O que é a prematuridade e porque é importante

Quando um bebé nasce antes das 37 semanas de gestação, diz-se que é prematuro. Existem diferentes graus: muito prematuro (menos de 28 semanas), prematuro moderado (28 a 32 semanas) e prematuro tardio (32 a 37 semanas).

Em Portugal, ainda nascem muitos bebés prematuros todos os anos. Graças à medicina moderna, mais bebés sobrevivem — mesmo os muito pequeninos — mas isso traz um desafio: é essencial acompanhar o seu desenvolvimento de forma especializada e contínua.

O cérebro do prematuro e os riscos

O cérebro de um bebé prematuro ainda está a amadurecer e é, por isso, mais vulnerável. Algumas complicações que podem ocorrer logo após o nascimento, como falta de oxigénio, problemas respiratórios ou hemorragias, aumentam o risco de dificuldades no desenvolvimento motor, cognitivo ou emocional mais tarde.

Mas há boas notícias: o cérebro é plástico, ou seja, consegue adaptar-se e aprender — especialmente nos primeiros anos de vida. Intervenções realizadas precocemente podem ajudar a melhorar a estrutura e o funcionamento do cérebro do bebé.

A importância da intervenção precoce

Quanto mais cedo começarmos, melhor. Os programas de intervenção precoce, que incluem estimulação motora, sensorial e cognitiva, podem iniciar-se ainda na unidade neonatal e continuar em casa após a alta.

A participação ativa dos pais e o trabalho conjunto de equipas especializadas (neonatologistas, fisioterapeutas, terapeutas da fala, psicólogos, entre outros) são fundamentais para que estas intervenções sejam realmente eficazes.

Aleitamento materno e contacto físico

Amamentar e praticar o método canguru (contacto pele a pele) traz grandes benefícios para os bebés prematuros. Além de fortalecer o vínculo entre pais e filhos, ajuda a regular a respiração, o batimento cardíaco e contribui para um desenvolvimento cerebral mais saudável.

Porque é que Portugal precisa de mais apoio especializado

Acompanhar bebés prematuros não é apenas uma questão médica — é uma necessidade para garantir que crescem e se desenvolvem da melhor forma possível. O ideal é que todos tenham acesso a serviços especializados de intervenção precoce, de forma justa e equitativa. Isto permite aproveitar a “janela de oportunidade” do cérebro, responder às necessidades individuais de cada bebé e reduzir desigualdades no acesso à saúde.

Em resumo

Nascer prematuro não precisa de ser um obstáculo ao desenvolvimento. Com o acompanhamento certo, estimulação precoce e apoio familiar, é possível oferecer a cada bebé a melhor oportunidade de crescer saudável e feliz.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Todos os anos, a 17 de novembro, assinala-se o Dia do Não Fumador — um momento para refletirmos sobre os riscos do tabaco, mas também sobre a esperança real de uma vida sem fumo.

Enquanto médica de família, tenho acompanhado muitos fumadores em consulta de cessação tabágica. É comovente ver como, mesmo depois de anos de dependência, é possível deixar de fumar com sucesso. O segredo não está apenas na força de vontade. Esta é importante, mas não é condição necessária para começar. Hoje sabemos, com base em evidência científica robusta, que iniciar tratamento antes de surgir a convicção plena de conseguir parar pode ser o passo decisivo. Ou seja, um fumador que ainda duvida de si, mas aceita começar a medicação, tem muitas vezes mais hipóteses de sucesso do que aquele que espera “estar pronto”.

Existem duas principais modalidades terapêuticas: a substituição de nicotina e a medicação que reduz a vontade de fumar.

A substituição de nicotina — através de pensos aplicados na pele, pastilhas de mascar ou de chupar — é especialmente útil para fumadores intensivos, aqueles que fumam mais de um maço por dia ou que precisam de um cigarro logo ao acordar. A dose de nicotina vai sendo gradualmente reduzida, permitindo ao corpo adaptar-se.

A medicação que tira o prazer de fumar é indicada para a maioria dos fumadores. Existem esquemas curtos de 25 dias, em que o cigarro é substituído por comprimidos e o consumo vai diminuindo progressivamente, e tratamentos de três meses, com um comprimido de manhã e outro à noite, que eliminam a sensação positiva associada ao tabaco. Durante esse período, o fumador aprende a viver sem o cigarro, substituindo, por exemplo, a “pausa do cigarro” por uma caminhada ou um café com colegas.

A maior dificuldade não costuma ser parar, mas manter a abstinência. Basta um cigarro “por brincadeira” para que o cérebro volte a ativar os mesmos circuitos de prazer — e o vício regressa rapidamente. Por isso, o acompanhamento médico e o apoio continuado são fundamentais.

Importa também lembrar que as recaídas fazem parte do processo de cessação. Cada tentativa anterior é valiosa e é cuidadosamente analisada na consulta: o que funcionou, o que falhou, quais os gatilhos, quais as estratégias que resultaram melhor. Esse conhecimento acumulado aumenta significativamente a probabilidade de sucesso na tentativa seguinte. O importante é não desistir — porque cada tentativa aproxima o fumador de uma vida sem dependência.

Importa ainda desfazer um mito: os cigarros eletrónicos e o tabaco aquecido não são alternativas seguras. Estes dispositivos aquecem substâncias químicas a altas temperaturas, alterando-lhes a estrutura molecular. Já foram descritos casos graves de inflamação pulmonar (pneumonite) associados ao seu uso, e os efeitos a longo prazo continuam desconhecidos.

Deixar de fumar é possível — com apoio, acompanhamento e tratamento adequado. Em cada consulta de cessação tabágica, não celebramos apenas o abandono de um vício: celebramos a conquista da liberdade e da saúde.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Dezoito anos depois da ascensão ao K2, a segunda montanha mais alta do mundo (8 611 metros), só superada pelo Evereste (8 848 m), o mais conhecido alpinista português decidiu transformar a aventura em livro. Aos 58 anos, João Garcia socorreu-se da ajuda na escrita do jornalista Aurélio Faria, que cobriu para a SIC várias das suas escaladas aos 14 picos acima dos 8 000 metros de altitude. Mas foram, sobretudo, as muitas horas de filmagens que lhe reavivaram as memórias, esbatidas por quase duas décadas em que as montanhas falaram mais alto do que as letras. Editado pela Lua de Papel, do grupo Leya, K2 – A Rainha das Montanhas é agora um belo pretexto para, através das palavras, reencontrarmos João Garcia em estado puro, a partilhar medos e superações, erros e justificações, desabafos e inspirações – além de um projeto mais ao nível do mar, na inóspita Antártida, que caiu por terra em tempos de Troika.

Logo no início do livro, conta que, desde as primeiras viagens aos Himalaias, sempre ouviu dizer que o Evereste trazia fama, mas que só um verdadeiro alpinista escalava o K2. Concorda?

Sim, porque o Evereste, já na altura, era uma montanha muito comercializada. Já havia muitas expedições comerciais e de turistas que pagam muito dinheiro para que seja organizada uma maneira de subir, facilitada ou não. Neste momento, o K2 também já é um desses produtos de turismo de luxo e de facilitismo para ir lá acima, mas, no ano em que eu subi, aparentemente não estava ali uma única expedição comercial, portanto, eram só alpinistas, pessoas experientes. Em 2005, no Evereste, vi lá pretendentes a subir a montanha mais alta do mundo que nunca tinham colocado crampons. Andam a brincar com coisas sérias.

Quais as principais diferenças entre escalar o K2 e o Evereste?

Escalei o Evereste pelo lado norte, e geralmente todas as faces norte, por causa da maior pressão dos glaciares ao longo de milhões de anos, acabam por ser mais sombrias, mais inclinadas, mais técnicas, mais difíceis e mais perigosas. São também mais baratas. No caso do Evereste, a parte final tem três ressaltos, enquanto o K2 é uma montanha bem mais empinada. Qualquer que seja a vertente, tem aquela forma de pirâmide, portanto, como tem mais inclinações, existe um risco maior de queda de pedras e de avalanches. Apesar de ser a segunda mais alta, só tem menos 200 metros do que o Evereste, o que não é significativo. Por outro lado, a maior verticalidade não é necessariamente sinónimo de maior perigo. Quando é preciso perder altitude rapidamente, pode ser vantajosa. No Evereste, descer demora mais tempo, e a permanência em altitude extrema implica graves consequências. Em termos de previsão meteorológica, o K2 está numa zona do planeta onde ainda hoje não se consegue ter certezas absolutas sobre o que vamos apanhar, porque tudo pode mudar muito rapidamente. Nem estando lá na montanha conseguimos perceber se vem uma frente ou ventos violentos. Quando damos pelo mau tempo, já estamos no meio dele. No Evereste, há um pouco mais de tranquilidade. Do ponto de vista tecnológico, não se pode comparar, porque, em 1999, quando subi o Evereste, não havia telefones de satélite, estávamos literalmente desconectados do resto do mundo. Mas no K2, em 2007, já tinha comigo essa ferramenta e uma pessoa contratada em Portugal que me transmitia dados meteorológicos.

Os últimos metros na direção dos cumes são mais técnicos e perigosos no K2. Porquê?

Porque tem ali o chamado Bottleneck, um estrangulamento onde há uns anos ocorreu uma tragédia, com uma avalanche a varrer uma corda fixa e a bloquear os alpinistas na descida. Alguns morreram. Em 2007, enquanto subíamos, caiu um sherpa mesmo antes dessa dificuldade acrescida e criou-se ali um momento de grande preocupação e dúvida, sobre se continuávamos ou não. O K2 acaba por ser uma montanha com uma reputação terrível, mas o coeficiente de risco é medido pela triste estatística do número de pessoas que morreram a fazer determinada montanha. E, quanto a isso, nem o Evereste nem o K2 são os campeões. O campeão é o Annapurna.

Precisamente, o último dos 14 cumes que alcançou acima dos 8 000 metros. Por causa dessa má fama?

Literalmente, porque andava a fugir com o rabo à seringa. Confesso que, no plano inicial que apresentei ao patrocinador do projeto, tinha previsto subir o Annapurna em 2008, depois passei-o para 2009 e só o subi em 2010. No caso do Evereste, por cada 100 pessoas que fizeram cume, morreram uns 0,8%. No K2, por cada 100 morreram 20. Já no Annapurna, morreram 40. Se bem que estas estatísticas deveriam ser revistas a partir dos anos 1970. A seguir às Grandes Guerras, as nações continuaram a competir, à procura de ser as primeiras a subir estas montanhas virgens. Os filósofos consideravam-nas talvez a sensação mais próxima do sublime, e os alpinistas tinham um mindset diferente dos dias de hoje. Era normal morrer-se pela pátria e, portanto, iam com uma atitude um bocado kamikaze.

Tem ideia de como ficaria o ranking de fatalidades só a partir da década de 1980?

Continuaria a colocar o Annapurna como número um, seguido do K2 e do Kangchenjunga, ambos mais técnicos e difíceis do que o Evereste, baseando-me nas minhas experiências pessoais.

O que torna o Annapurna tão perigoso?

A via sul é muito empinada e propícia a avalanches, por causa da maior exposição solar. No lado norte, por onde eu subi, existe uma série de glaciares de restos de gelo suspensos que podem cair a qualquer momento. Não tem a ver com ser-se um alpinista forte, rápido ou experiente. Tem a ver com estar no sítio errado à hora errada. No Annapurna, desde o campo-base um até ao cume, quase nunca estamos seguros, por isso, quanto menos tempo se andar ali exposto, menos se arrisca. Tanto que eu inventei e fui do campo-base diretamente para o campo três e meio e, depois, dali para o cume. Como estava sozinho, dormi numa aresta, pensando que se caísse algo por ali abaixo passava por um lado ou por outro. Para ficar à mercê, no acampamento, dentro de uma tenda, sabendo que a qualquer momento podia ser varrido por ali abaixo, preferi ficar naquele canto. Um dia, também há de dar um livro, o Annapurna, que acabou por ser uma operação supercirúrgica. Este tipo de expedições são sempre de 30 ou 40 dias, mas demorei apenas sete entre chegar ao cume e ir-me embora.

Não andou para cima e para baixo a fazer aclimatação?

Já vinha de outra montanha menos perigosa, já estava aclimatado.

Fez parte da estratégia?

Da minha e de mais oito alpinistas, que no fundo andávamos a corresponder-nos no computador, todos com a mesma preocupação, e adotámos a mesma solução para corrermos menos riscos de vida.

Com certeza, também tinha estudado previamente o K2, mas no livro escreve que ficou surpreendido com tantas dificuldades. A maior foi mesmo a zona do Bottleneck?

Na parte técnica, sim, traduz a tal verticalidade. Mas tenho de confessar que não me preparava por aí além, porque eu gostava que o desafio fosse mais puro, mais intenso. De me aproximar um pouco das condições que os pioneiros apanharam. Reconheço que o K2 é mais complexo do que parece. Voam pedras.

Tem algum dos pioneiros como referência?

O Reinhold Messner foi a primeira pessoa, conjuntamente com o Peter Habeler, a subir o Evereste sem recurso a oxigénio artificial e foi o primeiro a completar este projeto, aliás, foi ele quem o inventou, de escalar as 14 montanhas com mais de 8 000 metros. Agora, já consideram mais cinco proeminências acima dessa fasquia. Isto porque se argumentava que tudo o que fossem picos subsidiários de outros não eram considerados.

Mas o Lhotse consta dos 14 originais e está integrado no Evereste…

Exatamente, ia dar esse exemplo. Já no Kangchenjunga, são cinco picos acima de 8 000 metros e só conta o mais alto. Enfim… Mas tenho o Messner como uma referência histórica, devorei um dos seus livros, que fala dessas 14 montanhas. Assim como fui influenciado pelo Andrew Lock, um australiano que também escalou as 14, a primeira das quais o K2. Isto sempre me impressionou e, por outro lado, também me entusiasmou. Escalei com ele e alimentei o raciocínio, talvez errado, de que se ele fez ali a estreia, é porque se calhar o K2 não é tão monstro como toda a gente o pinta.

Porquê a escolha de nunca recorrer a oxigénio artificial nem aos chamados carregadores de altitude, que sobem à frente com o material mais pesado?

Terá a ver com as minhas origens. A primeira montanha que subi acima dos 8 000 metros foi o Cho Oyu e integrei uma expedição polaca. Eles nunca usaram nada disso, só tinham um nepalês no campo-base para lavar a loiça e cozinhar, mais nada. Nos anos 1990, era uma realidade socioeconómica parecida com a nossa e tínhamos de organizar exposições baratinhas.

Além dos custos, não há um princípio por trás dessa opção?

Alguém um dia me disse que uma equipa de alpinistas tinha de partilhar o trabalho do campo-base para cima e tentei sempre aplicar essa regra. Nunca vi isto como uma conquista a qualquer custo, mas sim como o desejo de me superar.

O desafio do K2 surge num momento de dúvidas, por causa da tragédia ocorrida no ano anterior, após a expedição portuguesa ter atingido o cume no Shishapangma. O projeto dos 14 picos tremeu. O que recorda desse período?

O Bruno [Carvalho] tinha falecido em 2006. Nestes desportos de aventura, a este nível, uma queda pode ter consequências muito graves, inclusive a morte, e eu tinha sido prevenido pelo patrocinador que, se morresse outro português, passaria de bestial a besta. Comecei então a pensar em subir com outras nacionalidades. Convidei um amigo sherpa nepalês para ir comigo como alpinista, mas ele foi atropelado dias antes e tive de encontrar uma alternativa à última hora. Lembrei-me de um paquistanês que conheci numa expedição com belgas, o Amin, que aceitou acompanhar-me, também como alpinista, ou seja, partilhando toda a jornada a meu lado, sem carregar materiais por mim montanha acima. Só não fez cume porque, quando o sherpa que já mencionei caiu numa ravina antes do Bottleneck e nos fez hesitar, ele assustou-se e preferiu voltar para baixo. Tudo bem.

Tal como no Evereste, oito anos antes, atingiu o cume já depois da hora de segurança, que seria entre as três e as quatro da tarde. Chegou a temer outra vez o pior ou lá em cima, com o ar rarefeito, não dá para articular raciocínios tão elaborados?

Temos essa perceção da hora, mas eu próprio já esperava. Tinha havido uma série de piratarias ao longo de toda a subida, porque basicamente cinco pessoas, sendo eu uma delas, abriram o caminho, na neve profunda, para outras dez virem mais atrás a aproveitar, até ao campo quatro. Então, no dia do cume, disse ao Amin que iríamos sair atrás. Além disso, com o acidente do sherpa que caiu no escuro, perdeu-se uma hora, a ponderar se continuávamos. Portanto, tinha consciência de que o cume ia ser um pouco mais tardio, mas também sabia que a descida ia ser rápida, devido à inclinação da montanha. Lembro-me de regressar ao acampamento quatro e ainda haver luz do dia.

A descida foi tranquila?

Talvez os dois litros e meio de líquidos que levei para cima não tenham sido suficientes ou talvez não tenha gerido a hidratação da melhor forma. Sei que cheguei sedento, muito desidratado.

O Amin tinha um chá preto quente à sua espera.

Continua a ser o grande combustível. Como os americanos dizem, hydrate or die. Ou bebes na montanha ou não sobrevives. Ao estar muito tempo em altitude, o organismo desenvolve mais mecanismos de compensação e cria-se ali, digamos, uma mistura no sangue, que fica muito mais espesso, mais viscoso e mais propício a haver acidentes vasculares.

Nestes desportos de aventura, uma queda pode ter consequências muito graves, e eu tinha sido prevenido pelo patrocinador que, se morresse outro português, passaria de bestial a besta

O chá preto é a sua bebida preferida nesses momentos?

Na altura, era. Agora, gosto mais de outras infusões.

No regresso ao campo-base, pós-cume, escreve que sentiu uma espécie de reconciliação consigo mesmo, depois das dúvidas que se levantaram sobre o projeto. Fez as pazes consigo?

Não estava em guerra comigo, nem estava dececionado, mas sentia-me numa ratoeira sem saber como sair dela. Sem saber como digerir tudo o que tinha acontecido. Portanto, senti-me mais aliviado com as minhas decisões, como se tivesse passado num exame. Voltei a encontrar a paz.

Como surgiu a ideia de escrever este livro, 18 anos depois de atingir o cume do K2?

Na época, a máquina estava bastante treinada e não quis parar de subir montanhas. Depois, andei a reorganizar a minha vida, a tentar arranjar outros objetivos, e uma maneira foi subir montanhas mais técnicas e não tão altas, sem o ar rarefeito da altitude extrema e por vertentes nunca escaladas, porque continuava com uma capacidade física acima do normal. Tentei não perder muito tempo a escrever livros. Neste momento, também já não escrevo. Com estas mãos, toco numa tecla e aparecem duas letras. É mais fácil falar para o computador e ele escrever. Contactei o Aurélio [Faria], comecei a ver as cassetes das filmagens e fiquei maravilhado com imagens que nunca tinha visto, além de declarações minhas que se tinham apagado da memória. Sobre o K2, deparei-me com 13 horas de filme, que me ajudaram muito mais do que os apontamentos que guardo numa série de livrinhos escritos à mão. Ver a montanha e olhar para a minha cara, magro, aviva a memória. Ao falar com o Aurélio, percebi que podia ser o meu coautor, porque ele presenciou o K2 como jornalista, a partir do campo-base, e teria muito a acrescentar. Este é o primeiro de, pelo menos, mais dois livros que estão já planeados. O próximo, se calhar, será o Kangchenjunga e, depois, o Annapurna, onde ele chega ao campo-base, após sete dias de caminhada, com autorização da SIC para ficar durante 30 dias. Ao fim de sete, já estava despachado. Eu tinha recebido indicações através do telefone satélite, a 7 000 quilómetros de distância, do Vítor Baía, da Guarda, um autodidata da meteorologia em quem eu confiava, sobre uma janela de oportunidade, e decidi avançar. Esta ferramenta veio trazer muita confiança, porque aumenta as possibilidades de sucesso e diminui o risco.

Com o Aurélio Faria também ia sempre comunicando, ao longo dos dias?

Sim, muito. Tenho aqui horas e horas em que ele se filmava e ouve-se, também, a minha voz. Foi graças a estas cassetes, a estas gravações, que consegui reviver tudo. Já não é só a foto Kodak para mais tarde recordar. São as gravações de vídeo para mais tarde recordar, e isso é fantástico. Tenho de dizer que o Aurélio é um jornalista da velha guarda. Muitas pessoas começavam a exigir uma cobertura em tempo real no site da SIC, como as expedições americanas faziam, mas o Aurélio sempre defendeu que isto não era futebol e que, se houvesse uma tragédia, a família tinha de ser avisada primeiro, antes do resto do mundo. Hoje, tudo é transmitido em direto. Como dizem os espanhóis, estamos na era do instantâneo.

Como aprendeu a lidar com os medos?

Costumo dizer que o Monte Branco, nos Alpes, foi a minha primeira grande montanha. Tinha 17 anos e, portanto, aos 58, já lá vão 41 a subir montanhas. À medida que vamos angariando experiências com a altitude, com as vertentes, com as quedas de pedras, não vamos ficando necessariamente mais calejados. Pelo contrário, até ficamos mais sensíveis. Mesmo quando parece só rotina, não é. Quando estou com clientes, costumo ser a pessoa mais atenta, mas não lanço o pânico. Digo, por exemplo, que não podemos parar para tirar fotografias até chegarmos a determinado local, mas nem explico porquê. Só depois. Como se costuma dizer, a ignorância é o primeiro estágio da felicidade, e eu quero que os clientes sejam felizes. Já na minha cabeça, encontro justificação para o risco no facto de não usar oxigénio suplementar, de não fazer batota. Foi esta pureza de espírito que pouco a pouco me habituou a lidar com o medo. Felizmente, nunca o perdi, porque é graças a ele que consigo calibrar o bom senso e tomar as boas decisões. Há aqui um equilíbrio saudável porque entendo que estou a fazer as coisas da forma correta.

Já havia referido essa pureza quando disse preferir não estudar muito as montanhas, mas sim encará-las como um desafio a ultrapassar no momento, inspirado nos pioneiros.

Bem observado. Já me tinha esquecido desse detalhe, de ter dito que propositadamente não estudava de forma exaustiva a aventura que ia ter à frente. Eleva um pouco a dificuldade, e a verdade é que levo tudo isso em consideração. A gente gosta é de luta. Se for tudo fácil, perde o encanto.

O risco fá-lo sentir-se mais vivo?

Não me revejo naquela frase “ah, morreu a fazer o que gostava”. Sou mais pragmático. Se morreu na montanha, cometeu um erro. Quem nunca os cometeu que atire a primeira pedra. Eu cometi muitos, e com consequências graves, mas não é o risco de morte que me atrai no alpinismo. Todos temos um instinto animal de tentar sobreviver, ainda que, voluntariamente, nos tenhamos metido, entre aspas, numa alhada. No alpinismo, por vezes acontecem coisas imprevisíveis, e temos de reagir. Quando nos safamos e regressamos, são experiências transformadoras. Daí, qualquer desportista usar a palavra superação, não é? Neste caso, é superar-me a mim próprio, não só fisicamente mas também tecnicamente. Encontrar maneiras de resolver o problema e conseguir o essencial, que é regressar a casa. Como dizem os americanos, o ir é voluntário, o regressar é obrigatório.

Como lida hoje, 26 anos depois, com a morte do seu amigo Pascal [Debrouwer], em 1999, no Evereste?

Sempre assumi que cometemos erros. Para mim, foi uma grande tristeza perder um amigo e um companheiro. O tempo não cura, porque essas memórias ficam para a vida, mas ajuda. Posso até chamar-lhes lições, só que é muito egoísta. Todas as pessoas que morrem na montanha, para mim, são experiências extremas. Mas, lá está, no nosso instinto, temos de as aproveitar para tentar não repetir os mesmos erros.

Qual foi o maior erro nessa expedição?

Foram várias coisas. Já estávamos há demasiado tempo a grandes altitudes e, por isso, estávamos demasiado fracos. Já não tínhamos gás suficiente para transformar o gelo em água e, portanto, nem devíamos ter iniciado a última tentativa. Foi um tiro no escuro. Não nos apercebemos de que não iríamos conseguir chegar num horário de segurança, porque havia muita vontade de ir lá acima. Além disso, a hipoxia tirou-nos o discernimento. Estive três meses em expedição, não faz sentido. No máximo, um mês e meio. Era desmontar e vir para baixo. A montanha não vai a lado nenhum.

Foi a pureza de espírito que pouco a pouco me habituou a lidar com o medo. Felizmente, nunca o perdi, porque é graças a ele que consigo calibrar o bom senso e tomaras boas decisões

Continua a viver só do alpinismo?

Considero que fui profissional, patrocinado, entre 2006 e 2010. Agora, já não tenho os mesmos rendimentos, mas continuo a sobreviver dando aulas de alpinismo, guiando pessoas em viagens e fazendo palestras motivacionais.

Em 2026, tem viagens já marcadas para caminhadas no Evereste e em Marrocos.

Sim, também irei a Espanha e tenho em mente promover outras viagens, inclusive o trekking até ao campo-base do K2, que é uma coisa ímpar no Paquistão. Este livro acaba por ser uma ação de marketing para esse percurso pedestre de aldeia em aldeia.

Que sonho lhe faltou concretizar?

A dada altura, em 2010, estava a tentar continuar o relacionamento com o patrocinador e apresentei um projeto para ir sozinho ao Polo Sul. Aprendi muito sobre nutrição, porque seria um desafio que me obrigaria a ter uma autonomia de 100 dias de alimentação. Tinha de levar muitas calorias no menor peso possível. E nada fornece mais calorias do que gordura. Então, basicamente, ia comer sabonetes de manteiga desidratada à dentada, todos os dias, mas a crise económica que se seguiu inviabilizou essa aventura. Voltei para as montanhas.

Os seus dois irmãos mais velhos foram músicos. Há uma música marcante na sua vida de alpinista?

Por forte influência deles, sempre gostei muito dos Genesis, do Peter Gabriel. Um dos meus irmãos tocou com os Heróis do Mar, o outro foi para os GNR. A certa altura, aquela vida de artista serviu-me de exemplo. Quer dizer, num país como Portugal, que respira futebol, eu queria tornar-me alpinista profissional e isso era quase impensável. Mas se aqueles dois parvalhões [Risos] conseguiam fazer vida no trim, trim, trim, porque é que eu não havia de acreditar que um dia poderia viver do alpinismo?  

Diz Donald Trump que já tem uma decisão militar sobre a Venezuela. Não adiantou nada, mas fez crescer as especulações sobre uma possível intervenção militar. Lá se vai o Prémio Nobel de 2026. Ao optar pela ação militar, Trump não está preocupado com as rotas da droga, nem com o frágil exército de Maduro, nem com as dificuldades em derrubar o regime: o presidente americano precisa, quer e está empenhado em desviar as atenções dos ficheiros Epstein.

Uma das suas principais apoiantes no movimento MAGA e membro do Congresso bateu com a porta com estrondo, afirmando que vai votar esta semana a resolução da Câmara de Representantes para que o Departamento de Justiça divulgue todos os documentos — e essa posição enfureceu o presidente. Já insultou, cortou relações e ameaçou a congressista da Geórgia, que, na verdade, conquistou o cargo com o forte apoio de Trump em 2024.

A Venezuela pode muito bem ser a cortina de fumo das atenções mediáticas, tanto internas como externas. Uma guerra absorve todo o foco, mesmo perante uma votação favorável no Congresso. Trump é “maluco”, como escreveu Epstein num dos e-mails revelados, e ninguém mantém o maior porta-aviões do mundo, mais uma dúzia de grandes navios de combate e 15 mil soldados de prontidão durante muito mais tempo. Se era apenas para assustar, o efeito foi conseguido.

A “Doutrina Trump” consiste em nunca envolver tropas americanas em conflitos que não afetem diretamente os Estados Unidos, mas tudo isso pode mudar com uma explicação simplória: Washington vai derrubar Nicolás Maduro porque ele trafica drogas e possui lanchas rápidas. O facto de ser ditador não conta para o barulho. Esta será uma semana complicada e decisiva: o Congresso vota sobre os ficheiros Epstein e Trump decidirá o que fazer com o seu músculo militar nas Caraíbas. Pois é!

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Em 1961, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) proferiu a sua primeira decisão. No caso Lawless c. Irlanda, julgou a queixa apresentada por um cidadão irlandês que tinha sido detido pelas autoridades, sob suspeita de participação em atividades terroristas do IRA. A detenção ocorrera ao abrigo da lei que atribuía ao governo poderes especiais em situações de ameaça à segurança do Estado. O Tribunal de Estrasburgo discutia uma questão magna dos direitos fundamentais, dessas que tinham justificado a assinatura da Convenção em 1950, no rescaldo das graves violações ocorridas antes e durante a Segunda Guerra Mundial.

A tensão entre a segurança nacional e a liberdade individual continua a ecoar nas democracias europeias de hoje. Mas, décadas volvidas sobre Lawless, as questões que chegam ao Tribunal tornaram-se mais sofisticadas. Em 2024, o Tribunal decidiu uma ação desencadeada pela Verein Klimaseniorinnen Schweiz (“Associação Suíça de Mulheres Idosas pelo Clima”). Queixava-se a Associação de que a saúde das mulheres idosas estava em risco por causa das ondas de calor agravadas pelas alterações climáticas e que, ao não ter adotado legislação que contribuísse para a mitigação do aquecimento global, a Suíça violara o Artigo 8.º da Convenção, que garante o respeito pela vida privada e familiar. O Tribunal julgou a favor da Associação, considerando que aquela norma da Convenção garante o direito à proteção do Estado em relação aos efeitos adversos das alterações climáticas na vida, saúde, bem-estar e qualidade de vida.

A pouco mais de 200km para noroeste, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem a seu cargo a aplicação de um outro instrumento de direitos fundamentais – a Carta da Direitos Fundamentais da União Europeia. Também no Luxemburgo sopram os ventos da atualidade: foi com base na Carta, e numa atualização do direito à privacidade, que aquele Tribunal afirmou, em 2014, o “direito ao esquecimento”, isto é, o direito de uma pessoa a não ser permanentemente lembrada pela Internet por factos do passado. Noutras ocasiões, a Carta tem sido também invocada para apreciar as reformas do poder judicial na Polónia, ou as medidas de austeridade adotadas em Portugal durante a crise.

Não há dúvida de que os dois textos – Convenção Europeia dos Direitos Humanos e Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – têm contribuído para a afirmação da Europa como a “campeã dos direitos fundamentais”. Eles são “instrumentos vivos” (na expressão usada pelo TEDH para qualificar a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mas que pode bem ser estendida à Carta de Direitos Fundamentais). Contudo, também é necessária uma reflexão sobre se a interpretação desses textos, feita pelos Tribunais que os guardam, não tem sido motivada por um certo “ativismo dos direitos fundamentais”, reduzindo a margem de apreciação dos Estados em domínios essencialmente dependentes de escolhas democráticas.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Enfrentar o diagnóstico de cancro é sempre o início de uma jornada profundamente desafiante. Quando se trata de um tumor cerebral, o impacto torna-se ainda mais marcante por reunir duas dimensões que, por si só, geram profunda inquietação: trata-se, em primeiro lugar, de uma doença oncológica, e de uma que afeta o cérebro, o órgão mais nobre e complexo do corpo humano, responsável por todas as funções que nos definem enquanto pessoas. Esta combinação explica o enorme impacto emocional que acompanha esta notícia, tanto para o doente como para aqueles que lhe são mais próximos.

O medo, a incerteza e a sensação de vulnerabilidade são reações naturais perante o desconhecido. Porém, compreender melhor a doença, conhecer as opções de tratamento e aceder a informação clara e fidedigna são passos decisivos para transformar o medo em confiança. É aqui que o papel das associações de doentes se torna essencial: apoiar, esclarecer e acompanhar, lembrando sempre que ninguém tem de enfrentar este caminho sozinho. É fundamental o apoio aos doentes e aos cuidadores.

No caso dos tumores cerebrais, a escassez de informação e de caminhos claros a seguir é uma constante, talvez porque, felizmente, se trata de uma doença rara, representando cerca de 1,6% de todos os cancros em adultos¹. Mas essa raridade, que é uma bênção em números, pode transformar-se em solidão para quem recebe o diagnóstico. A falta de referências e a complexidade dos tratamentos, que felizmente continuam a evoluir com a ciência, tornam o acesso à informação uma necessidade urgente. Manter-se atualizado e informado é, também, uma forma de resistência e de esperança.

A boa notícia é que ninguém tem de o fazer sozinho e em silêncio. A Associação Portuguesa do Cancro no Cérebro (APCCEREBRO) nasceu precisamente para dar voz a quem, sozinho, dificilmente seria ouvido e para tornar mais fácil o acesso à informação e ao apoio de que os doentes e as famílias necessitam. Mas o papel das associações vai muito além da partilha de conhecimento.

Desde há décadas, que se fala da importância de envolver os doentes nas decisões que moldam os sistemas de saúde. Já em 1978, a Organização Mundial de Saúde defendia a participação ativa das pessoas na definição dos seus próprios cuidados. Esta é a base daquilo que hoje chamamos defesa dos doentes e é uma das principais missões das associações que os representam. Porque só com a sua voz presente à mesa será possível criar políticas verdadeiramente humanas e eficazes.

A participação da Associação Portuguesa de Cancro no Cérebro (APCCEREBRO) no Fórum INCLUIR do INFARMED representa um marco importante neste caminho, através do qual podemos contribuir para a promoção de uma avaliação dos medicamentos mais participativa e centrada no doente. Ouvir os doentes neste processo é, por isso, crucial para desenvolver estratégias de saúde mais humanas, que respondam a necessidades reais, enquanto contribuímos para melhorar os resultados em saúde.

A nossa voz traz uma perspetiva única sobre as principais necessidades dos doentes, expectativas, mas também sobre os resultados mais importantes de novas terapêuticas.

Ouvir os doentes é ouvir a verdade da experiência, e é dessa escuta que nascem as estratégias de saúde mais justas, mais humanas e mais eficazes.

Este reconhecimento é fundamental. Porque somos o elo entre quem define políticas e quem vive as suas consequências. A voz das associações é, afinal, a tradução coletiva das vivências de quem, todos os dias, enfrenta o desafio de viver com uma doença grave e complexa.

Ainda que nem sempre seja percebido, o papel das associações de doentes é inestimável. Elas representam, com coerência e consistência, a perspetiva de quem está no coração do sistema de saúde: o doente. São mediadoras, facilitadoras, organizadoras e, acima de tudo, defensoras da dignidade humana.

As associações de doentes, como a APCCEREBRO, ajudam a transformar o medo em conhecimento, o isolamento em comunidade e a incerteza em ação. São a ponte entre os doentes e todos os intervenientes do sistema de saúde, trabalhando para garantir que as vozes de quem vive com cancro no cérebro são ouvidas, respeitadas e integradas nas decisões que verdadeiramente importam.

  1. Sung, H, Ferlay, J, Siegel, RL, Laversanne, M, Soerjomataram, I, Jemal, A, et al. Global Cancer statistics 2020: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. (2021) 71:209–49. doi: 10.3322/caac.21660

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

O último trimestre do ano é, por tradição, a fase em que mais agita o mercado dos smartphones e pode ser muito entusiasmante para os consumidores, principalmente para aqueles que procuram novas opções de dispositivos mais recentes. Com a apresentação do novo iPhone, muitos utilizadores começam a ponderar uma atualização e, em paralelo, o que fazer com o equipamento atual. Este é um momento crítico, onde cada lançamento de uma nova geração tende a acelerar a desvalorização dos modelos anteriores; segundo dados de 2025 da Gizmo Grind, nos primeiros dois a seis meses após o lançamento de um novo modelo, um iPhone pode perder entre 15% a 25% do seu valor. Assim, facto é que quem se antecipa tem maiores hipóteses de conseguir um preço mais vantajoso.

Mas a oportunidade não se resume à troca de modelo. Em Portugal, a vida média de um telemóvel é de dois a três anos, e cada aparelho concentra metais raros e componentes cuja extração tem custos ambientais elevados. Preparar o dispositivo para revenda significa, por isso, não apenas recuperar parte do investimento, mas também participar ativamente na economia circular, ajudando a reduzir um dos fluxos de resíduos que mais cresce no mundo: o lixo eletrónico.

Para começar, para o consumidor, é sensato não adiar a venda. Aproveitar o período em torno do lançamento do iPhone 17, ou de qualquer grande novidade do setor, permite beneficiar de maior procura e de cotações mais altas. A seguir, convém olhar para a bateria, um dos elementos mais avaliados no recondicionamento. Manter a carga entre 20% e 80%, evitar descargas profundas e utilizar carregadores de qualidade preserva a capacidade e valoriza o equipamento.

Sempre que possível, deve-se optar por manter peças originais como ecrã, câmara e bateria, já que a integridade dos componentes genuínos é vista como uma garantia de qualidade.Por fim, a honestidade na avaliação é essencial. Descrever com rigor o estado do dispositivo evita surpresas e ajustamentos de preço mais tarde, facilitando todo o processo de venda ou troca.

Empresas especializadas em recondicionamento dão nova vida a estes aparelhos através de testes e reparações profissionais, garantindo que continuam em circulação com qualidade. Plataformas de avaliação instantânea ajudam os consumidores a ter uma noção realista do valor de mercado, permitindo decisões mais informadas sem pressão comercial.

Preparar um telemóvel para revenda funciona como gerir um investimento: quanto melhor cuidado e preservado estiver o ativo, maior tende a ser o retorno — ao mesmo tempo que prolongamos a vida útil de materiais valiosos e reduzimos o lixo eletrónico, garantindo benefício financeiro e ambiental em simultâneo.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

No auditório oficial da COP30, o Presidente da Organização Mundial da Saúde (OMS) reforçou uma mensagem que já ecoava nas ruas de Belém durante as manifestações dos últimos dias: “saúde é clima e clima é saúde”. O Plano de Ação em Saúde de Belém promete canalizar fundos comunitários da ONU para ampliar o acesso universal à saúde, especialmente em países vulneráveis, e para fortalecer a capacidade das populações responderem aos impactos da crise climática.

A proposta reconhece uma verdade óbvia mas frequentemente ignorada: num planeta doente, não há sistemas de saúde capazes de garantir bem-estar. E a OMS alertou que a saúde pública está cada vez mais sob ataque — por colapso ambiental, por desigualdade económica, por infraestruturas frágeis e por ausência de financiamento adequado.

Ainda assim, cresce uma preocupação: o discurso oficial na COP30 tem deslizado progressivamente para a adaptação, em detrimento da mitigação. Quando se deveria discutir como travar a subida da temperatura global, volta-se ao debate sobre como sobreviver às consequências. “Neste momento deveríamos estar a encurtar o prazo para atingir a neutralidade carbónica para 2040”, relembra Pedro Moura, presente nas sessões. “Em vez disso, estamos a reforçar uma narrativa que normaliza vivermos acima dos 1,5 °C”. O plano apresentado é importante, urgente e necessário — mas chega num contexto em que a ambição política global continua a recuar.

Se no interior dos espaços oficiais os avanços são lentos e os compromissos tímidos, na Cúpula dos Povos viveu-se o oposto: intensidade, emoção e horizonte político. A abertura oficial foi descrita pelos participantes como um momento de rara beleza. Sílvia Moutinho relata um ambiente de partilha profunda entre movimentos de diferentes continentes, unidos pela defesa da vida, da floresta, das águas e dos territórios. “Um momento que fica para sempre”, disse. “Um pontapé de saída para um trabalho rico e próspero, que traga futuro à união dos povos.”

Lá dentro, num espaço construído coletivamente por centenas de organizações, discute-se o que não cabe nos corredores diplomáticos: soberania alimentar, demarcação de territórios, reparação histórica, combate ao racismo ambiental, tecnologias sociais e transições justas feitas pela base. Enquanto isso, a COP repete fórmulas, revê prazos e evita os confrontos políticos mais duros — sobretudo aqueles que implicam enfrentar indústrias fósseis e interesses corporativos.

O contraste não podia ser mais claro: a força dos povos cresce; a política institucional fica para trás. O Plano de Ação em Saúde de Belém pode vir a melhorar a vida de milhões de pessoas, especialmente onde o acesso à saúde, educação e serviços básicos continua marcado pela desigualdade. Mas, sem mais ambição na mitigação, sem redução real de emissões, sem enfrentar o poder dos combustíveis fósseis, continuaremos a responder a sintomas em vez de tratar as causas.

Imagens: Abel Rodrigues, Pedro Moura e Sílvia Moutinho | Direção Editorial: Joana Guerra Tadeu | Produção em parceria com Don’t Skip Humanity

“A violência contra as mulheres já não se esconde. Está online. Ri-se em público. E tem fãs. O que devia chocar, diverte. O que devia ser crime, viraliza. O que devia ser punição, é conteúdo.”

Há uma violência que cresce em silêncio, mas à vista de todos. Não se ouve nos tribunais, não deixa nódoas negras, não chega à esquadra. Vive dentro de um ecrã. Respira em comentários. Propaga-se em partilhas e vídeos que se tornam virais.

É o ódio digital. E o mais assustador é que já não se esconde. Ri-se, tem público, faz likes.

Os novos agressores já não usam força física. Usam palavras, câmaras e redes. Usam o telemóvel como arma e a internet como plateia.

São miúdos. Alguns ainda nem são adultos. Crescem a ouvir que ser homem é dominar e ser mulher é provocar. Aprendem em fóruns escondidos que o problema não é a violência, é a recusa. Que o corpo das mulheres é uma dívida, não um limite.

Chamam-se incels, um nome que parece inofensivo mas que carrega raiva. São jovens que se dizem celibatários involuntários e que culpam as mulheres por isso. Transformam a frustração em ideologia e a rejeição em discurso de ódio. Entre memes, vídeos e piadas, normalizam a ideia de que as mulheres merecem castigo.

E há quem ache que isto é exagero. Não é. Há fóruns inteiros dedicados a ensinar rapazes a controlar, a humilhar, a vingar. Há vídeos com milhões de visualizações onde se explica que elas pedem respeito mas não o merecem. Há adolescentes que acham que filmar, partilhar e expor é apenas uma brincadeira. Não é. É crime. O artigo 199º do Código Penal é claro. Divulgar imagens íntimas sem consentimento é punido com prisão até cinco anos. Mas quando o autor tem dezasseis ou dezassete anos, o sistema hesita. A lei tutelar educativa fala em reeducação, em reintegração, em proteção. Mas quem protege as vítimas? Quem apaga os vídeos? Quem limpa a vergonha de uma rapariga cuja intimidade foi vista por toda a escola?

A imaturidade pode explicar, mas não absolve. Um miúdo que grava e partilha sabe o que faz. Sabe que humilha. Sabe que destrói. E mesmo assim faz.

E quando o tribunal decide, já passou tempo demais. O vídeo já circulou. O dano já se tornou permanente. A justiça chega tarde e chega fria. E a vítima fica sozinha a tentar continuar uma vida que nunca mais será a mesma.

Vivemos num país onde a lei é exemplar, mas a prática é tímida. Onde o crime é punido, mas o sofrimento é esquecido. Onde o sistema trata a violência digital como se fosse menos grave por não deixar sangue. Mas há feridas que o corpo não mostra.

As redes correm à velocidade da luz. A justiça move-se à velocidade do papel. Enquanto o processo anda, a dor multiplica-se em partilhas. O vídeo nunca desaparece. O insulto nunca é esquecido. E o silêncio ganha espaço.

As escolas não ensinam empatia digital. Os pais acham que são coisas de internet. O Estado continua a olhar para o lado. E as plataformas fingem que não veem. Entretanto, cresce uma geração inteira a acreditar que o respeito é opcional.

O Direito tem de acordar. Tem de reagir com firmeza e com pressa. Tem de proteger antes que destrua. Tem de punir sem hesitar. E tem de ensinar o que parece esquecido, que a dignidade não se negoceia.

A violência contra as mulheres já não se esconde. Está online. Ri-se em público. E tem fãs.

O que devia chocar, diverte. O que devia ser crime, viraliza. O que devia ser punição, é conteúdo.

Não é a violência que aumentou. É a vergonha que desapareceu. E quando a vergonha desaparece, o que vem depois já não é sociedade. É sobrevivência.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

A encomenda ao Copilot, ferramenta da Inteligência Artificial, era simples: quero um poema romântico sobre a liberdade e a IA nos próximos anos.

A resposta chegou de pronto:

“No sopro elétrico do tempo que avança,ergue-se a promessa, frágil esperança.Circuitos sonham, frios, mas tão profundos,tecendo destinos, moldando os mundos.

Democracia, flor de voz e escolha,dança ao vento que a tecnologia acolha.Mas quem guia o código, quem guarda a razão,quando a máquina sussurra ao coração?

Se o amor é humano, feito de imperfeição,pode a IA aprender a compaixão?Ou será que, no cálculo exato e preciso,perdemos o riso, o toque, o improviso?

Que os próximos cinquenta anos sejam luz,onde a ética, como estrela, nos conduz.Que a inteligência não roube, mas inspire,um mundo onde a liberdade nunca expire.”

Circuitos tecem destino? Perdemos “o riso, o toque, o improviso”?

Apesar do pobre versejar, segura de si, a IA não se esconde. O ChatGPT admite que em 50 anos “a tecnologia concentre o poder: Estados e megacorporações controlam dados, comunicação e decisões políticas” e a “opinião pública é gerida por sistemas de algoritmos de propaganda”.

Verdade que este é o cenário mais desfavorável que o ChatGPT admite, pois a “tendência provável” é que “as democracias formais continuem a existir, mas com forte influência tecnológica e económica”. Note-se o “forte”.

Se houvesse dúvidas sobre a ameaça que já por cá anda, estas confissões serviriam de sobreaviso.

Há dias, um apoiante de Noronha Lopes à presidência do Benfica contava a um defensor de Rui Costa que tinha estado certo da vitória, por só lhe terem chegado boas notícias, e muitas, sobre o seu apoiado. Riu-se o interlocutor: a ele só chegaram novas sobre o favoritismo de Rui Costa.

Já passaram anos suficientes para se saber que os algoritmos não mostram a verdade, exibem o que sabem que gostamos de ler. É experimentar perguntar ao Google se as facas de cerâmica são boas e ver como nos dias seguintes se multiplicam anúncios e propostas de desconto sobre estes utensílios.

Todas as novas tecnologias assustam. No Paleolítico, quando os nossos antepassados começaram a usar o fogo (a Wikipedia assegura que foi há 1,7 milhões de anos, mas não consegui confirmar nas velhas enciclopédias de papel e muitos volumes) que medo devem ter sentido daquelas chamas. A fissão nuclear, que aterrorizou o mundo em Hiroshima e Nagasaki, também é hoje essencial na medicina e na engenharia. Sabe-se: o que o conhecimento traz de novo pode ter bom ou mau uso.

O perigo acrescido da IA é que nos manipula, seleciona os dados e condiciona o pensamento. Nenhum dos anteriores avanços tecnológicos ambicionou ultrapassar a Humanidade. É este o perigo novo.

“E o mais preocupante é que, à medida que estes modelos se tornam mais fluentes, mais acessíveis e mais integrados nos nossos hábitos quotidianos, torna-se cada vez mais improvável desconfiar”, alerta Adolfo Mesquita Nunes, no seu Algoritmocracia.

E quanto mais se usam, mais dados obtêm, alimentando-se vorazmente. Como a mitológica Hidra, por cada cabeça cortada, crescem duas.

Pior do que estar mal informado é ser enganado. Acreditar na verdade única quase sempre leva à maior das mentiras.

“A mentira já não gera vergonha: gera cliques, partilhas, convites para programas. O que antes destruía reputações, agora rende dividendos políticos”, escreveu Mesquita Nunes. Como diz, a informação sempre teve viés. A diferença – grande – é que sabíamos de onde vinha o enviesamento e sabíamos onde procurar o contraponto. Sabíamos quem responsabilizar e podíamos fazê-lo. Agora desconhecemos o que está por detrás do ecrã juntando letras e criando ilusões.

A questão não é proibir telemóveis, é ensinar a usá-los, é explicar truques e técnicas que nos defendam das artimanhas. É fazer destas matérias verdadeiras
e exigentes
áreas de ensino

Daniel Innerarity, em O Novo Espaço Público, já em 2010, dizia que “sem a adequada representação, isto é, sem o trabalho de mediação institucional [de jornalistas, entre outros] que concretiza e integra o diverso num espaço público, a sociedade encontra grandes dificuldades para se ver, para decifrar e tornar operativa a multiplicidade”.

O problema que os algoritmos trouxeram é que, “como em tantas coisas, também à política se aplica o aviso de que a profusão de dados não substitui a necessidade de formar uma ideia geral e de se organizar coerentemente”, reforça o mesmo autor. E o algoritmo dá-nos sempre mais do mesmo.

Daqui nascem bolhas, discute-se e lê-se sobre o que se concorda, estreita-se o conhecimento, conversa-se em pequenas comunidades que se autoalimentam. Como o apoiante de Noronha Lopes…

Mesquita Nunes propõe a regulação dos algoritmos. O problema da regulação é que, por norma, quando é aceite, já minou o terreno. Vejam-se os tratados para o desarmamento nuclear. Quando conseguiram fixar uma meta, já havia ogivas mais do que suficientes para destruir toda a vida humana.

Karen Hao, uma das pioneiras da IA e agora feroz adversária das grandes tecnológicas, em Empire of AI, veio alertar para que “a forma de dissolver o império [das grandes tecnológicas] exige uma redistribuição dos seus poderes”, através da criação de uma rede de investigadores independentes das corporações.

Agora, “qualquer gigante tecnológico está na corrida para deixar os adversários fora de prova, em prol de um novo desenvolvimento da IA”. Karen Hao quer dividir, para reinar.

Yuval Noah Harari, sem deixar de parte as questões políticas e cívicas, alerta em Nexus que “IA e automação serão um desafio ainda maior para os países em desenvolvimento”. Sem capacidade para entrarem na corrida, vão ver os produtos que tradicionalmente fabricavam passarem a ser produzidos por autómatos nos países em que são consumidos. A mão de obra barata daqueles países será mais cara do que os robots. “O que lhes acontecerá quando for mais barato produzir têxteis na Europa?”, interroga.

Mesquita Nunes não se fica pela necessidade de regular, como a Europa tem tibiamente tentado. Ele aborda a questão da educação e do ensino das novas gerações: “A primeira condição é simples: reconhecer que existe. Não como um detalhe técnico, não como uma curiosidade de especialistas, mas como um problema central para as democracias liberais.”

Voltemos às previsões do Copilot: daqui por 50 anos, “a IA não será apenas uma ferramenta tecnológica; será um fator estruturante da política global. Sem governança robusta e cooperação internacional, os riscos de erosão democrática são elevados. Por outro lado, se bem regulada, a IA pode ser um catalisador para sistemas mais transparentes, inclusivos e resilientes”. Fica o alerta. Alguém acredita que esta seja uma bandeira dos que influenciam a sociedade?

Harari, que não dá tréguas à IA, nas suas 21 Lições Para o Século XXI, defende a teoria dos quatro C, com origem em alguns pedagogos: pensamento crítico, comunicação, colaboração e criatividade. “As escolas devem dar menos atenção às aptidões técnicas e colocar a ênfase nas aptidões de vida polivalente. Acima de tudo estará a capacidade de lidar com a mudança.”

Eis-nos chegados ao que dificilmente se fará: perceber que, mais do que ensinar que um ácido e uma base dão um sal e água, ou mesmo quem era o pai de D. Sancho I, o núcleo do conhecimento terá de caminhar para o ensino das novas tecnologias, dos seus proveitos e dos seus perigos. A questão não é proibir telemóveis, é ensinar a usá-los, é explicar truques e técnicas que nos defendam das artimanhas. É fazer destas matérias verdadeiras e exigentes áreas de ensino.

Há coisas simples de explicar: numa fotografia gerada pela IA é usual que as sombras não batam certo, assim como a iluminação dos objetos. Ensinar a ser crítico, com a importância e o empenho com que se ensina a ler.

Ou corremos o risco de termos académicos a gritar que vem aí o lobo, quando já está no meio do rebanho e só não queremos vê-lo.

Chegamos sempre tarde.