Foi o primeiro doutorado em Design pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto, escola onde se formou e dá aulas há 38 anos. Eduardo Aires, 61 anos, estranhou a cidade quando a viu pela primeira, mas hoje tornou-se ponto assente na sua vida. O ponto com que redesenhou a imagem gráfica do Porto, há dez anos, e que lhe mereceu o reconhecimento internacional. Trabalhou para diferentes forças partidárias e sentiu na pele como o Design pode ser uma arma de arremesso político. Violenta, como viu acontecer nas últimas eleições legislativas, com o designer a ser alvo de ataques inflamados e, inclusive, de ameaças de morte, pela renovação do símbolo da República Portuguesa. Aires recusa qualquer desrespeito pela bandeira portuguesa e, em contrapartida, clama por um maior respeito pela classe. Critica, nomeadamente, o lançamento de um concurso aberto a todos os cidadãos para a criação da imagem do novo Passaporte Eletrónico Português, que classifica como “obsceno”.

Quis ser designer desde muito pequeno. Tinha a perceção do que era a profissão?
Não tinha perceção nenhuma, apenas sentia um apelo pelas questões das formas, do desenho, na altura nem sequer era das artes. Cresci na Alemanha Federal, os meus pais foram para lá, em 1972/73, para serem professores de Português. Estive lá quatro anos seguidos e depois vim fazer o liceu a Coimbra, donde eram os meus avós, mas passava lá muito tempo. Isso deu-me uma dinâmica de vida muito interessante, porque me incutiu desde cedo um sentido de liberdade, mobilidade e, ao mesmo tempo, um enriquecimento cultural e visual.
Lembra-se quando expressou, pela primeira vez, essa vontade?
Foi quando escolhi a vertente artística no liceu, aí disse claramente que queria ser designer. Tive o apoio inequívoco dos meus pais, sem qualquer entrave, e fui alimentando esta ideia. Recordo-me de estar em casa de um amigo, na adolescência, e a mãe dele perguntar-me do que ia viver. Essa pergunta ficou guardada no disco duro.
Recorda-se da sua resposta?
Fiquei embaraçado. Em certa medida, senti-me triste ou um bocadinho magoado, porque estava a menosprezar ou a desconfiar de uma coisa que ambicionava e gostava tanto, não é? Certo é que no liceu tive professores que me ajudaram bastante e alimentaram este meu gosto pelo design.
Mas esse contacto com as artes e com o ensino artístico já vem da Alemanha?
Já, porque fiz todo o ensino primário, até ao liceu, no regime alemão, onde já havia a convivência de todas as áreas. Tínhamos aulas de Geografia, de História, de Matemática, de Teatro, de Música… era uma orgânica completamente diferente. O mais importante é que me habituei desde muito cedo a um modo de vida que funcionava.
Guarda em si um pouco dessa educação alemã?
Guardo. Embora goste muito da Alemanha, de apreciar a ordem, também me sinto latino e do Sul da Europa. Gosto do pulsar da vida e do não programado. O Excel é bom, mas eu não consigo viver pelo Excel. Associo muito isto à forma como projeto. Gosto muito de começar pela emoção, pelo desenho, e a procura da forma é a transmissão daquilo que, em primeira instância, é a minha ordem de pensamento. Mas depois a prática do design, a própria disciplina, leva-nos à razão, à lógica. Posso agradecer o facto de ter estes pilares na Alemanha, ajudam-me a sistematizar aquilo que sou. A minha mulher acusa-me de ser formalista, no sentido em que procuro a forma, depois é que procuro o pensamento. Quase que parece um paradoxo em relação àquilo que disse, mas é verdade, procuro sempre a forma, mesmo através do desenho, mesmo através da emoção.
Como foi a vinda para Portugal?
Houve um choque?
Não, porque nunca cortei raízes. Sempre tive um sentido de responsabilidade, desde muito jovem, dado que tinha de estar atento à gestão da casa. Onde senti um choque foi quando vim para o Porto, curiosamente. Apesar de ter esta miscelânea de influências, estava habituado a grandes metrópoles. Quando cheguei ao Porto, na primeira vez, num autocarro da Rodoviária Nacional, fiquei impressionado porque vi um conjunto de ovelhas junto à Muralha Fernandina. Só mais tarde, uma tia minha ligada às análises clínicas, disse-me: “Eduardo, isso são as ovelhas do [Instituto Nacional de Saúde] Ricardo Jorge para fazerem testes químicos.” Guardo memórias de um Porto um bocado triste e sombrio. Obrigou-me muito ao recato. Passei a desenhar muito mais, a ficar em casa.
Como era o curso de Design naquela altura?
Entrei em 1982. Pertenço à segunda ou terceira fornada de alunos. Na nossa turma, éramos nove estudantes. Fui encontrar um ambiente pós-revolucionário. Começámos logo com uma greve, as aulas só começaram em fevereiro. Era um curso que tinha professores incríveis, ligados à escultura, à pintura, à arquitetura, ao design, e isso fez-me interessar por muitas matérias. É por isso que defino o meu atelier como multidisciplinar. Tanto fazemos moedas de euro como trabalhamos com o teatro, tanto desenhamos cidades como hotéis. Esta transversalidade temática é muito grande. Porquê? Porque dessa formação recebia motivações muito grandes. Sou amigo do Eduardo Souto de Moura, estive muitas vezes a almoçar com ele, com o Siza [Vieira], com o Roberto Carneiro, com o professor Dario Alves… Eu era o benjamim. Comecei muito cedo a dar aulas, logo depois de ter acabado o curso, e era convidado para almoçar e estava lá no cantinho a ouvir, fascinado. Tomava notas e depois ia encomendar as revistas de que falavam. Conheci também o Fernando Távora, cheguei a viajar com ele, quer dizer, fui absorvendo muita informação complementar ao Design, o que tornou a minha cultura visual muito abrangente. E isso foi fantástico. Agudizou a minha inquietude e a minha curiosidade.
Hoje, o curso não tem nada que ver com esse ambiente?
Nada, para o bem e para o mal. Para o mal, porque deixou de ser multidisciplinar, perdeu-se esta convivência e esta capacidade de podermos filtrar e absorver o que realmente queremos. Para o bem, porque o design em si evoluiu enquanto ciência. Sou há 38 anos professor associado da Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto. Sou o primeiro doutorado em Design pela Universidade do Porto. Ganhei experiência profissional porque sempre tive atelier paralelo. Mas tenho a minha experiência académica, pedagógica, científica, e o design ganhou espessura, massa crítica. Falo dos anos 80 não é com nostalgia, é como facto histórico.
Como era ser designer naquele tempo?
Era muito especial. Nessa altura, a técnica que chegava a Portugal era um bocadinho tardia, estava a bombar a fotocomposição, uma técnica de compor texto. Funcionava já com um computador, mas era tudo por código, tudo programado e depois saía uma tripinha com o texto fotográfico, branco e preto. O resto era tudo à mão, tanto é que existia uma profissão complementar, de arte finalista, que preparava o projeto do designer, tal como os desenhadores fazem para os arquitetos.
Como foi desenvolvendo o seu processo criativo?
Houve uma maturidade no próprio processo. Hoje, consigo focar com mais lucidez, tiro partido desta questão de ser professor e designer. A densidade de informação que recebi ao longo da vida permite-me chegar a modelos mais eficazes. A minha cultura visual aumentou exponencialmente. Conheci o arquiteto italiano Aldo Rossi, através do Souto Moura e do Siza Vieira, e ao fim de 20 anos dei conta de que me influenciou muito pela sua forma do desenho, pela sua forma de expressar o projeto. Todas estas pequenas referências contam.
Como a cafeteira que usa todos os dias…
Comprava a cafeteira La Conica e não sabia que era do Aldo Rossi. Mais tarde, descobri que era uma variação do Teatro del Mundo, que o arquiteto concebeu para Veneza. Isto é incrível. Ao longo dos anos, fui agudizando a metodologia processual. Hoje, não tenho o pânico da folha em branco. É estar atento ao briefing e depois é no território que se encontram respostas. Esta equação é fácil de perceber, mas é muito difícil de pôr em prática. A maior parte dos designers trabalha para os outros designers. Esquecem-se desta mensagem do território, de quem é o dono da obra, de quem faz o programa de encomenda e, então, muitas vezes, olham para o lado para querer impressionar os pares.
Com o símbolo da República foi entregue uma fonte que podia ser declinada em 250 línguas, licenciada para o Estado português como instrumento de reconhecimento dos documentos do Estado. Está a ser usada no Instagram como uma salada russa
Trabalha para o cliente, para o programa.
Essa é a grande diferença entre o design e a arte, não é? É porque nós temos um programa. Falamos em nós, não eu. No design respondemos a um briefing, a um dono da obra. Há uma localização, há um território, há um conjunto de fatores que nos leva a ter em conta essa resposta. E essa capacidade de responder é determinante.
Não é a escala que o atrai?
Não, de todo. Há projetos singulares, pequeníssimos, que são maravilhosos. E há outros projetos de grande escala que, obviamente, quando a complexidade é muito grande, ainda são mais atraentes. No momento em que dizem que “não é possível” é quando despertam em mim um interesse especial por esse mesmo projeto.
Lembra-se qual foi o projeto que mais o surpreendeu?
É sempre o último projeto que me surpreende mais. Lançamos a imagem de um grande projeto do grupo DST em Braga, em Munique, na feira BAU, chamado Lyrical Design Windows. Um projeto gigante, um investimento de 18 milhões de euros, cuja fábrica é projetada pelo Eduardo Souto Moura. Fizemos direção da arte e fotografia, naming, imagem, tudo. Estamos a vivê-lo à flor da pele. São projetos complexos, duram dois anos, são ciclos longos no design. Isso é difícil. É isso que, por exemplo, diferencia muito o design da arquitetura e de outras atividades, porque temos projetos de ciclo curto, médio e longo prazo.
Há um projeto que marca o seu percurso, o da imagem do Porto. Resumir a cidade a um ponto foi um enorme risco?
Não. Fomos audazes. Metaforicamente, costumo referir a questão como ligada às infraestruturas. Construímos e apresentámos metade da ponte e a equipa do presidente Rui Moreira conseguiu construir o outro lado da ponte, para fecharmos a travessia do rio.
Do outro lado, houve a mesma audácia?
Houve, isto só foi possível fruto destas duas grandes vontades. Repare, é uma marca com dez anos, não é? Estabelece aquilo que é fundamental num projeto de design, que é haver tempo e confiança naquilo que fazemos.

Já tem falado na apropriação desta marca. Até por aqueles que a usam para protestar.
Quando vejo essas situações a acontecer, vejo-as como um elogio. Se a marca serve para protestar, quer dizer que esta marca é tão boa que eu também a vou usar para protestar… isso é o melhor sinal. É por isso que também é tatuada na pele de muitas pessoas. Isto é o maior sentimento de pertença, o quererem levar esta marca para sempre. Isto é brutal. Quando copiam, é fantástico. Aconteceu-me muitas vezes na vida ser copiado e é um processo natural, porque o design em si mesmo é um processo de síntese. Quando sintetizamos estas camadas todas que temos, provavelmente vamos desaguar a lugares onde outros já estiveram. Pode acontecer a mim também, não é? Inconscientemente. Por isso relativizo, não sofro.
As marcas não são eternas e temos o mandato do Rui Moreira quase a terminar. Teme que esta marca seja abandonada pelo próximo executivo do Porto?
Não me preocupa absolutamente nada. As marcas têm uma vida, são uma entidade que é colocada à disposição da esfera pública. Depois, salvo constrangimentos anómalos ou decisões imprevistas, é que esse ser não cumpre a sua vida. Não estou minimamente preocupado em saber se a marca vai acabar. Está a seguir o seu percurso, hoje é uma marca adulta, com dez anos. Continuamos a receber convites para a apresentar em todo o mundo. Isso é um sinal de vigor e de atualidade.
A cidade do Porto também acabou por se entranhar em si, tornou-se ponto.Sim, passei daquela imagem imberbe das ovelhas, de um Porto estranho e cinzento, para uma admiração profunda por esta cidade e pelas suas pessoas. Ao fim de 40 e tal anos aqui a viver, aprendi a ser do Porto, aprendi a gostar muito da sua escala. Aprendi a gostar muito da sua orografia. Aprendi a gostar da sua relação com a água. Aprendi a gostar de ser portuense e de perceber o caráter dos portuenses. Porque as cidades têm almas e primeiro que uma pessoa perceba e entenda a alma do Porto é preciso tempo. Por isso, Porto, ponto. No Porto, se gostarmos um do outro, convidamos logo para jantar ou para ficar, não é? Abrimos as portas e é isto o reflexo da alma da cidade. E, portanto, deixei que a alma da cidade entrasse também na minha.
Temos de falar do símbolo da República. Um dos primeiros atos do atual Governo foi aboli-lo. Estava à espera desta repercussão?
Não estava à espera, nem pouco mais ou menos. Esta marca viveu oito meses na comunicação social, nas conferências de imprensa, atravessou as Jornada Mundial de Juventude em múltiplos suportes. É em novembro [durante a campanha para as legislativas] que, de repente, a questão vira assunto.
Considera que houve um aproveitamento político da questão?
É mais do que sabido. Hoje, com um olhar mais cristalino, mais depurado, só consigo entender determinadas posições por um calor político. Foram proferidas acusações, comentários e análises completamente descabidas, que revelam um desconhecimento da natureza do próprio projeto. Ninguém chega a uma empresa, como presidente do conselho de administração e anuncia aos seus colaboradores que a empresa vai mudar de imagem. Isto distorce, confunde, perturba, altera, permite múltiplas interpretações. Portanto, também aí foi uma surpresa. Não admito que avaliem o meu grau de patriotismo pelo trabalho que faço. Apenas respondi a uma encomenda. Não faz qualquer sentido. Amo o meu país, honro a minha bandeira. E o que aconteceu não tem nada que ver com o projeto que executei.
Passei de um Porto estranho e cinzento para uma admiração profunda por esta cidade e pelas suas pessoas. Ao fim de 40 e tal anos aqui a viver, aprendi a ser do Porto e a gostar muito da sua escala
Por detrás da aparente simplicidade do símbolo, escondiam-se requisitos muito complexos a que tinha de obedecer?
Claro, estamos a falar de um projeto que demorou mais de um ano a ser feito, por uma equipa entre sete a dez designers, que respondia a um briefing muito específico, otimizado para questões do digital. Isto não é uma questão leviana. Com o projeto foi entregue uma fonte que podia ser declinada em 250 línguas, licenciada para o Estado português, de utilização livre, como instrumento de reconhecimento dos documentos do Estado. Neste momento, está a ser usada no Instagram como uma salada russa. Onde há misturas de coisas sem nexo absolutamente nenhum. Foi feita tábua rasa de um investimento que, sinceramente, não percebo. E, sobretudo, houve um desrespeito para com o autor, pelo menos podiam ter-me ouvido. A decisão podia ter sido a mesma, mas, sob o ponto de vista ético, era interessante.
O facto deste projeto ter sido premiado mais tarde, apaziguou aquilo que aconteceu?
Não se trata de apaziguamento. Quando fui convidado a fazer esse trabalho como designer, como homem, como português, tentei dar o meu melhor, quis servir o meu país. Nunca quis minorar a perspetiva do que era um país, porque isto é um projeto que visa operacionalizar o trabalho e o contacto do governo com os cidadãos. Não é uma bandeira.
Houve, de facto, essa confusão da imagem do governo com a bandeira…
Isso é uma coisa obtusa. Aos comentários de sarjeta das redes sociais, não ligo nenhuma. Agora, os muitos comentaristas que opinam desde ogivas nucleares até ao design, passando por questões ligadas às finanças, esquecem-se da formação que damos aos designers, esquecem-se do Design enquanto disciplina. Sou professor, formo e ajudo a formar estudantes. E vêm pessoas com achismos e fazem tábua rasa disso. Isso é inacreditável, porque têm tempo de antena. Quando veem este reconhecimento do projeto, sobretudo, além-fronteiras, isto só prova que foi bem executado, faz sentido aos nossos olhos e aos olhos dos outros, porque é avaliado entre pares. Este trabalho já foi premiado quatro vezes. E, mais do que os prémios, é aquilo que o tópico suscita. Em fevereiro, fui a Madrid fazer uma conferência e sabe qual era o título? “Esto no es una bandera.” Depois fui à Croácia, fui a Bilbau, a Istambul… em abril, se tudo correr bem, vou ao México. Agora, pergunto: isto não é o reconhecimento global do próprio projeto?

Tornou-se uma bandeira de qualquer coisa?
Sim. O arquiteto Siza Vieira diz-me assim: “É polémico, porque é muito interessante. Se fosse uma banalidade, ninguém comentava.” Lá fora é premiado, as pessoas aqui fazem um bocadinho de orelhas moucas e não ligam. O que é certo é que suscita curiosidade. As pessoas querem, citam-nos, sou convidado para fazer conferências… se isto me apazigua? Apenas me permite sentir que tenho a consciência tranquila e que fiz um projeto bem pensado.
O briefing dizia que a identidade visual tinha de ser “inclusiva, plural e laica”?
Não, nunca me pediram isso. Nós é que entendemos que a resposta tinha de ser inclusiva, plural e também laica, ou seja, estávamos a replicar o que diz a Constituição. Não estávamos a inventar nada. A polémica até nasce por fuga de um documento que estava a ser discutido internamente. E alguém se apropriou desse documento e passou essa informação. Em momento algum foi o nosso propósito de trabalhar nessa orientação que as pessoas tanto pegam.
O mais inacreditável neste processo foi ter recebido ameaças de morte…
Sim, isso vai para lá do que é racional. Mas encaminhei isso para as entidades competentes, para a judiciária e para os advogados.
E teve resultados?
Teve, bastou que esta informação chegasse à imprensa. As ameaças continuam. De vez em quando, ainda cai uma crítica, mas não são as ameaças muito violentas que ocorreram na altura. Mas sabe uma coisa curiosa que se passou? Estava em Serralves, por ocasião da exposição sobre os dispositivos visuais do 25 de Abril, a ouvir o discurso de circunstância do Luís Montenegro, relacionado com a Cultura e o próprio evento. Qual foi o meu espanto quando ele diz que, na Cultura e nas artes plásticas, temos de ser ousados. Ouvi ali o briefing que tinha recebido.
Recebeu ameaças de morte, mas também teve petições a defenderem o seu trabalho.
Tivemos muitas manifestações de apoio, que compensaram em larga escala todas as ameaças. Tivemos pessoas de diversos quadrantes a defender-nos. Isto também gerou um movimento de classe. O sentido de apropriação da marca foi fabuloso. Campanha da Ikea, brincos, t-shirts… Até estamos aí a colecionar as imagens, porque é sinal que as pessoas se reveem e afinal dizem “isto funciona”. Porque, quando dizem que podia ser feito no Paint em menos de cinco minutos, dou-lhes exemplos de outras marcas: os arcos dos Jogos Olímpicos… para o símbolo da Audi, então, bastava um minuto. Isso é um elogio, porque as marcas são poderosas.
Aliás, costuma dizer que o design é um exercício de síntese…
O que interessa é a sua pregnância, a capacidade de memorizar a forma, de a transformar em algo memorável. É preciso sintetizar, processar toda a informação que temos para chegarmos a um resultado que toda a gente entenda. É por isso que se pretende plural.
Aconteceu-me muitas vezes ser copiado e é um processo natural, porque o design em si mesmo é um processo de síntese. E, quando sintetizamos, vamos desaguar a lugares onde outros já estiveram
Há uma confusão entre minimalismo e primarismo?
Completamente, as pessoas avaliam isto pela ótica do primarismo e, na verdade, é um processo de refinamento. Há dias, tirei uma nota muito interessante, de Peter Zumthor, um arquiteto suíço, que diz: “Minimalismo é a redução ao essencial.”
Já tem falado da falta de respeito pelo trabalho dos designers. O que falta para defender a classe?
Falta regulação. Mas a regulação, sem apoio do poder político, não vai a lado nenhum. Não é só a nossa capacidade associativa que alimenta essa regulação. Um órgão regulador faria frente ao concurso do passaporte, seria logo a primeira entidade a questionar esse processo. Há falta de classe neste convite caricato.
Este concurso é atentatório para a classe?
Em Portugal, onde o design está estabelecido em termos académicos e profissionais, como é possível abrir um concurso para todos os cidadãos? Isto é obsceno. Qualquer pessoa pode entrar na disciplina, é muito fácil. O mais estranho é como há colegas meus que aceitam fazer parte deste tipo de concurso. São tiros nos pés. Há incoerências brutais no regulamento do concurso. Os tetos máximos são 75 mil euros. Para um passaporte, cuja produção é das coisas mais sofisticadas que existem. Contactámos a equipa que fez o passaporte norueguês e trabalharam durante anos no projeto. Eu pergunto: o que é feito do investimento no ensino qualificado do design? Para que é que isso vale, quando qualquer cidadão pode concorrer a este concurso?
A classe dos designers tem culpa na maneira como é vista?
Não temos tido a capacidade de nos agregarmos. No passado, houve a Associação Portuguesa de Designers, houve o Centro Português de Design, mas nem assim se conseguiu dar o passo em frente. Ainda não existe uma certa consciência de classe.
Diz que não trabalha para os prémios, mas com certeza que estes lhe trazem grande gratificação…
Nunca penso nos prémios. Quanto mais prémios tenho, mais humilde sou. Aos 61 anos, só faço projetos com os quais me sinto identificado. Sabe qual é o lema do meu estúdio? Primeiro, temos de procurar o nosso próprio deslumbramento em relação ao projeto; depois de o sentirmos, de certeza que ele vai, sucedaneamente, também produzir esse deslumbramento no dono da obra, no programa de encomenda. Não rejo a minha vida pela quantidade de prémios.
Imagens de marca
Pela projeção que tiveram, são dois dos projetos mais reconhecíveis de Eduardo Aires
Encomendada pelo anterior governo, a nova imagem da República Portuguesa circulava há meses quando, durante a campanha para as últimas legislativas, começou a ser contestada pelos partidos de direita (CDS, Chega e PSD). Às críticas pela simplicidade, acrescentou-se a indignação, em discursos acalorados, pelo facto de desaparecerem os símbolos da bandeira portuguesa, como se estivesse em causa o seu redesenho. Mal tomou posse, uma das primeiras medidas do governo de Luís Montenegro foi regressar à anterior imagem da República Portuguesa. A polémica valeu-lhe ameaças de morte, mas também petições públicas de apoio e prémios nacionais e internacionais.
A identidade visual da cidade do Porto comemorou o 10º aniversário em 2024. O resumo gráfico a um ponto, em representação da sua essência afirmativa, acrescido de inúmeras imagens icónicas a azul e branco, alusivas aos painéis de azulejos que cobrem muitos dos seus edifícios, entranhou-se na população ao longo deste tempo. Mereceu ainda o reconhecimento dos seus pares, tendo sido galardoado com o prémio principal dos European Design Awards (ED-Awards), em 2015, o D&AD (Lápis 2014) e o i Graphis Design Award 2017, entre outros.