O País entrou em contagem decrescente para as eleições antecipadas de 18 de maio. Fora do tempo e baralhando as contas de todos os líderes partidários, as caravanas de campanha já se encontram a aquecer os motores e as estratégias já estão a ser desenhadas. Luís Montenegro deixou claras as linhas com que se vão coser os seus discursos nos próximos dois meses, quando disse ao Conselho Nacional do PSD que “a razão para esta situação é o sucesso do atual Governo e a popularidade do primeiro-ministro”. Os sociais-democratas vão correr em duas pistas: enquanto Montenegro se vitimiza e puxa pelos galões dos resultados económicos da sua governação nas redes sociais, o PSD tenta recuperar casos antigos de Pedro Nuno Santos (da quota de 1% na empresa do seu pai que vendeu como governante à passagem pela TAP) e passar a ideia de que são os socialistas os responsáveis pela crise política.
A dramatização ensaiada nessa reunião foi tão grande que Manuela Ferreira Leite disse mesmo que o País está a assistir ao “caminho certo para a ditadura” e José Pedro Aguiar-Branco afirmou que “Pedro Nuno Santos fez pior à democracia nestes últimos seis dias do que André Ventura nos últimos seis anos”. No meio desta estratégia de defesa ao ataque, só destoou (até agora) o silêncio de Aníbal Cavaco Silva, que se tem recusado a falar em público de Luís Montenegro e dos casos que levaram à queda do Governo. Segundo algumas fontes, Cavaco Silva terá saído em defesa de Montenegro no Conselho de Estado que antecedeu o anúncio da data das eleições pelo Presidente da República. Em julho, Cavaco deixou, contudo, claro numa entrevista ao Observador que não via com bons olhos que o Governo apresentasse uma moção de confiança que teria como desfecho quase certo a sua queda. “Na altura [em 1986], a oposição tinha colocado tantos impedimentos, tantos obstáculos à aprovação de medidas estruturais do meu Governo de então, que tomei uma decisão muito arriscada, e que não aconselho a outro Governo, de apresentar uma moção de confiança”, lembrou então o social-democrata, que é tantas vezes apontado por Luís Montenegro como o seu modelo.
Vem aí Pedro Passos Coelho?
Não é, porém, com a sombra de Cavaco Silva que Montenegro tem de se preocupar. O fantasma que o assombra é Pedro Passos Coelho. O seu nome começou a ser proferido em surdina nos corredores sociais-democratas, mal começaram a sair as notícias sobre a Spinumviva, a sociedade familiar de Luís Montenegro, e as suspeitas de que poderia ter violado o regime de exclusividade como primeiro-ministro. Por estes dias, foram muitos os que tentaram perceber se Passos Coelho poderia regressar. A todos, Passos terá dado a mesma resposta: estava fora de questão voltar ao governo sem passar por eleições, como também estava fora de questão afrontar Luís Montenegro no PSD.
Na prática, isso significa que Luís Montenegro tem uma espada em cima da cabeça. Se não ganhar as legislativas com uma maioria que lhe permita governar, é uma questão de tempo até o regresso de Passos começar a ser pedido de forma mais vocal dentro do partido. Montenegro já disse que está “para lavar e durar”, mas sua permanência à frente do PSD só será possível com uma vitória expressiva. E essa vitória é tanto mais necessária quanto Luís Montenegro mantiver o “não é não” ao Chega.
Com sondagens que, por enquanto, mostram o Chega algures entre os 13% e os 17% das intenções de voto e a AD num empate técnico com o PS, André Ventura pensa já no dia a seguir, avisando que não pretende dar a mão a um PSD com Montenegro como líder. “Com Luís Montenegro não é de certeza, enquanto estas suspeitas estiverem sobre ele”, disse esta semana Ventura numa entrevista à CNN Portugal, durante a qual se mostrou certo de que se o PSD perder nas urnas, “não será Montenegro a ficar, será outro”. No fim de semana, já tinha começado a falar na oportunidade de formar “um Governo de direita”.

A ideia de que Pedro Passos Coelho pode voltar para fazer um acordo com André Ventura começou a firmar-se quando o antigo primeiro-ministro se pôs ao lado do líder do Chega na apresentação do livro Identidade e Família – Entre a Consciência da Tradição e as Exigências da Modernidade, em abril do ano passado. Na altura, Passos ouviu elogios de Ventura e declarou que “quando há identidades firmadas” não há que ter medo de os espaços políticos “se diluírem ou confundirem entre si”. Foi a primeira vez que uma figura importante do PSD fez um gesto de aproximação tão claro ao Chega. Agora, não falta quem faça contas a um possível regresso de Pedro Passos Coelho, com um acordo com Ventura à vista.
Nestas eleições, o CDS mantém-se debaixo do chapéu da AD e perde cada vez mais a identidade, com Nuno Melo mais afastado da ribalta. Um erro estratégico que a IL não está disposta a cometer, arriscando ir a votos sem coligação. Os liberais até podem vir a fazer parte de uma solução governativa de direita, mas antes vão testar a sua força nas urnas, com um discurso muito crítico dos casos que envolvem Luís Montenegro e da sua governação, apostados em captar alguns dos descontentes da AD.
O próximo ciclo governativo pode efetivamente ser muito curto. Marcelo Rebelo de Sousa perde os poderes de dissolução do Parlamento seis meses antes das Presidenciais, ou seja, no final de agosto. Mas o próximo Presidente da República, que deverá tomar posse a 9 de março, poderá fazer uso desse poder mal chegue a Belém. É que nessa altura já terão passado os primeiros seis meses do Governo que sairá das eleições de maio, prazo findo o qual poderá ser dissolvida a Assembleia da República.
Pedro Nuno, prazo de validade
Pedro Nuno Santos é também um líder à prova nestas legislativas. A moção de confiança apresentada por Luís Montenegro antecipou o calendário político e baralhou os prazos com que o líder do PS estava a trabalhar. Pedro Nuno tinha acabado de mudar a equipa de comunicação que trabalha consigo no Largo do Rato e contava nos próximos meses arrancar com uns Estados Gerais que pretendiam começar a consolidar o PS como uma alternativa à AD, virar a página da herança de António Costa, procurar novos protagonistas para o partido e, acima de tudo, dar a ideia de que os socialistas têm um líder preparado para ser primeiro-ministro. Agora, parte para a estrada apostado em aparecer com pose de estadista e com os trunfos do que correu mal com Montenegro, com os casos da Saúde e Habitação à cabeça, embora sem o tempo necessário para se afastar tanto quanto gostaria do mau legado de Costa nesses dossiês.
Este não era o momento certo para Pedro Nuno Santos ir a eleições, mas, no Largo do Rato, ninguém hesitou perante a “chantagem” do Governo em relação à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ou perante a pressão para viabilizar a moção de confiança do Governo. “Não negociar com o Governo foi uma decisão unânime no PS”, declarou ao Expresso Alexandra Leitão. Ouvindo vários dirigentes socialistas, percebe-se que a ideia de que era possível outra atitude ficou acantonada na ala mais à direita do partido, onde estão José Luís Carneiro e Fernando Medina.

Medina aproveitou mesmo o ensejo para apresentar uma declaração de voto na moção de confiança e assim marcar terreno, apesar de nela ficar claro que atribui as responsabilidades maiores da crise política a Luís Montenegro. “Resulta, essencialmente, de decisões do primeiro-ministro, aquando da sua tomada de posse e depois ao longo deste último mês, designadamente quanto à manutenção da empresa, ao timing, forma e conteúdo da comunicação, quer, sobretudo, quanto à decisão de avançar com uma moção de confiança num quadro que sabia ser da sua rejeição”, lê-se no texto a que a VISÃO teve acesso.
Medina posiciona-se como reserva para o futuro, mas não só Pedro Nuno Santos controla ainda a máquina do partido, como é muito pouco provável que o PS mude de líder logo a seguir às legislativas, mesmo perdendo. “Vejo jornalistas certos de que se o Pedro Nuno Santos perder vai ser corrido. Nada de mais errado. O PS tem autárquicas em setembro e ninguém vai esticar-se pondo em causa a vitória nessas eleições. Depois, temos presidenciais e depois o PS terá o seu congresso. Nessa altura se verá quem vai a jogo”, diz à VISÃO o socialista Ascenso Simões. Pedro Nuno até pode estar a prazo, mas o prazo não se esgota já no final de maio.
Sabendo como podem ser renhidas as eleições, há quem no PS não desdenhasse a possibilidade de um acordo pré-eleitoral com o Livre, um partido capaz de apanhar o voto jovem urbano que tem escapado aos socialistas e que, fora de Lisboa, pelas contas do método de Hondt, acaba desperdiçado, quando podia ajudar a reforçar a bancada do PS. Há distritos, como em Leiria, nos quais esse acordo, segundo as contas socialistas, podia conseguir mais um eleito. Mas Rui Tavares fechou logo a porta, antes de qualquer conversa. “O Livre avança sozinho nas eleições”, disse à Rádio Observador na semana passada.
PCP e BE com vida difícil
Mais à esquerda, as eleições também não vieram na melhor altura. Mal refeito da polémica sobre o despedimento de trabalhadoras que tinham acabado de ser mães, o Bloco de Esquerda teria preferido ter tempo para dar a volta ao texto. No PCP, também se contava com a possibilidade de fazer caminho com mais tempo, continuando na senda do trabalho que os comunistas têm feito para chegar a outros setores, através da cooperação com movimentos como o Vida Justa ou a Iniciativa dos Comuns.
A grande dificuldade para bloquistas e comunistas está em lidar com a possibilidade de sofrer com o voto útil no PS, arrastado pela ideia do empate técnico com a AD, numa altura em que a direita parece sociologicamente maioritária no País e as sondagens dão como improvável qualquer hipótese de uma nova geringonça, mesmo que os estudos de opinião mostrem que esse governo minoritário socialista com o apoio parlamentar da esquerda foi um dos de melhor memória para os portugueses.
Apesar disso, e temendo ver encolher ainda mais as suas bancadas parlamentares, não se espera que um desaire possa ter outras consequências nestes partidos. No PCP, uma quebra eleitoral será sempre avaliada em termos coletivos e não fará cair Paulo Raimundo, como secretário-geral. No BE, os bloquistas adiaram a Convenção Nacional que estava prevista para 31 de maio e 1 de junho, mas também não é previsível que os resultados eleitorais sirvam para que Mariana Mortágua deixe de ser coordenadora do partido, tendo em conta a expressão minoritária que tem tido a oposição interna e o anúncio de que essa oposição não pretendia ir a votos no próximo conclave bloquista.
A hora das grandes decisões
Os líderes partidários têm nestas eleições desafios decisivos. Alguns poderão cair, outros serão reforçados. Façamos as contas

Luís Montenegro
O mata-mata
O que é ganhar A única vitória que não o deixa a prazo é ter uma maioria, nem que seja com a IL. Sem isso, a pressão para o regresso de Passos subirá muito.
O que é perder Qualquer cenário que não passe por uma solução governativa com maioria acabará por conduzir à demissão.

André Ventura
A pedir uma oportunidade
O que é ganhar Manter ou aumentar os 50 deputados é ganhar, mas condicionar uma solução governativa será o pleno.
O que é perder Ficar abaixo dos 50 deputados é uma derrota para o líder que quer ter “uma oportunidade” no Governo. Mas André Ventura ficará de pedra e cal.

Pedro Nuno Santos
O sprint inesperado
O que é ganhar Ser o partido mais votado será sempre uma vitória. Sem maioria de esquerda, essa será, porém, uma vitória instável e a prazo.
O que é perder Ter menos votos do que a AD. Mas o PS deve esperar até depois das Presidenciais para trocar de líder.

Paulo Raimundo
A prova de vida
O que é ganhar Manter ou aumentar a bancada no Parlamento será uma vitória.
O que é perder Perder um deputado que seja será uma derrota, mas ninguém no PCP pedirá por isso a sua saída.

Inês Sousa Real
A prova de fogo
O que é ganhar Eleger um grupo parlamentar outra vez.
O que é perder Sair do Parlamento pode significar o fim da liderança, num partido já fragilizado e dividido internamente.

Rui Rocha
Oportunidade de crescer
O que é ganhar Aumentar a votação e ser determinante para uma solução governativa à direita, captando os descontentes com Montenegro.
O que é perder Descer a votação será dramático para o partido e pode ditar o fim da liderança de Rui Rocha.

Mariana Mortágua
O “timing” errado
O que é ganhar Manter ou aumentar o número de deputados, depois do abalo da polémica dos despedimentos e das críticas da oposição interna.
O que é perder Qualquer descida de votação será dramática para o BE, mas é improvável que a cabeça de Mortágua role.

Nuno Melo
O invisível
O que é ganhar Manter pelo menos dois deputados, para assegurar um grupo parlamentar.
O que é perder Um desaire eleitoral da AD que faça os deputados centristas desaparecer pode ser o início do fim do CDS.

Rui Tavares
O tira-teimas
O que é ganhar Manter o grupo parlamentar será uma vitória importante, para perceber se o Livre se consolidou.
O que é perder Perder deputados e não contribuir para uma solução de esquerda pode pôr em causa a liderança.














