de Alcobaça, por quatro dias, e então cobra cerca de 900 euros. E também passa cinco dias na ilha das Flores, alojada na Aldeia da Cuada, um turismo rural na Fajã Grande, estabelecendo uma ligação direta à Natureza, através de caminhadas em silêncio, mindfulness, constelações familiares, meditação, círculos de partilha e massagens sonoras.

Todas as segundas, o trabalho é mais intenso, tal como ir ao ginásio, pagando uma anuidade de 150 euros. O grupo, um “pequeno círculo de partilha” que se reúne desde fevereiro, é quase sempre o mesmo e constituiu-se de pessoas que querem ou já mudaram de hábitos. Aqui, entram descalços para uma sala de paredes de pedra e chão de madeira, sentem o aroma do incenso, abraçam-se com intensidade, levam as mãos ao peito, fecham os olhos e ficam em silêncio, a meditar. “As pessoas chegam aqui depois de uma doença ou porque andam insatisfeitas com o trabalho ou com a família, à procura de um sentido para as suas vidas.”

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Inspira e expira, lá fora

A espiritualidade muda consoante os pontos cardeais e o mundo (ainda) está cheio de boas energias. É só procurar e aceitar as nossas sugestões

Retiro em Bali
6 a 12 maio 2025

Uma jornada espiritual expansiva de sete dias a Bali, na Indonésia, conhecida como “ilha dos Deuses”. A morar há quatro anos na ilha, Filipa Veiga será a mentora espiritual desta experiência de transformação, enquanto Xana Nunes ali estará como empreendedora espiritual. Durante a semana, os participantes irão também marcar presença no Bali Spirit Festival, em Ubud (7-11 maio 2025), uma celebração de ioga, dança, música e cura.

Ubud, Bali Informações wizecollective.pt e Instagram the.wizecollective

A viagem ao teu propósito de vida
5 a 12 julho 2025

Trata-se de uma experiência de 8 dias, para apenas 20 pessoas, concebida pelo experiente Mário Caetano, para que as pessoas estejam em contacto com elas próprias, usufruindo de um ambiente especial. Esta é uma viagem espiritual, com permanência no Mystica Lodge and Retreat Center, na Costa Rica, e todas as práticas são da responsabilidade do facilitador.

€8 000 sem voos. Informações em mariocaetano.net/retiro-a-viagem-ao-teu-proposito-de-vida/

Retiro Expande-te à Vida
21 fevereiro a 1 março 2025

Nuno Kampos e Lisa Joanes são os anfitriões-guias desta semana em Auroville, no Sul da Índia, considerado o berço da espiritualidade. O casal morou lá quando ainda só tinha quatro filhos (agora têm seis), durante cinco anos, e Lisa, uma guru do autoconhecimento, já visitou a Índia 12 vezes, sempre em busca de energia, de abrir horizontes e ganhar espírito de partilha.

Auroville, Índia Informações em breve em nunokampos.com e lisajoanes.com

Viagem ao Sul da Índia
9 a 21 fevereiro 2025

Em 2017, Diana Chiu Baptista e Igor Chiu Soares fundaram a Macro Viagens, agência vegetariana de turismo responsável certificada pela Biosphere Responsible Tourism. Mais espirituais do que turísticas, assim são as viagens organizadas pelos dois estudantes de Filosofia Budista e praticantes do Dharma, que promovem o contacto com diferentes tradições, especialmente com o budismo tibetano, em países como a Índia, Sri Lanka, Nepal, Tailândia, Butão e, em breve, Japão. A próxima incursão ao Sul da Índia será de 13 dias, para percorrer os 1 500 quilómetros entre Kochi e Mumbai, com paragens em Kollam, Ashram, Kannur.

€1 990 sem voos, visto e algumas refeições. Informações T. 93 480 4391 (WhatsApp). macroviagens.pt, diana@macroviagens.pt

Retiro Harvest Kaplankaya
14 a 18 maio 2025

Quando o luxo chega ao universo do wellness, entram em cena os retiros Harvest. O objetivo destes quatro dias passados na “Riviera” da Turquia, na província de Muğla, banhada pelo mar Egeu, é unir as pessoas predispostas a refletirem sobre questões mundiais e ambientais e alcançar o potencial máximo de cada um. No Six Senses Kaplankaya realizam-se palestras, workshops, atividades gastronómicas e nutricionais, performances e atuações musicais. Além disso, são 400 hectares na costa, sete praias privadas, um hotel e um centro wellness.

Six Senses Kaplankaya, Milas, Turquia. Informações harvestseries.com

Sónia Calheiros

Na Quinta Alma, ao lado da praia de Aljezur, no Algarve, com os seus 50 hectares e grande área de floresta, é impossível não nos relacionarmos com a Natureza. Foi isso que pensou Mário Silva e a mulher, quando se mudaram com os três filhos de Lisboa para este sítio “mágico”. Depois, pensaram que tinham de partilhá-lo, de rentabilizá-lo, mas de forma consciente, entre o alojamento puro e duro e os retiros, que juntam entre 15 a 25 participantes, para nunca se perder a intimidade.

“As construções são naturais e biodegradáveis, permitindo o contacto confortável com o ambiente”, conta Mário. Grande parte do trabalho de autoconhecimento faz-se dentro de portas, mas o encanto das redondezas também leva as pessoas para as praias, o surf e outras atividades consentâneas com a filosofia da experiência.

Mário e Joana não organizam os retiros, são apenas anfitriões ativos e providenciam catering, baseado na filosofia from farm to table. Mas registam que a vertente dos grupos que se evadem tem vindo a crescer, especialmente nos meses fora da época alta, por causa dos preços mais baixos, em relação às pessoas que aqui ficam alojadas em férias no verão.

Juventude inquieta

Nuno Kampos, 41 anos, apesar de só ter meio hectare de terreno, também recebe em casa, na Ericeira. E dedica-se a acolher adolescentes rapazes, dos 12 aos 19 (no Natal estrear-se-á com raparigas), num trabalho profundo a que chama de youth camps para não afugentar os mais novos. Aproveita as pausas escolares para, em cinco dias, os virar de cabeça para baixo, quer seja através do físico, em aulas de surf, escalada ou combate de artes marciais, quer seja pelo espiritual, moldando-lhes a disciplina e o foco. Sem telemóveis.

“Faço breathwork, que é uma experiência impactante de libertação de traumas e medos, e rituais sagrados indígenas com fogo para que saiam daqui com uma experiência nova para a vida”, relata Nuno.

As filhas mais velhas (tem seis, e os mais novos andam atrás de si pela quinta fora) cozinham, o mais saudável possível, para estes hóspedes, tudo vegetariano e sem açúcar. Ainda alugam o espaço – e a comida – para outros retiros, duas vezes por mês.

Com muito êxito, Nuno organiza também retiros só com adultos, nos mesmos moldes, embora seja por menos tempo, fazendo uso do fim de semana. “Não há espaço para os homens chorarem, contarem as suas dores uns aos outros. Mas todos temos problemas. Eu também já trabalhei os meus, ao longo de muitos anos em experiências de autoconhecimento, na Índia, onde vivemos, e na volta ao mundo que fizemos com os nossos filhos.”

Da mesma forma, Xana Nunes foi beber ensinamentos lá fora, em retiros e cursos de aperfeiçoamento em técnicas que hoje lhe permitem ajudar outros a prolongar os seus anos de vida, em boa forma (tal como fez consigo), através do seu Wize Collective.

Em encontros mensais, sempre em sítios diferentes (embora tenha um fraquinho pela Casa das Ferrarias, nas imediações da Aldeia do Meco), um petit comité, quase sempre feminino, debate uma série de temáticas, como a menopausa, a nutrição, a suplementação, sempre com exercícios de meditação como pano de fundo, para iniciar uma mudança em que se cuida mais da máquina.

Resultados? “Dantes a minha idade celular era igual à do Cartão de Cidadão. Agora, é dez anos mais baixa”, garante Xana Nunes, que o comprova através de análises, e mantendo a sua higiene diária de respiração e meditação para afastar o cortisol, hormona responsável pelos stresse, que considera um veneno. Além de gastar, pelo menos, quatro minutos a espalhar creme nas suas mãos, claro.

Detox para iniciados

Durante duas horas e meia, não há telemóveis para ninguém e dá-se espaço à leitura, à conversa, à escrita ou até ao não se fazer rigorosamente nada

Não tem sítio definido nem periodicidade fixa, mas o the offline lodge, um pequeno detox do telemóvel, já vai na sua terceira edição. Silvie Lai, professora de ioga nas horas ocupadas, decidiu organizar estes encontros, a que chamou de pequenos retiros, numa tentativa de fazer com que as pessoas desliguem, mesmo sabendo que, mal saem deste momento de evasão, voltam a agarrar-se ao aparelho quase com o mesmo nível de dependência. E só pede sete euros por pessoa ou nove se vierem com um par.

Na hora do check-in, às 15h30 de um domingo, numa das mesas da esplanada da Casa das Histórias, em Cascais, separamo-nos do nosso telemóvel, que fica guardado numa caixa, junto com os dos outros aventureiros. “Vamos deixar que os pensamentos se desenrolem mais lentamente, sem imediatismos”, pede a mentora, antes de dar início a uma pequena prática de mindfulness, que quer dizer atenção plena, precisamente aquilo que não temos quando estamos fixados num ecrã.

Antes de sairmos daqui, ainda havemos de fazer mais uma sessão, num círculo de encerramento, de olhos fechados, e respirando com foco, para pôr um ponto final no retiro. E, a seguir ao som profundo saído da pequena taça tibetana que Silvie traz consigo, podemos reaver o nosso bem, que entretanto tocou várias vezes e tem diversas notificações visíveis no pequeno ecrã. Duas horas e meia, afinal, é muito tempo.

Pelo meio, temos tempo livre para fazermos dele o que quisermos, que luxo. “Quando desconectamos das redes, conectamo-nos mais connosco.” Há quem leia (Silvie aconselha a que se leve um livro), quem estude, quem passeie, quem aproveite para ver a exposição do museu dedicado à obra de Paula Rego ou pedir qualquer coisa para lanchar. Nas mesas por nós ocupadas também existe papel, lápis e canetas para os que quiserem rabiscar ou escrever, mas ninguém lhes pega.

À medida que o tempo passa, sentimos a dependência, pois já nos lembrámos por várias vezes de ir ao telemóvel, ora para pesquisar algo, ora para uma fotografia que registe o momento, ora para lhe tocar apenas.

Ainda bem que Silvie nos chama para o momento da socialização, em que estamos frente a frente com pessoas que não conhecemos e devemos manter uma conversa, interessarmo-nos pelo outro – de carne e osso e não virtual. Depois ainda fazemos um exercício peculiar, que revela o nosso nível de ansiedade, pois consiste em olhar a pessoa que se senta na nossa direção, assim como quem joga ao “sério”, para ver como nos aguentamos neste papel, com mais ou menos atrapalhação.

A tarde desconectada termina, já de telemóvel no bolso. Mas a separação, ainda que curta, soube bem.

Confúcio defendia que se quiséssemos prever o futuro, teríamos de estudar o passado. Afinal de contas, volta atrás, ou Ritornare [em italiano], como o título da mais recente exposição de Vasco Araújo, é sempre um exercício de tomada de consciência, de identificação de uma génese, padrões, ou a falta deles, uma procura de pistas que ajudem a definir uma identidade.

A tal exercício serve a memória, é claro. Não no sentido de se convocar o passado para o presente, de forma estática e imutável, mas de usá-lo como matéria de construção, na qual o principal ingrediente é a identidade.

É precisamente sobre a sua identidade que Vasco Araújo se debruça em Ritornare, patente na Galeria Francisco Fino até 16 de novembro. “É o regresso ao que realmente fui e ainda sou, é o regresso à minha identidade e à construção da mesma através da voz, é o regresso ao corpo, ao corpo do passado, do presente e do futuro”, afirma o artista.

Ritornare é o regresso ao que realmente fui e ainda sou, é o regresso à minha identidade

vasco araújo, artista plástico

As obras expostas convidam-nos a embarcar numa viagem ao universo da ópera e das suas divas, recorrentemente abordado no início da carreira de Araújo como território de travestimento, “de fazer de conta”, e de procura de identidade, abandonado, porém, no momento em que o artista perdeu várias dezenas de quilos.

Hoje, defende que associar a forma do corpo à sua identidade não faz sentido e, por essa mesma razão, decidiu regressar ao tema da ópera numa mostra que, sublinha, não é antológica, mas antes “um olhar para os 25 anos passados, através de obras inéditas, criadas propositadamente para a exposição”.

Por exemplo, à entrada da galeria, S’HE #1, fotografia realizada a partir de um auto-retrato em Polaroid, captado em 2000, na qual Vasco Araújo aparece vestido de cantora de ópera, faz-se acompanhar de um texto que “descreve a identidade como um sistema artificial, moldado por escolhas e circunstâncias”, escrito este ano.

As esculturas, vídeos, instalações e fotografias apresentadas em Ritornare jogam ainda com o limite que separa realidade de ficção, como se de um mockumentary se tratasse.

Questionamo-nos constantemente se o que estamos a ver é um relato real, pura ficção, uma versão dos acontecimentos segundo a perceção do artista ou uma construção narrativa que se serve de ambos os lados da barricada.

Não sabemos se a biografia, escrita à mão, na primeira pessoa, em La Superba, é a história da vida da mulher que aparece nas fotografias que a acompanham, do artista ou de outra personagem qualquer.

Entre Actos (Vissi d’Arte, Vissi d’Amore) e La Superba (da esquerda para a direita)

Da mesma forma, My Way, instalação composta por cinco charriots, nos quais estão pendurados 107 figurinos acompanhados por etiquetas com todas as performances de Maria Callas, de 1938 a 1960, deixa a dúvida relativamente ao verdadeiro proprietário daqueles vestidos. Callas ou a Araújo?

“Todos nós temos um yin e um yang, desdobramo-nos em várias coisas. Essa desdobragem permite questionar uma série de outras coisas, desde quem sou eu, até quem sou eu perante uma determinada situação, ou perante uma determinada figura”.

A dualidade referida por Araújo é evidente Entre Actos (Vissid’Arte, Vissid’Amore), escultura baseada na maquete de um teatro, dentro da qual dois vídeos mostram, em lados opostos, imagens de Maria Callas a interpretar La Traviata, Tosca e Norma, e imagens do artista imitando-a.

O jogo da ilusão atinge, enfim, o apogeu em Interview, vídeo no qual Vasco entrevista Vasco. As respostas não são suas, mas poderiam ser.

Afinal de contas, um artista, esteja no palco, no atelier ou ecoando nas suas obras, será sempre aquele que dentro de si tem “algo para oferecer aos outros, às pessoas”, aquele que, perante a pergunta “por que razão ainda canta?”, não hesitará em responder “porque gosto de ter uma voz própria”.

Acima de tudo, é aquele que sublinhará o facto de o uso de tal voz não ser “um ato de vanglória, mas antes uma tentativa de elevação humana, com tudo o que isso tem de pretensioso, claro”.

Vasco Araújo: Ritornare > Galeria Francisco Fino > R. Capitão Leitão, 76, Lisboa > até 16 nov, ter-sex 12h-19h, sáb 14h-19h > grátis

Há dois anos, o alargamento da Área de Proteção Integral das Ilhas Selvagens, uma medida do executivo madeirense da altura (PSD/CDS-PP), foi aplaudido por ambientalistas e contestado pelos homens do mar, alegando que o rombo financeiro num agregado familiar dependente da pesca de atum pode variar entre os quatro mil e os seis mil euros anuais.

As Ilhas Selvagens, classificadas há 53 anos como Reserva Natural, passaram assim a ser a maior área marinha de proteção total da Europa, ao ser ampliada de 94,71 para 2 677 km², uma área de 12 milhas náuticas ao redor das ilhas, na qual são proibidas a pesca e qualquer outra atividade extrativa, como a exploração de inertes.

Este que é o ecossistema mais intacto do Atlântico Nordeste representa quase um quarto das áreas classificadas (mais de 89%) do mar territorial da Região Autónoma da Madeira (RAM).

E, como bem nos lembra Ana Amaral, bióloga da conservação da Ocean Devotion Madeira, as Selvagens também fazem parte da Rede Natura 2000, integrando uma Zona Especial de Conservação e uma Zona de Proteção Especial. “São um santuário vital para a preservação da biodiversidade e um exemplo incomparável de conservação eficaz no Atlântico.”

Por serem zonas remotas, em que a pressão por atividades humanas é relativamente reduzida, a classificação como Área de Proteção Integral faz todo o sentido

João Gama Monteiro

No início do verão, a proposta do Chega Madeira (quarta força política do arquipélago) para levantar as restrições de pesca comercial voltou a pôr as Selvagens na agenda do Governo Regional. Alegando a reposição do “bom senso” em falta na legislação em vigor, o partido quer que volte a ser possível pescar tunídeos além das duas milhas náuticas, em vez das atuais 12. Por ser utilizado o método artesanal de pesca de salto e vara, o Chega defende que abrir as Selvagens à pesca do atum não compromete o equilíbrio marinho.

Mas diversas vozes contra se levantaram em defesa do Atlântico e das espécies junto ao território de origem vulcânica descoberto em 1438 por Diogo Gomes.

Na revista Nature, edição de agosto, foi publicada uma carta assinada por cerca de 300 cientistas de todo o mundo, em que repudiavam o poder dos ciclos políticos e de eleições. Se a medida de março de 2022 for agora revertida, fica comprometido o caminho para o objetivo global de proteger 30% dos oceanos até 2030, no âmbito da Convenção das Nações Unidas para a Biodiversidade. Até agora, apenas 2,8% estão protegidos.

Sem faina É no Porto do Caniçal, no Funchal, que ficam atracadas as embarcaçõesque pescavam atum

“Por serem zonas remotas, de difícil acesso, em que a utilização e a pressão por atividades humanas é relativamente reduzida, a classificação como Área de Proteção Integral faz todo o sentido, pois estamos a proteger habitats menos degradados, com características únicas que contribuem de forma determinante para as obrigações de Portugal”, frisa João Gama Monteiro, investigador da Universidade da Madeira e do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente.

Mais um alerta soou por parte de diversas organizações não governamentais, incluindo a Zero, que já fez chegar à Comissão Especializada Permanente do Ambiente, Clima e Recursos Naturais da Assembleia Legislativa da RAM, e a todos os respetivos grupos parlamentares, o seu parecer negativo e a lista de “consequências nefastas” da abertura da Área de Proteção Integral à pesca comercial.

“A pesca no mar da Madeira não se restringe aos pescadores locais. Abrindo este precedente, poderão vir pescadores de outros lugares. E abre também para futuras concessões. Como se garante que, no futuro, a próxima moeda de troca política não poderá ser outro tipo de atividade extrativa, como a mineração em mar profundo, por exemplo?”, questiona Carolina Silva, gestora de projetos e analista de políticas públicas da Zero Madeira.

Iguarias para os atuns

O ecossistema marinho das Selvagens, a sua biodiversidade e os seus fundos são únicos, dos mais intocados no mundo. “É difícil comparar com outros locais prístinos, como as ilhas Galápagos, e atóis remotos do oceano Pacífico, o território britânico do Índico ou zonas geladas da Antártida, por vezes mais ricos em número de espécies, mas que albergam biodiversidade diferente”, exemplifica João Gama Monteiro. “Nos fundos marinhos abriga-se uma comunidade bentónica diversa com mais de 200 espécies de algas identificadas. A abundância de peixes e de predadores de topo, como o mero, é um claro indicador da saúde e da robustez deste ecossistema marinho”, reforça Ana Amaral.

Para o investigador da Universidade da Madeira, “seria desastroso” reverter a decisão de 2022. “Reduzir a Área de Proteção Integral para as duas milhas significa reduzir a área de proteção de 25% do mar territorial da Madeira para menos de 2%.”

De acordo com a pesquisa da expedição da National Geographic em 2015 (do projeto Pristine Seas), Ana Amaral sublinha que “a biomassa de peixes costeiros nas Selvagens é três vezes maior do que na ilha da Madeira, enquanto a biomassa de predadores de topo é dez vezes superior. Além disso, a comunidade biológica da zona entremarés é considerada a mais intacta da região”.

Os tunídeos são espécies migratórias, “mas, apesar disso, têm um papel fundamental nas cadeias tróficas, e intensificar a pesca destas espécies numa zona em que há dois anos não há qualquer tipo de pesca pode comprometer todo o equilíbrio do ecossistema”, alerta Carolina Silva. “As águas ao redor das ilhas representam um corredor crucial para peixes migratórios e mamíferos marinhos, além de funcionarem como um importante berçário para diversas espécies, oferecendo refúgios seguros para o seu desenvolvimento”, explica Ana Amaral.

É entre março e maio que os grandes tunídeos passam por esta zona do Atlântico, podendo existir flutuações no tempo e alterações nas rotas específicas. “Considerando que as Selvagens albergam muita vida, é muito provável que esta zona agregue estas espécies migratórias quando lá passam. Tal como os montes submarinos, as Selvagens poderão servir de zona predileta para os atuns se alimentarem quando estão de passagem”, esclarece João Gama Monteiro.

Antes sobrava o gaiado

Qual a solução para manter a proteção dos tunídeos e permitir aos pescadores reaverem parte do seu ganha-pão? Do lado dos ambientalistas ouve-se: pescar para lá das 12 milhas náuticas, onde não existem medidas de conservação, exceto a regulação do tipo de artes de pesca usadas e o cumprimento de quotas de captura para algumas espécies.

Nos anos 1980, as quotas iam até às 12 mil toneladas de peixe; por volta de 2005, e com menos embarcações, desceram para as sete mil toneladas. Durante esses anos, e para os barcos não pararem, atingido o limite máximo, os pescadores rumavam às Selvagens para apanhar o gaiado (atum-bonito), predominante e sem limite. Agora, com quota nacional de 3 100 toneladas para o atum-patudo, por exemplo, das quais cerca de 2 800 toneladas são para a Madeira e os Açores em conjunto, Jacinto da Silva, presidente da Coopesca, defende que o ideal seria triplicar a quantidade.

Pescador durante mais de 30 anos, entretanto já reformado, Jacinto da Silva, 72 anos, lembra os dias em que as embarcações zarpavam do Porto do Caniçal, no Funchal, para ir apanhar atum-rabilho, atum-patudo, atum-albacora, atum-voador e gaiado.

A ausência de pesca protege as espécies e os organismos marinhos, incluindo espécies comerciais em diferentes fases reprodutoras, permitindo a regeneração

Carolina Silva

“As embarcações já tentaram ir além das 12 milhas, mas não conseguem pescar. O pescador não pode estar à porta das 12 milhas à espera que o atum saia. Os tunídeos são migratórios e vêm sempre para zonas onde há comida, raramente comem em mar alto. A alimentação, sardinha, chicharro, cavala e outro peixe miúdo, está nas baixuras. Enquanto houver comida, ficam lá dentro”, explica Jacinto da Silva.

“Quando os atuns atacam esses cardumes, atraem também aves marinhas pelágicas, que aproveitam a oportunidade para se alimentar. Este delicado equilíbrio ecológico depende da abundância de peixes que formam os cardumes, uma condição assegurada pela boa saúde dessas áreas”, justifica Ana Amaral.

O efeito spillover

Segundo a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, de 28 de julho de 1994, nos seus artigos 192º e 194º, “os Estados têm a obrigação de proteger e preservar o meio marinho” e criar “medidas para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho”, respetivamente. O eventual regresso da atividade pesqueira às Selvagens pode pôr em causa as diretivas. “Essas medidas incluem a diminuição da emissão de substâncias tóxicas e prejudiciais, a regulação da poluição provocada por embarcações e o controlo de poluentes provenientes de instalações ligadas à exploração dos recursos naturais no fundo do mar e no seu subsolo”, elenca Ana Amaral. “No contexto das Ilhas Selvagens, onde a poluição é atualmente mínima, seria ilógico retroceder, introduzindo mais atividades humanas, já que isso inevitavelmente aumentaria os níveis de poluição.”

“O ruído das embarcações interfere na comunicação dos cetáceos, afetando particularmente as crias, mais vulneráveis. Além disso, a poluição química e de combustíveis dessas embarcações, o risco de colisões com a fauna marinha e o transporte involuntário entre regiões de espécies potencialmente invasoras são questões a ponderar”, reforça a bióloga da conservação. Sem esquecer que “a poluição luminosa das embarcações também poderá afetar as aves marinhas que vivem nestas ilhas, especialmente as juvenis, que ficam desorientadas pelas luzes artificiais, aumentando o perigo de colisões com barcos e quedas ao mar.”

Um dos efeitos da proteção integral de áreas marinhas só será notado e estimado a longo prazo. Dois anos são ainda insuficientes para compreender o efeito spillover (transbordamento) nas Selvagens. “A ausência de pesca protege as espécies e os organismos marinhos nas fases da vida, incluindo espécies comerciais em diferentes fases reprodutoras, permitindo a regeneração das unidades populacionais. E isto acabará por beneficiar os pescadores no futuro”, diz Carolina Silva.

Um bom exemplo, partilhado por Ana Amaral, sobre como “o transbordamento favorece a expansão das espécies para lá dos limites protegidos, aumentando os recursos pesqueiros disponíveis fora da reserva”, foi a criação, em 2017, do Parque Nacional Marinho Revillagigedo (147 000 km²), no México, o maior da América do Norte. Um estudo de 2023 “demonstrou que a vida marinha restaurada dentro da área protegida contribuiu para a reposição dos recursos pesqueiros nas zonas circundantes. Este exemplo, que em muito se assemelha ao das Selvagens, mostra que reservas bem geridas conseguem simultaneamente proteger os ecossistemas marinhos e aumentar as oportunidades de pesca nas suas proximidades”.

Certo é que, desde 2022, as 50 traineiras maiores (superiores a 20 metros), que têm licença para pescar apenas atum, ficam paradas no Porto do Caniçal.

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