As eleições presidenciais nos Estados Unidos da América (EUA) são diferentes daquelas que se realizam em Portugal. Um dos motivos é que naquele país os candidatos mais fortes são sempre dos dois grandes partidos: Republicanos e Democratas.
Cada um dos partidos, antes das eleições, escolhe o seu candidato a presidente. Nos últimos quatro anos, o presidente dos EUA foi Joe Biden, dos Democratas, que venceu as eleições contra Donald Trump, em 2020.
Desta vez, contudo, a vitória coube aos Republicanos, com Donald Trump a ganhar as eleições e a tornar-se, pela segunda vez, presidente de um dos mais poderosos países do mundo.
A primeira vez que Trump se candidatou à presidência foi em 2016, vencendo a democrata Hillary Clinton. Quatro anos depois – que é o tempo que uma pessoa pode ficar no cargo de presidente – voltou a candidatar-se, mas perdeu para Joe Biden, que escolheu Kamala Harris para sua vice-presidente, um cargo também muito importante.
A candidata democrata Kamala Harris perdeu as eleições para Donald Trump, do Partido Republicano
Agora, em 2024, Joe Biden anunciou que não iria voltar a candidatar-se e foi a vice-presidente a escolhida pelo partido Democrata para ir a eleições contra Donald Trump. Muitas pessoas não acreditavam que Trump pudesse ser eleito, já que seria o primeiro presidente dos EUA condenado por vários crimes a ocupar um cargo tão importante.
Por outro lado, também muitas pessoas acreditavam que Kamala Harris não tinha muitas hipóteses de ganhar, já que os EUA nunca elegeram uma mulher (além do mais negra e asiática) para presidente.
Quem defendeu esta possibilidade acertou: os norte-americanos escolheram realmente Donald Trump para presidente, que assumirá oficialmente o cargo numa cerimónia marcada para 20 de janeiro de 2025.
Será ele quem, nos próximos quatro anos se sentará na famosa Sala Oval, o gabinete do presidente, na Casa Branca, a sua residência oficial em Washington, a capital dos EUA.
Os EUA são compostos por 50 estados. Neste mapa dos EUA, vemos a vermelho, os estados em que Trump teve mais votos e a azul aqueles em que Kamala Harris venceu. Este não é, contudo, o mapa definitivo, mas conseguimos perceber que Trump conseguiu muitos mais votos
Na campanha para as eleições de 2024, passou-se tanto em tão pouco tempo que vale a pena recordar os últimos três meses e meio. No final de julho, o Partido Democrata conseguiu o impensável, quando Joe Biden anunciou a sua substituição pela atual vice-presidente, então ainda com 59 anos. Às vulnerabilidades e às gaffes assaz constrangedoras do Presidente octogenário sucedia-se a sua vice-presidente, uma mulher sorridente, uma procuradora de renome, filha de imigrantes, exemplo do melhor que a América tem para dar.
Mesmo após o trauma acerca do estado de saúde de Biden, a impressionante máquina dos democratas conseguiu recuperar terreno. As maiores figuras do partido, com destaque para os antigos presidentes, souberam criticar Biden e, logo de seguida, cordialmente, agradeceram-lhe os serviços prestados à pátria. “Problema” resolvido, o partido seguiu em frente para tentar derrotar Trump. Na forma, não se pode dizer que Kamala tenha falhado: soube evitar os assuntos difíceis, omitiu os temas fraturantes, mais melindrosos para o eleitorado moderado, esteve bem no debate televisivo, foi empática e distribuiu simpatia.
A verdade é que, mais depressa do que alguma vez tinham imaginado, os democratas conseguiram desviar o foco mediático das duas tentativas de assassínio de Donald Trump, na Pensilvânia e na Flórida, que como todos nos recordamos haviam recentrado toda a campanha em torno do candidato republicano. Mesmo sem novas primárias, Kamala Harris foi entronizada, na Convenção Democrata, em agosto. O slogan da campanha ficou no ouvido: “Quando lutamos, vencemos.”
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Aparentemente, a questão da abolição do direito constitucional ao aborto não terá sido tão determinante assim
Se atendermos às exigências habituais numa candidatura, a de Kamala Harris preenche quase toda a lista de requisitos. Para compor o ticket, chegou Tim Waltz, o governador do Minnesota, o vice-presidente “perfeito”, um professor carismático, com experiência e conhecimento da realidade internacional, e que, ainda por cima, na perspetiva da política interna, parecia ser ideal para preencher a quota do eleitorado rural. Depois, na recolha de donativos, a candidatura democrata também bateu recordes, num total de 1652 milhões de dólares. Houve apoios financeiros históricos, por exemplo, de Bill Gates, de Melinda Gates e de Laurene Powell Jobs, a viúva do fundador da Apple. Nos aplausos do costume, os das celebridades, de Beyoncé a Taylor Swift, Kamala Harris também não falhou e fez o pleno.
O que falhou, então, na estratégia de Kamala Harris? À hora em que fechamos estas páginas, na madrugada de quarta-feira, 6, tudo apontava para a mobilização de três segmentos do eleitorado, muito específicos, mas fundamentais: hispânico, afro-americano e feminino. Kamala apostou na estratégia da campanha porta a porta, relativamente comum entre os democratas. A sua equipa chegou a divulgar que enviou 2500 elementos para trabalhar em 353 escritórios em todo o país e que, numa só semana, bateram a 600 mil portas e foram realizadas três milhões de chamadas telefónicas.
Aparentemente, a questão da abolição do direito constitucional ao aborto não terá sido tão determinante quanto à primeira vista se pensaria. Ainda na semana passada, Kamala prometia “esperança” e “alegria” em vez do “medo” e da “divisão” propagada pelo seu adversário. Do ponto de vista da retórica, porém, a vitória parece estar do lado da linguagem e do estilo dos discursos como os que foram proferidos no comício do Madison Square Garden, em Nova Iorque.
Para lá disto tudo, como herdeira de Joe Biden e, portanto, de certa maneira, como “incumbente”, Kamala não teve a vida facilitada: não rejeitou o legado, nem é certo que precisasse de o fazer. Mas fica agora claro que, no mínimo, não conseguiu alterar a perceção de que algo vai mal na economia dos EUA, pelo menos desde a pandemia. A inflação pode até já ter descido, mas como contrariar a sensação de fastio e de fadiga de uma gigante nação embevecida com o trumpismo?
Susie Wiles A assustadora Filha de um jogador de futebol americano – e depois comentador desportivo –, nunca lidou bem com a fama. Nascida e criada em New Jersey, mal se apanhou com o canudo da Universidade de Maryland foi tentar a sorte como relações públicas. Aos 23 anos, em 1980, era já uma republicana encartada e uma operacional da campanha presidencial de Ronald Reagan. Foi o princípio de uma longa carreira que a tornou uma das figuras “mais temidas e desconhecidas” da política americana, como lhe chamou o Politico. No verão de 2016, esteve à beira de ser despedida por Donald Trump, mas ela garantiu-lhe que poderiam derrotar Hillary Clinton. Não se enganou. Agora, com a vitória sobre Kamala Harris, habilita-se a ser a primeira mulher a ocupar o cargo de chefe de gabinete de um Presidente dos EUA.
Linda McMahon A lutadora Esta antiga praticante e adepta de luta livre americana, de 76 anos, é uma velha amiga de Donald Trump. Quando o empresário nova-iorquino se tornou o 45.º Presidente, em 2017, convidou-a para o acompanhar até Washington D.C. e gerir a agência responsável pelo apoio aos pequenos empresários (conhecida por SBA, Small Business Administration). Agora, pediu-lhe para liderar a equipa de transição e o ajudar a escolher os elementos do gabinete que tomam posse a 20 de janeiro.
Douglas Hoelscher O radical Natural do Iowa, formado em Ciência Política e antigo quadro da PricewaterhouseCoopers, integrou a Administração de George W. Bush, logo a seguir aos atentados do 11 de Setembro. Republicano ultraconservador, liderou o departamento de assuntos governamentais no primeiro mandato de Trump e agora é candidato a um cargo de maior notoriedade. É também dirigente do America First Policy Institute.
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Kevin David Roberts O gabarolas O diretor do Heritage Foundation, um dos mais conservadores think tanks de Washington D.C., passou meses a gabar-se da amizade que mantinha com o Presidente e que o seu principal objetivo era a “institucionalização do trumpismo”. Numa entrevista ao Financial Times, garantiu que o 47.º Presidente iria adotar a maioria das medidas previstas no Projeto 2025, um documento cujas recomendações permitem iniciar uma “nova era dourada para a América” e a “maior reforma conservadora desde Ronald Reagan”. Falta saber se o novo inquilino da Casa Branca estará pelos ajustes e se o convida para um cargo na Administração.
Sean Feucht O roqueiro Pode ser descrito como uma mistura de pastor evangélico, político messiânico, empresário de banha da cobra e vedeta rock. É uma estrela ascendente no movimento MAGA (Make America Great Again) e nos comícios de Trump, onde tem partilhado o palco com o candidato republicano e o seu “amigo” Elon Musk. Diz que fala com Deus e que quer salvar o seu país “das forças do demónio”. O 47.º Presidente é bem capaz de arranjar um cargo apropriado ao músico que adora doutrinar as massas.
Chris LaCivita O guerrilheiro Montou, com Susie Miles, a estratégia de campanha e tem um longo currículo nas artes da propaganda. Em 2004, ao serviço de George W. Bush e de multimilionários texanos, este antigo fuzileiro foi o mentor dos anúncios de TV para desacreditar a carreira militar, no Vietname, do democrata John Kerry. Implacável e sem escrúpulos, é natural que continue a ser útil a Trump, como diretor de comunicação ou num outro cargo perto da Sala Oval.
Brooke Rollins A fundamentalista Jurista e antiga procuradora do Texas, o seu estado natal, é uma das principais conselheiras de Trump. Tem 52 anos. No primeiro mandato do 45.º Presidente liderou o Departamento para a Inovação e o Conselho de Política Interna, sendo ainda uma das colaboradoras mais próximas de Ivanka Trump e do respetivo marido, Jared Kushner. É também a fundadora e líder de um dos think tanks mais conservadores e retrógrados dos EUA: o America First Policy Institute (AFPI), criado em 2021.
Elon Musk O patrão O homem mais rico do mundo acaba de gastar 35 milhões de dólares naquela que será a sua casa de família em Austin, no Texas, onde pretende acolher os seus 11 filhos e as respetivas (três) mães. Só que o dono da Tesla, da Space X e da mais tóxica rede social do planeta já terá aceitado o convite de Trump para integrar a próxima Administração, viver em Washington D.C. e assumir o cargo de “secretário para a redução de custos”, também chamado “Departamento para a Eficiência Governamental”. Na prática, reduzir a administração federal ao mínimo, efetuar despedimentos em massa e “poupar”, segundo Musk, “dois biliões de dólares”, por ano, ao erário público e aos contribuintes. Um plano que não se afasta muito dos programas-manifesto definidos pelo America First Policy Institute (The America First Agenda) e pela Heritage Foundation (Project 2025).
Steven Cheung O oportunista Filho de emigrantes chineses e formado em Ciência Política e em Informática, foi estagiário no Departamento de Comunicação do antigo governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger. Em 2008, deixa a sua cidade natal, Sacramento, e muda-se para a capital do país, com o propósito de trabalhar na campanha presidencial de John McCain. Desde então, dedicou-se a defender quem lhe pagar melhor. Depois de gerir as relações públicas dos campeonatos de artes marciais mistas (MMA), em Las Vegas, regressou a Washington, em 2016, para justificar e argumentar em nome de Donald Trump. Aguentou 17 meses no cargo e incompatibilizou-se com vários elementos da Casa Branca. Mas manteve a cumplicidade com o Presidente. Após ter sido o porta-voz da campanha e do MAGA, é o grande candidato a diretor de comunicação.
Robert F. Kennedy Jr. O boateiro O sobrinho do antigo Presidente assassinado em Dallas, em 1963, e filho do candidato presidencial do Partido Democrata abatido em Los Angeles, em 1968, é conhecido pelas suas teorias conspiracionistas e por ser um fanático antivacinas. Depois de desistir da corrida à Casa Branca, em agosto, o advogado que pertence à mais mediática dinastia política da América quer ajudar Donald Trump. E o 47.º Presidente parece pronto a recompensá-lo com um cargo digno: secretário da Saúde, com a eventual tutela do Centro para o Controlo de Doenças (CDC) e da agência responsável pela segurança alimentar e dos medicamentos (FDA). Entre as primeiras medidas que Kennedy quer tomar está o fim da vacinação infantil (com o argumento de que causa autismo).
Howard Lutnick O capataz Tal como Linda McMahon, este empresário e tubarão de Wall Street, de 63 anos, foi incumbido de recrutar a futura equipa governativa. Sobrevivente do 11 de Setembro, admitiu publicamente que o seu trabalho consiste em encontrar pessoas capazes de manifestar “lealdade incondicional” a Donald Trump: “É ele o CEO [o administrador]!” Como escreveu o New York Times, tem a responsabilidade de contratar e sobretudo de despedir centenas de funcionários na capital americana.
O poder e o dinheiro sempre andaram de mãos dadas, especialmente num país como os EUA, onde os milionários são glorificados e apontados como exemplos do verdadeiro espírito americano. Mas nunca se tinha assistido a uma associação tão explosiva e poderosa como a que se estabeleceu, nas últimas semanas da campanha eleitoral, entre Elon Musk e Donald Trump, dois milionários egocêntricos, prepotentes, com uma ambição sem limites e que se habituaram a jogar sempre com as suas próprias regras, sem a mínima consideração nem sentimento de misericórdia para com os adversários.
Elon Musk O homem mais rico do mundo jogou tudo no regresso de Donald Trump à Casa Branca
O homem mais rico do mundo jogou tudo no regresso de Donald Trump à Casa Branca. Dono de uma fortuna superior a 260 mil milhões de dólares, não lhe custou praticamente nada doar cerca de 130 milhões para a campanha do ex-Presidente. Mas ao contrário de outros milionários, Musk não se limitou a assinar uns cheques e desejar boa sorte ao seu candidato. Ele participou ativamente na campanha, realizando sessões públicas de angariação de votantes em que sorteava prémios de um milhão de dólares e aproveitou todos os momentos para aparecer ao lado de Trump nos grandes eventos públicos, como forma de concentrar as atenções mediáticas. E, descaradamente, terá ainda modificado o algoritmo e impulsionado artificialmente as suas publicações no X (antigo Twitter) desde meados de julho para promover conteúdo pró-Trump, de acordo com diversos estudos. Não admira, por isso, que na noite da vitória o agora Presidente eleito tenha decidido fazer-lhe um elogio público, chamando-lhe “estrela”.
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Atentado que mudou a campanha
Elon Musk decidiu apoiar pública e entusiasticamente Donald Trump depois do comício de 13 de julho, na Pensilvânia, em que o candidato republicano foi vítima de um atentado. E, desde então, o bilionário de origem sul-africana começou a dominar a campanha com o mesmo entusiasmo frenético e as exigências rigorosas com que ficou conhecido aos comandos das suas empresas SpaceX, Tesla e X. Foi uma presença habitual em comícios e protagonizou uma cena “à Oprah”: o America PAC, criado por Elon Musk, com outros milionários das tecnológicas, para ajudar a financiar a campanha de Trump, esteve a oferecer cheques de um milhão de dólares a eleitores, sorteados aleatoriamente, e Musk foi entregá-los aos vencedores, durante eventos realizados em Harrisburg e Pittsburgh, para gáudio da multidão.
Reação Donald Trump falou aos seus apoiantes na noite eleitoral em West Palm Beach, na Flórida. O podium vazio em Washington, depois de Kamala Harris ter optado por não falar
No dia das eleições, depois de ter votado no Texas, Musk fez questão de demonstrar que a sua proximidade com Trump está num nível elevado. “Estou a caminho da Flórida, para Mar-a-Lago, para estar lá com o Presidente Trump, o candidato a vice-presidente republicano JD e várias outras pessoas interessantes”, disse Elon Musk durante uma conversa na plataforma Spaces da rede social X. É verdade, o dono da Tesla e da SpaceX passou a noite eleitoral na residência de Donald Trump, em Palm Beach, rodeado de “pessoas interessantes” porque, elogiou ainda, “a equipa de Trump é divertida. Eles têm um ótimo sentido de humor e fazem piadas. Trump tem muito humor autocrítico”.
Para a noite eleitoral, a equipa de Trump preparara um jantar com um restrito grupo de doadores em Mar-a-Lago. Na América, não há dúvidas sobre os protagonistas da grande festa da democracia.
Poder para quê?
Se Elon Musk foi determinante para a vitória de Trump – nomeadamente, com a conquista do estado decisivo da Pensilvânia, onde apostou a maior parte dos seus milhões – , a verdade é que Trump poderá ser, a partir de agora, ainda mais decisivo para o futuro de alguns negócios de Elon Musk.
“Se Musk puder impulsionar o regresso de Trump à Casa Branca, isso marcará o momento em que a sua própria superinteligência se fundirá com o aparato mais poderoso do planeta, o governo americano – sem mencionar a oportunidade de negócios do século”, sintetizou, de forma sábia, Franklin Foer, na revista The Atlantic.
Alegria Pela primeira vez, Donald Trump ganhou no voto popular
O cruzamento de interesses entre os dois é evidente. E percebe-se que com Trump na Presidência, Musk poderá ter acesso a muitos negócios importantes para as suas empresas. A companhia de veículos espaciais SpaceX, por exemplo, que passou a substituir a NASA em muitas tarefas, tem um plano de negócios muito dependente dos contratos com agências governamentais e com o Pentágono. Segundo revelou o The Wall Street Journal, a SpaceX está a planear uma série de novos produtos com “clientes de segurança nacional em mente”. Por diversas vezes, Musk também tem reclamado que a Administração Federal de Aviação (FAA) é muito lenta e cautelosa a dar autorizações de lançamentos dos foguetões da SpaceX.
Vários analistas apontam ainda uma outra contrapartida que pode estar no horizonte do multimilionário: os órgãos reguladores da indústria de veículos elétricos, nomeadamente no que diz respeito à condução autónoma, estarão a regular demais, na visão de Elon Musk. E ele quer avançar com os carros que se guiam sozinhos pelas cidades, sem se sujeitar aos entraves colocados pela necessária cautela a ter neste assunto.
Gastar menos e ganhar mais?
Além dos negócios, parece também cada vez mais evidente que há ainda um certo alinhamento ideológico entre Musk e Trump – mesmo que, em relação ao segundo, os ideais possam ser mais táticos do que de convicção.
O homem mais rico do mundo considera que a máquina reguladora do Estado não representa só um obstáculo aos seus interesses comerciais, mas que é também uma ameaça à Humanidade. Musk acredita que a colonização de outros planetas é essencial para salvar os humanos da extinção, provocada, por exemplo, pela colisão de um grande asteroide com a Terra. Por isso, tem investido milhões e milhões de dólares no grande projeto de enviar missões espaciais tripuladas para Marte e, dessa forma, iniciar a colonização do planeta vermelho.
Eleito “Algumas das promessas mais absurdas da campanha de Trump vêm de Elon Musk”, sublinhou Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel da Economia
Como futuro líder de um autointitulado Departamento para a Eficiência Governamental, na Administração de Trump, o bilionário já prometeu ser o campeão na redução das despesas do Estado. E se muitos o acusam de ir desempenhar esse cargo para ganhar mais contratos para as suas empresas, há quem considere que essa incumbência será fatal para o equilíbrio das contas dos EUA.
“Algumas das promessas mais absurdas da campanha de Trump vêm de Elon Musk, que afirma saber como cortar dois biliões de dólares do orçamento federal”, sublinhou Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel da Economia. “Essa não deixa de ser uma proposta muito irónica vinda de alguém cujas empresas dependem tanto de contratos e de resgates governamentais (sem o empréstimo de 465 milhões de dólares que recebeu do governo Obama, a Tesla poderia muito bem ter falido).”
Embora alguns duvidem da durabilidade da associação de duas personalidades tão egocêntricas, a verdade é que Elon Musk prometeu logo no dia das eleições que pretendia continuar a apoiar os republicanos, mantendo o seu Comité de Ação Política para as “eleições de meio de mandato”.
Por apurar está a influência que Elon Musk pode ter nas decisões políticas de um Presidente que aposta no protecionismo e, no seu primeiro mandato, demonstrou não dar qualquer importância aos aliados tradicionais dos EUA. Musk, por seu lado, tem canais abertos de comunicação com Vladimir Putin, mantém relações relevantes com Pequim – metade do negócio da Tesla está ancorada na China – e usa a sua rede de satélites Starlink para ganhar influência em países que nem sempre costumam estar na órbita de Washington.
Comum aos dois é, de qualquer modo, o desprezo declarado pela imprensa e o jornalismo. E, aos comandos do X, o multimilionário não se tem cansado de usar e abusar da rede social para espalhar a confusão, promover o negacionismo climático e acentuar a polarização.
Continuação da polarização
O vencedor das presidenciais demorou a ser encontrado, após uma apertada contagem de votos, mas não há dúvidas sobre quem foi o principal derrotado: Joe Biden. Se outra prova não existisse, os resultados do duelo entre Donald Trump e Kamala Harris demonstram que o ainda Presidente não foi capaz de cumprir a principal promessa que tinha feito, em 2020, na hora da vitória: unir o país. A realidade é que, quatro anos depois, os EUA continuam a ser um país profundamente dividido ao meio, polarizado e extremado
A Economist Intelligence Unit (departamento de análise do Economist) resumia, antes das eleições, de forma básica, mas lapidar, o que seria o espírito do próximo Presidente dos EUA: um Presidente de meio país. “A polarização intensa significa que metade dos eleitores ficará provavelmente insatisfeita com o resultado das eleições. Estes sentimentos podem traduzir-se em violência…” Certamente não como o assalto ao Capitólio, em janeiro de 2021, agora que Donald Trump clama vitória, mas o ódio destes polos opostos está cada vez mais acentuado. E muita da culpa é dele. Discursos racistas, misóginos, insultuosos como há muito não se via contribuem para a crispação.
Os Estados Unidos da América sempre foram politicamente polarizados, no sentido em que apenas dois partidos contam. Mas ao longo da segunda metade do século XX, governando ora democratas, ora republicanos, os valores de base mantinham-se de pé e boa parte deles era partilhada por ambos os partidos. O sentido da polarização, em que cada um se dirige para o extremo, foi acontecendo nos últimos tempos, embora continuem a acordar em pontos essenciais (como o apoio a Israel, por exemplo).
Os republicanos, com o movimento extremista Tea Party, que fez a vida negra a Barack Obama e, segundo o Politico, terá morrido por volta de 2016 – uma morte gloriosa, uma vez que deixou de fazer sentido porque o Partido Republicano absorveu boa parte das suas ideias. Radicalizou-se. E talvez a ideia mais simbólica da mudança seja a crescente oposição ao aborto, culminando na revogação, em 2022, da lei federal Roe vs Wade, abrindo a porta a que cada estado legisle o tema a seu bel-prazer, o que resultou em proibições várias por todo o país. A lei foi revogada pelo Supremo Tribunal, povoado de juizes lá colocados por Donald Trump.
Do lado dos democratas, também houve um movimento à esquerda recentemente, embora ligeiro, representado por figuras como Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez, nota o Chatham House, um think tank independente de política internacional baseado em Londres. “O Partido Democrata abraçou algumas posições culturalmente mais à esquerda e tem um flanco mais progressista, mas continua a distanciar-se de posições [mais extremas] como o [movimento] ‘defund the police’”, escreve o think tank.
De resto, notam alguns estudos citados pela revista Time, “há uma crescente evidência de que os americanos estão menos divididos do que se possa pensar”. As pessoas de um partido têm uma forte reação de repulsa pelos comentadores televisivos do outro, por exemplo, mas não pelas “pessoas normais” que votam de forma diferente. “As elites políticas estão bastante polarizadas”, comenta a investigadora Yanna Krupnikov na Time, “mas a questão é: isso quer dizer que toda a gente também está?”.
E voltamos ao problema do discurso político e público, feito de medo, pensado numa lógica do “dividir para reinar”. Resulta, como se vê, quando apela aos extremos. Uma pesquisa de 2021 encontrou um “entendimento extraordinário sobre os objetivos nacionais”. Já a imigração e a política de fronteiras são o que mais divide os norte-americanos. Aqui, as discussões têm sido intensas, a gritaria aumenta de tom. E quanto mais se discute de forma irracional, diabolizando a imigração, por exemplo, mais ódio se cria entre os dois polos.
Certeza há uma, no entanto: Donald Trump não é nem nunca foi homem para unir a América.
Datas importantes para o Colégio Eleitoral
O caminho para Kamala Harris ou Donald Trump ser empossada(o) ainda demorará algumas semanas após o fecho das urnas a 5 de novembro
7 de novembro Certificação dos votos Os prazos para certificar os resultados eleitorais não são iguais em todos os estados: o Delaware, por exemplo, é dia 7 de novembro; a Geórgia, estado decisivo, é dia 23; o Arizona, dia 2 de dezembro. A Pensilvânia e Rhode Island não têm prazos específicos. A eleição presidencial é decidida por um Colégio Eleitoral que, calculado com base na população de cada estado, é composto por 538 delegados ou “grandes eleitores”. Quem recebe mais votos dos cidadãos conquista todos os electors em jogo num estado. São exceções o Nebraska e o Maine, que distribuem os delegados de forma proporcional. Vencerá o(a) candidato(a) com, pelo menos, 270 votos do Colégio Eleitoral.
11 de novembro Início da transição Se não houver um vencedor claro até 11 de novembro, as agências federais começam a informar as equipas de Harris e Trump sobre as medidas a adotar. Em 2020, quando Trump recusou reconhecer a vitória de Biden, impediu que a equipa deste participasse em reuniões cruciais com o Pentágono e os departamentos de Justiça e de Segurança Interna. A lei mudou em 2022 e agora as campanhas de Harris e Trump iniciarão um plano de transição – separado –, se nenhum dos candidatos admitir a derrota no prazo de cinco dias a contar do dia das eleições.
26 de novembro Sentença de Trump Enquanto se apuram os resultados, é possível que Trump tenha de se apresentar num tribunal de Manhattan para a leitura da sentença do seu julgamento por suborno. Em maio, um júri considerou-o culpado de 34 acusações de falsificação de registos comerciais para encobrir pagamentos a uma estrela porno para a silenciar nas vésperas presidenciais de 2016. Trump arrisca-se a uma pena até quatro anos de prisão, mas como nunca foi condenado antes, a pena pode ser mais leve ou ele sair em liberdade condicional. Nada impede um criminoso de servir na prisão o mandato de Presidente. Mas, se for eleito, Trump não terá o poder de perdoar as suas condenações em Nova Iorque.
Até 11 de dezembro Apuramento dos resultados Validados os resultados do voto popular, o executivo de cada estado – na maioria dos casos, o governador – assina os “certificados de apuramento”, que atribuem os seus delegados ao candidato vencedor. Os indivíduos nomeados nos certificados são os “grandes eleitores” que irão votar no Colégio Eleitoral.
17 de dezembro Voto dos “grandes eleitores” Os “grandes eleitores” ou delegados do Colégio Eleitoral de cada estado reúnem-se e escolhem o/a Presidente e vice-presidente. Os seus votos são registados e selados, em conjunto com os certificados de apuramento assinados pelos governadores, e enviados para o Congresso e os Arquivos Nacionais.
25 de dezembro Chegada dos votos dos “grandes eleitores” O Senado e os Arquivos recebem os votos dos delegados até à quarta quarta-feira de dezembro – que este ano calha no Dia de Natal. Se não chegarem, é solicitada cópia aos Arquivos.
2025 3 de janeiro Reunião do Congresso Os recém-eleitos membros do Congresso reúnem-se em sessão conjunta. Para a Câmara dos Representantes, a primeiro ponto da ordem de trabalhos é a eleição do seu presidente: Mike Johnson, se os republicanos mantiverem a maioria; Hakeem Jeffries, se os democratas deixarem de ser minoria.
6 de janeiro Contagem dos votos do Colégio Eleitoral Numa sessão conjunta das duas câmaras do Congresso, a vice-presidente em exercício – será Kamala Harris, quer ganhe ou não a eleição presidencial – preside a contagem dos votos do Colégio Eleitoral, anuncia os resultados e declara quem foi eleito.
20 de janeiro, Inauguration Day O(a) Presidente eleito(a) toma posse em Washington. Em 2021, Trump não compareceu à investidura de Biden, mas Biden já afirmou que tenciona estar presente, independentemente de quem ganhar.
Tão amigos que nós somos
Os cinco líderes mundiais que ficam contentes com a vitória de Donald Trump
Vladimir Putin Para o Presidente da Rússia, o resultado das eleições norte-americanas é um verdadeiro jackpot: após mais de dois anos de guerra na Ucrânia, a vitória de Trump representa, muito provavelmente, o fim do apoio militar norte-americano.
Benjamin Netanyahu Com uma nova Administração Trump, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, tem a vida facilitada: acabam-se as tentativas de mediação do conflito do Médio Oriente e, definitivamente, não haverá recriminações norte-americanas sobre as atrocidades em Gaza. Em 2019, Trump disse: “O Estado judeu nunca teve um amigo melhor na Casa Branca.”
Viktor Orbán Para o primeiro-ministro da Hungria, que neste momento assume a presidência da União Europeia, a vitória de Trump é ouro sobre azul: isolado na Europa, ganha um aliado do outro lado do Atlântico. Provavelmente, será um dos primeiros parabéns que Trump receberá.
Narendra Modi A visão do poder autoritário de Narendra Modi aproxima-o de Donald Trump. Admiram-se mutuamente.
Marine Le Pen A vitória de Trump poderia vir a ser um incentivo à candidatura da líder do Rassemblement National à presidência francesa, em 2026.
Sim, a indústria de videojogos está com um problema: está a ser inundada por remakes e remasters. As consolas de (já não tão) nova geração levantaram essa cortina e a abertura de títulos outrora exclusivos a mais plataformas parece uma forma fiável e fácil de garantir receitas. É neste contexto que somos brindados com um novo (?) Until Dawn. Lançado originalmente em 2015 para PlayStation 4 pela Supermassive Games, o título foi agora recriado e melhorado para PS5 e PC pela Ballistic Moon.
Assim, a questão fulcral é: o que mudou? Bem, talvez seja melhor começar pelo que não mudou, que é o enredo. Until Dawn é, no fundo, uma experiência de terror interativa. Ou seja, o jogador assume o controlo direto dos oito jovens que estão numa cabana isolada nas montanhas. Cada decisão tomada com cada uma das personagens tem impacto nos respetivos destinos finais (seguindo a filosofia do efeito borboleta).
Esta narrativa ramificada faz com que haja diversos finais alternativos possíveis. Adiantar demasiado do enredo prejudicaria a experiência, embora possamos adiantar que a velocidade de raciocínio, valores morais e capacidade de resposta rápida serão colocados à prova. E, como o próprio nome do jogo deixa antever, o objetivo é chegar à madrugada com o maior número possível de sobreviventes.
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O Gato de Schrödinger
É nesta fase que podemos assumir que Until Dawn tem quase em simultâneo dois públicos-alvo diferentes: quem ainda não teve oportunidade de jogar, será cativado pelo enredo apelativo e boas interpretações (Rami Malek e Hayden Panettiere, por exemplo, estão no elenco e há dobragem para português feita por atores nacionais – Pedro Teixeira, Jéssica Athayde, Ana Guiomar, etc.), sendo que não faltam alguns bons sustos; quem já jogou, provavelmente terminou o título, já que não é particularmente longo, e perde-se grande impacto porque a maioria dos sustos já não o vai apanhar desprevenido.
Depois de termos testado o Until Dawn original em PS4, agora pegamos neste remastered em PS5 e são imediatamente notórias as melhorias gráficas. Não tanto ao nível do rosto das personagens, mas mais no ambiente em que a ação decorre, desde à neve realista até uma dança de sombras/luzes rica em nuances e que faz diferença num cenário que pretende ser assustador.
Algumas sequências narrativas foram recriadas e agora existe uma câmara na terceira pessoa, novos cenários para investigar e colecionáveis diferentes. Aliás, os próprios totens (que funcionam como presságios e fornecem dicas úteis para a tomada de decisões futura) só fornecem a pista após seguirmos os sinais da vibração no comando e os colocarmos em posições específicas. O DualSense também entra em ação com as tomadas de decisão, que passam a ser feitas com os gatilhos adaptativos R2 e L2 em detrimento dos direcionais da PS4. Os disparos com armas e a opção ‘Não Mexer’ também foram refinados, mas onde acabámos por sentir mais impacto foi na forma como os batimentos cardíacos das personagens são fielmente reproduzidos pelo feedback háptico do comando, o que contribui para uma maior imersão na ação. E – buuuu! – sustos mais eficazes…
Destaque ainda para a remodelação da banda sonora, que ficou a cargo de Mark Korven, compositor de obras de terror como O Génio do Mal: O Início. Uma opção que nos despertou sentimentos mistos. Por exemplo, gostámos do recurso a uma versão de In For The Kill no prólogo, mas a decisão de deixar a icónica música O Death de fora é um ultraje para os fãs dos títulos originalmente criados pela Supermassive Games.
Em suma, este Until Dawn traz pouco de novo para quem jogou o original e o preço só é justificável para quem vai embarcar nesta experiência pela primeira vez – nesse contexto, torna-se até um título recomendável para quem gosta de histórias interativas. Mas se estava à espera de mais novidades e de uma espécie de Until Dawn 2, então mais vale espreitar o The Quarry de 2022, que segue as mesmas premissas de um grupo de jovens preso numa montanha e em que as decisões certas ou erradas são a diferença entre a vida e a morte.
Tome Nota Until Dawn | €69,99
Nota final: 4
Plataformas PS5 (testado), PC Estúdio Ballistic Moon Editora PlayStation Publishing LLC
Prós + Decide rápido! Ups, lá cortei dois dedos ao Mike… + O recurso ao Unreal Engine 5 dotou este chalé de um jogo de sombras/iluminação mais assustador
Contras – Foi preciso uma atualização para resolver uns glitches que prejudicavam a fluidez do jogo – Tiraram a música O Death do início do jogo? Que crime…
A luz ténue marca o ambiente intimista no The Kissaten, inspirado nos listening bars japoneses dos anos 60 e dedicado ao whisky. Distingue-se pelo sistema de som de alta qualidade e com características especiais, como os gira-discos EMT 948s, originalmente usados no extinto bar Plastic People de Londres, onde tocam vinis no volume certo, cativando qualquer melómano e audiófilo.
Ouve-se Horses, de Patti Smith, mas, entre as 19h e as 21h, pode ser o cliente a selecionar o que quer ouvir a partir de uma lista com vários títulos e géneros musicais. Toca sempre o álbum inteiro “contrariando a forma como se passou a ouvir música, apenas uma faixa e de forma aleatória”, diz Sophie Uddin, uma das responsáveis.
O The Kissaten é inspirado nos listening bars japoneses e tem uma seleção de 120 whiskies. Foto: Charlie McKay
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Os discos fazem parte da coleção pessoal de Paul Noble e Sophie, fundadores da Spiritland. A dupla é responsável pelo The Kissaten e o Spiritland Lisbon (inspirado no Spiritland King’s Cross, em Londres), os dois novos bares do hotel Locke de Santa Joana e que marcam a internacionalização do projeto.
O The Kissaten tem a maior seleção de whiskies da cidade, com cerca de 120 referências, incluindo raridades. A curadoria é de Dave Broom, autor de livros como The Way of Whisky: A Journey Around Japanese Whisky. “O seu trabalho tem ajudado a desmistificar preconceitos, como ser uma bebida elitista ou complicada de beber. Percebemos que há mais gente interessada e mais jovem”, conta Sophie. Para facilitar a escolha, estão divididos por perfil de sabor, leves, frutados, ricos, fumados ou especiados. A maior parte é escocesa, como os Macallan e Ardbeg, mas também há uma boa coleção de japoneses (Yamazaki, Hakushu ou Hibiki), indianos, bourbons e ryes americanos. Os preços começam nos dez euros, chegando aos €400 se escolher um Bunnahabhain 1979 40 Year Old Artist 9 (Islay, Escócia). São servidos puros, “mas em algumas situações umas gotinhas de água abrem os sabores”, explica Sophie.
No Spiritland Lisbon, a carta tem 14 cocktails de autor e um sistema de som JBL vintage restaurado. Fotos: Charlie McKay
No Spiritland Lisbon, instalado na antiga biblioteca do Convento de Santa Joana, mantém-se o foco na música, aqui com DJ e um sistema de som JBL vintage restaurado. Os 14 cocktails de autor, do Revolver (rye, vermute doce, café) ao Pear & Balsamic (rum, balsâmico, pera, moscatel), são preparados sem grande aparato e ruído, para não distrair do essencial, que é também a arquitetura. No centro da sala, uma antiga estrutura de madeira da biblioteca acolhe o bar.
Hotel Locke de Santa Joana > R. Camilo Castelo Branco, 18, Lisboa > The Kissaten > seg-sex 19h-1h > Spiritland Lisbon > qua-dom 17h-1h
Há algum tempo, um mês no mínimo, que os dados já estavam lançados a favor de Donald Trump como 47.º presidente dos Estados Unidos. E de tal maneira que, afinal, nunca houve um empate nas votações nacionais e nos estados decisivos. Quem descesse ontem à Terra, antes do encerramento das votações, apostaria tudo em Kamala, com comentários efervescentes a dar uma vitória indiscutível à vice-presidente. Mas não foi. Nem seria.
Muitos dos melhores analistas americanos, de todas as tendências, perderam-se na confusão das sondagens, dos palpites avulsos e das tolices políticas. Todos queriam fazer boa figura caso Kamala ganhasse, e muito poucos, ou quase nenhuns, arriscaram prever que Trump voltaria à Casa Branca, e com um resultado inquestionável no Colégio Eleitoral e na votação nacional.
Há, nas sondagens americanas dos últimos dez anos, uma distorção que desfavorece um dos candidatos, e com Trump isso aconteceu em 2016 e agora. Por isso, nunca a maioria dos estados decisivos esteve perto de dar a vitória a Kamala, e esse padrão eleitoral começou a tornar-se evidente muito cedo na noite eleitoral.
É Trump que vamos ter. Estava escrito. Estava determinado. Estava fechado. Há semanas, ou meses.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
Faye Driscoll descreve Weathering como uma “escultura de carne multissensorial feita de corpos, sons, cheiros, líquidos e objetos”. Um pequeno palco móvel, semelhante a uma jangada, é ocupado de forma periclitante pelos dez intérpretes. Embarcam numa jornada que se torna cada vez mais turbulenta, com a assistência muito próxima, ao seu redor, a acompanhar cada transição. Os performers cantam e repetem palavras, uivam, gemem e suspiram, como um coro em crescendo. Parecem estar à beira de um precipício, e não se percebe se se agarram ou empurram mutuamente, naquela coreografia de microeventos.
“Como sentimos o impacto de acontecimentos que nos atravessam e são muito maiores?”, questiona no texto de apresentação a aclamada artista norte-americana, classificada pelo The New York Times como um “talento surpreendentemente original”. Driscoll costuma levar os seus elencos ao limite, assim como o público, mas nesta peça é particularmente eficaz nesse propósito, criando uma experiência imersiva e intensa. Vapor, água e plumas pairam no ar, envolvendo a todos.
Foto: Maria Baranova
Os movimentos tornam-se mais acelerados e não há um porto seguro para esta equipa. O que motivou o cataclismo fica por esclarecer – embora as pistas sugiram uma ligação com a crise climática. Seja qual for o entendimento, o quadro vivo concebido em Weathering dificilmente cairá no esquecimento, tal foi o despertar dos sentidos.
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Weathering > Teatro Municipal Rivoli > Pç. D. João I, Porto > T. 22 339 2201 > 8-9 nov, sex-sáb 19h30 > €9
Ainda não se tinha passado uma hora desde o fim da audição de Maria Luís Albuquerque no Parlamento Europeu e já o PPE saudava a sua indigitação como comissária europeia dos serviços financeiros, da união das poupanças e investimentos. Maria Luís tinha conseguido uma maioria de dois terços para ser eleita e, para isso, contribuíram os votos dos eurodeputados do PS.
Para trás das costas ficaram as críticas feitas por Marta Temido que, quando foi conhecida a indicação de Maria Luís por Luís Montenegro, suscitou dúvidas sobre o passado da ministra das Finanças de Passos Coelho, que desta vez apenas os deputados do PCP e do BE trouxeram para a audição. “É evidente que o nome da Dra. Maria Luís Albuquerque recorda a todos os portugueses políticas de austeridade que são para todos de má memória. Que são políticas muito distintas daquelas que a União Europeia seguiu nos últimos cinco anos, com bons resultados. Também nos recorda algumas polémicas, desde o caso dos ‘swap’ a questões relacionadas com bancos e de objetivos inalcançados ao nível de políticas, por exemplo, de redução da dívida”, dizia na altura Marta Temido.
“Temos de construir a Europa na base dos consensos”, diz Assis
Agora, no rescaldo da audição no Parlamento Europeu, Francisco Assis dizia aos jornalistas que “quando entramos na desqualificação moral dos nossos adversários prestamos um péssimo serviço à democracia”.
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“Temos de construir a Europa na base dos consensos. A democracia faz-se de divergências e de confrontos”, defendia o eurodeputado, vincando que não estava em causa uma avaliação ao passado de Albuquerque.
Quanto ao futuro, Assis gostou de ouvir da boca de Maria Luís Albuquerque aquilo que considera ter sido “um grande compromisso no que diz respeito ao reforço do mecanismo de supervisão dos mercados”, ainda que essa declaração tenha suscitado algumas dúvidas por ter sido acompanhada por uma resposta sobre a necessidade de aliviar a burocracia na regulação.
De qualquer forma, os socialistas europeus querem voltar a ouvir Maria Luís e é por proposta deste grupo político que a agora comissária “voltará a comissão para falar mais detalhadamente do seu programa”.
Maria Luís Albuquerque deixou várias perguntas sem resposta foi muito genérica em algumas das respostas que deu, mas Francisco Assis não valoriza isso, sublinhando ser normal os comissários voltarem a ser ouvidos depois de já segura a sua indigitação.
Catarina Martins “preocupada” com alinhamento de PS com PPE
Este alinhamento entre os socialistas portugueses, que fazem parte do Grupo dos Sociais-Democratas da Europa, e o PPE, que aqui também se alinhou com os Patriotas pela Europa (onde está o Chega) foi alvo de críticas pela eurodeputada Catarina Martins, do Bloco de Esquerda.
“Estou muito preocupada com o consenso que se gerou aqui. É mais uma prova do absoluto apagamento dos sociais-democratas e dos verdes”, atacou, notando que este alinhamento constitui “uma rampa deslizante para a extrema-direita” na Europa.
Também contra este alinhamento esteve João Oliveira, eleito pela CDU. O eurodeputado comunista está preocupado com o que Maria Luís Albuquerque quer fazer e vai ao seu passado para mostrar o que pode ser o seu futuro como comissária.
João Oliveira vai ao passado para falar do que o preocupa no futuro
“Demos exemplos concretos que ilustram bem o que queremos dizer”, notou João Oliveira aos jornalistas, explicando que o caso do BES “mostrou as consequências de concentração do sistema bancário e financeiro” que agora Maria Luís quer reforçar com a defesa de um mercado financeiro maior e um sistema bancário mais concentrado.
Para João Oliveira, o caso dos swaps – contratos altamente especulativos celebrados pela Refer quando Maria Luís era diretora financeira – mostra a “roleta da especulação” a que a nova comissária se propõe submeter as poupanças dos pensionistas nos fundos de pensões, aumentando a sua exposição ao mercado de capitais. Uma decisão que Oliveira considera perigosa, “tendo em conta os exemplos que vêm dos EUA” e do que acontece quando as apostas especulativas se revelam erradas pondo em causa as pensões.
“Temos uma lobista na Comissão”
“Perguntem aos lesados da banca se acham bem confiar as poupanças de toda a Europa aos mercados”, questiona Catarina Martins, que ataca fortemente a forma como Maria Luís Albuquerque vem diretamente da Morgan Stanley para uma pasta na Comissão Europeia que tutela os mercados financeiros. “Temos uma lobista na Comissão”, conclui.
“Alguém que vem de um dos maiores grupos financeiros do mundo, depois vai escrever as regras para esses grupos”, aponta a eurodeputada bloquista, que considera que Maria Luís tem conflitos de interesses “com todo o portefólio que tem” e não apenas em algumas matérias e que a avaliação que lhe foi feita para o cargo tem falhas graves.
“As regras devem ser mais apertadas. É preciso avaliar a idoneidade dos candidatos a comissários”, defende Catarina Martins, que está preocupada também a intenção de reforçar a concentração na banca, “é o regresso do too big por fail”, e com “o regresso da titularização” que diz ter estado na origem da grande crise financeira de 2011, que teve consequências trágicas para Portugal.
Cotrim quer mudar forma de nomeação da Comissão
João Cotrim Figueiredo, eleito pela IL, acha que a Europa precisa de reformular a forma como nomeia os comissários europeus. “Esta forma de escolher a comissão não é a ideal”, defendeu aos jornalistas, notando que não faz sentido cada país indicar os seus candidatos a comissários sem fazer ideia da pasta a que se destinam e, por isso, sem adequar os perfis às pastas que lhes irão calhar.
Cotrim também tem críticas à forma como são feitas as audições. “Este sistema de audições não favorece o esclarecimento”, diz, apesar de ter elogios a fazer à forma “segura e calma” como Maria Luís respondeu durante três horas aos eurodeputados.
Cotrim Figueiredo acha até que a audição de Maria Luís Albuquerque “está acima da média”, o que “por um lado é bom, por outro não diz bem da bitola” de uma série de audições em que os candidatos, ao contrário da portuguesa, nem sempre têm domínio prévio das matérias que vão tutelar.
As maiores críticas do liberal foram mesmo para a bloquista Catarina Martins, que João Cotrim Figueiredo considerou “deselegante” pela forma como confrontou Maria Luís com o seu passado.
“Estou chocado com a pergunta feita por Catarina Martins”, disse aos jornalistas, explicando esse choque com a “utilização da demagogia e da mentira” nas referências aos casos dos swaps e do BES, nos quais Cotrim considera que não podem ser imputadas culpas a Maria Luís.
“A direita aqui na Europa está pouco habituada a ter oposição, mas estou cá eu”, ripostou a bloquista, na reação ao ataque feito pelo eurodeputado da IL.