Foi o primeiro doutorado em Design pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto, escola onde se formou e dá aulas há 38 anos. Eduardo Aires, 61 anos, estranhou a cidade quando a viu pela primeira, mas hoje tornou-se ponto assente na sua vida. O ponto com que redesenhou a imagem gráfica do Porto, há dez anos, e que lhe mereceu o reconhecimento internacional. Trabalhou para diferentes forças partidárias e sentiu na pele como o Design pode ser uma arma de arremesso político. Violenta, como viu acontecer nas últimas eleições legislativas, com o designer a ser alvo de ataques inflamados e, inclusive, de ameaças de morte, pela renovação do símbolo da República Portuguesa. Aires recusa qualquer desrespeito pela bandeira portuguesa e, em contrapartida, clama por um maior respeito pela classe. Critica, nomeadamente, o lançamento de um concurso aberto a todos os cidadãos para a criação da imagem do novo Passaporte Eletrónico Português, que classifica como “obsceno”.

Gravada na pele No livro comemorativo dos dez anos da marca Porto. estão registadas algumas das suas apropriações, como tatuagens  

Quis ser designer desde muito pequeno. Tinha a perceção do que era a profissão?
Não tinha perceção nenhuma, apenas sentia um apelo pelas questões das formas, do desenho, na altura nem sequer era das artes. Cresci na Alemanha Federal, os meus pais foram para lá, em 1972/73, para serem professores de Português. Estive lá quatro anos seguidos e depois vim fazer o liceu a Coimbra, donde eram os meus avós, mas passava lá muito tempo. Isso deu-me uma dinâmica de vida muito interessante, porque me incutiu desde cedo um sentido de liberdade, mobilidade e, ao mesmo tempo, um enriquecimento cultural e visual.

Lembra-se quando expressou, pela primeira vez, essa vontade?
Foi quando escolhi a vertente artística no liceu, aí disse claramente que queria ser designer. Tive o apoio inequívoco dos meus pais, sem qualquer entrave, e fui alimentando esta ideia. Recordo-me de estar em casa de um amigo, na adolescência, e a mãe dele perguntar-me do que ia viver. Essa pergunta ficou guardada no disco duro.

Recorda-se da sua resposta?
Fiquei embaraçado. Em certa medida, senti-me triste ou um bocadinho magoado, porque estava a menosprezar ou a desconfiar de uma coisa que ambicionava e gostava tanto, não é? Certo é que no liceu tive professores que me ajudaram bastante e alimentaram este meu gosto pelo design.

Mas esse contacto com as artes e com o ensino artístico já vem da Alemanha?
Já, porque fiz todo o ensino primário, até ao liceu, no regime alemão, onde já havia a convivência de todas as áreas. Tínhamos aulas de Geografia, de História, de Matemática, de Teatro, de Música… era uma orgânica completamente diferente. O mais importante é que me habituei desde muito cedo a um modo de vida que funcionava.

Guarda em si um pouco dessa educação alemã?
Guardo. Embora goste muito da Alemanha, de apreciar a ordem, também me sinto latino e do Sul da Europa. Gosto do pulsar da vida e do não programado. O Excel é bom, mas eu não consigo viver pelo Excel. Associo muito isto à forma como projeto. Gosto muito de começar pela emoção, pelo desenho, e a procura da forma é a transmissão daquilo que, em primeira instância, é a minha ordem de pensamento. Mas depois a prática do design, a própria disciplina, leva-nos à razão, à lógica. Posso agradecer o facto de ter estes pilares na Alemanha, ajudam-me a sistematizar aquilo que sou. A minha mulher acusa-me de ser formalista, no sentido em que procuro a forma, depois é que procuro o pensamento. Quase que parece um paradoxo em relação àquilo que disse, mas é verdade, procuro sempre a forma, mesmo através do desenho, mesmo através da emoção.

Como foi a vinda para Portugal?
Houve um choque?

Não, porque nunca cortei raízes. Sempre tive um sentido de responsabilidade, desde muito jovem, dado que tinha de estar atento à gestão da casa. Onde senti um choque foi quando vim para o Porto, curiosamente. Apesar de ter esta miscelânea de influências, estava habituado a grandes metrópoles. Quando cheguei ao Porto, na primeira vez, num autocarro da Rodoviária Nacional, fiquei impressionado porque vi um conjunto de ovelhas junto à Muralha Fernandina. Só mais tarde, uma tia minha ligada às análises clínicas, disse-me: “Eduardo, isso são as ovelhas do [Instituto Nacional de Saúde] Ricardo Jorge para fazerem testes químicos.” Guardo memórias de um Porto um bocado triste e sombrio. Obrigou-me muito ao recato. Passei a desenhar muito mais, a ficar em casa.

Como era o curso de Design naquela altura?
Entrei em 1982. Pertenço à segunda ou terceira fornada de alunos. Na nossa turma, éramos nove estudantes. Fui encontrar um ambiente pós-revolucionário. Começámos logo com uma greve, as aulas só começaram em fevereiro. Era um curso que tinha professores incríveis, ligados à escultura, à pintura, à arquitetura, ao design, e isso fez-me interessar por muitas matérias. É por isso que defino o meu atelier como multidisciplinar. Tanto fazemos moedas de euro como trabalhamos com o teatro, tanto desenhamos cidades como hotéis. Esta transversalidade temática é muito grande. Porquê? Porque dessa formação recebia motivações muito grandes. Sou amigo do Eduardo Souto de Moura, estive muitas vezes a almoçar com ele, com o Siza [Vieira], com o Roberto Carneiro, com o professor Dario Alves… Eu era o benjamim. Comecei muito cedo a dar aulas, logo depois de ter acabado o curso, e era convidado para almoçar e estava lá no cantinho a ouvir, fascinado. Tomava notas e depois ia encomendar as revistas de que falavam. Conheci também o Fernando Távora, cheguei a viajar com ele, quer dizer, fui absorvendo muita informação complementar ao Design, o que tornou a minha cultura visual muito abrangente. E isso foi fantástico. Agudizou a minha inquietude e a minha curiosidade.

Hoje, o curso não tem nada que ver com esse ambiente?
Nada, para o bem e para o mal. Para o mal, porque deixou de ser multidisciplinar, perdeu-se esta convivência e esta capacidade de podermos filtrar e absorver o que realmente queremos. Para o bem, porque o design em si evoluiu enquanto ciência. Sou há 38 anos professor associado da Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto. Sou o primeiro doutorado em Design pela Universidade do Porto. Ganhei experiência profissional porque sempre tive atelier paralelo. Mas tenho a minha experiência académica, pedagógica, científica, e o design ganhou espessura, massa crítica. Falo dos anos 80 não é com nostalgia, é como facto histórico.

Como era ser designer naquele tempo?
Era muito especial. Nessa altura, a técnica que chegava a Portugal era um bocadinho tardia, estava a bombar a fotocomposição, uma técnica de compor texto. Funcionava já com um computador, mas era tudo por código, tudo programado e depois saía uma tripinha com o texto fotográfico, branco e preto. O resto era tudo à mão, tanto é que existia uma profissão complementar, de arte finalista, que preparava o projeto do designer, tal como os desenhadores fazem para os arquitetos.

Como foi desenvolvendo o seu processo criativo?
Houve uma maturidade no próprio processo. Hoje, consigo focar com mais lucidez, tiro partido desta questão de ser professor e designer. A densidade de informação que recebi ao longo da vida permite-me chegar a modelos mais eficazes. A minha cultura visual aumentou exponencialmente. Conheci o arquiteto italiano Aldo Rossi, através do Souto Moura e do Siza Vieira, e ao fim de 20 anos dei conta de que me influenciou muito pela sua forma do desenho, pela sua forma de expressar o projeto. Todas estas pequenas referências contam.

Como a cafeteira que usa todos os dias…
Comprava a cafeteira La Conica e não sabia que era do Aldo Rossi. Mais tarde, descobri que era uma variação do Teatro del Mundo, que o arquiteto concebeu para Veneza. Isto é incrível. Ao longo dos anos, fui agudizando a metodologia processual. Hoje, não tenho o pânico da folha em branco. É estar atento ao briefing e depois é no território que se encontram respostas. Esta equação é fácil de perceber, mas é muito difícil de pôr em prática. A maior parte dos designers trabalha para os outros designers. Esquecem-se desta mensagem do território, de quem é o dono da obra, de quem faz o programa de encomenda e, então, muitas vezes, olham para o lado para querer impressionar os pares.

Com o símbolo da República foi entregue uma fonte que podia ser declinada em 250 línguas, licenciada para o Estado português como instrumento de reconhecimento dos documentos do Estado. Está a ser usada no Instagram como uma salada russa

Trabalha para o cliente, para o programa.
Essa é a grande diferença entre o design e a arte, não é? É porque nós temos um programa. Falamos em nós, não eu. No design respondemos a um briefing, a um dono da obra. Há uma localização, há um território, há um conjunto de fatores que nos leva a ter em conta essa resposta. E essa capacidade de responder é determinante.

Não é a escala que o atrai?
Não, de todo. Há projetos singulares, pequeníssimos, que são maravilhosos. E há outros projetos de grande escala que, obviamente, quando a complexidade é muito grande, ainda são mais atraentes. No momento em que dizem que “não é possível” é quando despertam em mim um interesse especial por esse mesmo projeto.

Lembra-se qual foi o projeto que mais o surpreendeu?
É sempre o último projeto que me surpreende mais. Lançamos a imagem de um grande projeto do grupo DST em Braga, em Munique, na feira BAU, chamado Lyrical Design Windows. Um projeto gigante, um investimento de 18 milhões de euros, cuja fábrica é projetada pelo Eduardo Souto Moura. Fizemos direção da arte e fotografia, naming, imagem, tudo. Estamos a vivê-lo à flor da pele. São projetos complexos, duram dois anos, são ciclos longos no design. Isso é difícil. É isso que, por exemplo, diferencia muito o design da arquitetura e de outras atividades, porque temos projetos de ciclo curto, médio e longo prazo.

Há um projeto que marca o seu percurso, o da imagem do Porto. Resumir a cidade a um ponto foi um enorme risco?
Não. Fomos audazes. Metaforicamente, costumo referir a questão como ligada às infraestruturas. Construímos e apresentámos metade da ponte e a equipa do presidente Rui Moreira conseguiu construir o outro lado da ponte, para fecharmos a travessia do rio.

Do outro lado, houve a mesma audácia?
Houve, isto só foi possível fruto destas duas grandes vontades. Repare, é uma marca com dez anos, não é? Estabelece aquilo que é fundamental num projeto de design, que é haver tempo e confiança naquilo que fazemos.

Studio Eduardo Aires Do portefólio fazem parte, além do símbolo da República, a identidade visual do Bolhão, edições recentes dos vinhos Esporão, uma coleção de clássicos da Livraria Lello e a imagem gráfica da cidade do Porto

Já tem falado na apropriação desta marca. Até por aqueles que a usam para protestar.
Quando vejo essas situações a acontecer, vejo-as como um elogio. Se a marca serve para protestar, quer dizer que esta marca é tão boa que eu também a vou usar para protestar… isso é o melhor sinal. É por isso que também é tatuada na pele de muitas pessoas. Isto é o maior sentimento de pertença, o quererem levar esta marca para sempre. Isto é brutal. Quando copiam, é fantástico. Aconteceu-me muitas vezes na vida ser copiado e é um processo natural, porque o design em si mesmo é um processo de síntese. Quando sintetizamos estas camadas todas que temos, provavelmente vamos desaguar a lugares onde outros já estiveram. Pode acontecer a mim também, não é? Inconscientemente. Por isso relativizo, não sofro.

As marcas não são eternas e temos o mandato do Rui Moreira quase a terminar. Teme que esta marca seja abandonada pelo próximo executivo do Porto?
Não me preocupa absolutamente nada. As marcas têm uma vida, são uma entidade que é colocada à disposição da esfera pública. Depois, salvo constrangimentos anómalos ou decisões imprevistas, é que esse ser não cumpre a sua vida. Não estou minimamente preocupado em saber se a marca vai acabar. Está a seguir o seu percurso, hoje é uma marca adulta, com dez anos. Continuamos a receber convites para a apresentar em todo o mundo. Isso é um sinal de vigor e de atualidade.

A cidade do Porto também acabou por se entranhar em si, tornou-se ponto.Sim, passei daquela imagem imberbe das ovelhas, de um Porto estranho e cinzento, para uma admiração profunda por esta cidade e pelas suas pessoas. Ao fim de 40 e tal anos aqui a viver, aprendi a ser do Porto, aprendi a gostar muito da sua escala. Aprendi a gostar muito da sua orografia. Aprendi a gostar da sua relação com a água. Aprendi a gostar de ser portuense e de perceber o caráter dos portuenses. Porque as cidades têm almas e primeiro que uma pessoa perceba e entenda a alma do Porto é preciso tempo. Por isso, Porto, ponto. No Porto, se gostarmos um do outro, convidamos logo para jantar ou para ficar, não é? Abrimos as portas e é isto o reflexo da alma da cidade. E, portanto, deixei que a alma da cidade entrasse também na minha.

Temos de falar do símbolo da República. Um dos primeiros atos do atual Governo foi aboli-lo. Estava à espera desta repercussão?
Não estava à espera, nem pouco mais ou menos. Esta marca viveu oito meses na comunicação social, nas conferências de imprensa, atravessou as Jornada Mundial de Juventude em múltiplos suportes. É em novembro [durante a campanha para as legislativas] que, de repente, a questão vira assunto.

Considera que houve um aproveitamento político da questão?
É mais do que sabido. Hoje, com um olhar mais cristalino, mais depurado, só consigo entender determinadas posições por um calor político. Foram proferidas acusações, comentários e análises completamente descabidas, que revelam um desconhecimento da natureza do próprio projeto. Ninguém chega a uma empresa, como presidente do conselho de administração e anuncia aos seus colaboradores que a empresa vai mudar de imagem. Isto distorce, confunde, perturba, altera, permite múltiplas interpretações. Portanto, também aí foi uma surpresa. Não admito que avaliem o meu grau de patriotismo pelo trabalho que faço. Apenas respondi a uma encomenda. Não faz qualquer sentido. Amo o meu país, honro a minha bandeira. E o que aconteceu não tem nada que ver com o projeto que executei.

Passei de um Porto estranho e cinzento para uma admiração profunda por esta cidade e pelas suas pessoas. Ao fim de 40 e tal anos aqui a viver, aprendi a ser do Porto e a gostar muito da sua escala

Por detrás da aparente simplicidade do símbolo, escondiam-se requisitos muito complexos a que tinha de obedecer?
Claro, estamos a falar de um projeto que demorou mais de um ano a ser feito, por uma equipa entre sete a dez designers, que respondia a um briefing muito específico, otimizado para questões do digital. Isto não é uma questão leviana. Com o projeto foi entregue uma fonte que podia ser declinada em 250 línguas, licenciada para o Estado português, de utilização livre, como instrumento de reconhecimento dos documentos do Estado. Neste momento, está a ser usada no Instagram como uma salada russa. Onde há misturas de coisas sem nexo absolutamente nenhum. Foi feita tábua rasa de um investimento que, sinceramente, não percebo. E, sobretudo, houve um desrespeito para com o autor, pelo menos podiam ter-me ouvido. A decisão podia ter sido a mesma, mas, sob o ponto de vista ético, era interessante.

O facto deste projeto ter sido premiado mais tarde, apaziguou aquilo que aconteceu?
Não se trata de apaziguamento. Quando fui convidado a fazer esse trabalho como designer, como homem, como português, tentei dar o meu melhor, quis servir o meu país. Nunca quis minorar a perspetiva do que era um país, porque isto é um projeto que visa operacionalizar o trabalho e o contacto do governo com os cidadãos. Não é uma bandeira.

Houve, de facto, essa confusão da imagem do governo com a bandeira…
Isso é uma coisa obtusa. Aos comentários de sarjeta das redes sociais, não ligo nenhuma. Agora, os muitos comentaristas que opinam desde ogivas nucleares até ao design, passando por questões ligadas às finanças, esquecem-se da formação que damos aos designers, esquecem-se do Design enquanto disciplina. Sou professor, formo e ajudo a formar estudantes. E vêm pessoas com achismos e fazem tábua rasa disso. Isso é inacreditável, porque têm tempo de antena. Quando veem este reconhecimento do projeto, sobretudo, além-fronteiras, isto só prova que foi bem executado, faz sentido aos nossos olhos e aos olhos dos outros, porque é avaliado entre pares. Este trabalho já foi premiado quatro vezes. E, mais do que os prémios, é aquilo que o tópico suscita. Em fevereiro, fui a Madrid fazer uma conferência e sabe qual era o título? “Esto no es una bandera.” Depois fui à Croácia, fui a Bilbau, a Istambul… em abril, se tudo correr bem, vou ao México. Agora, pergunto: isto não é o reconhecimento global do próprio projeto?

Estúdio-refúgio Da adaptação de uma antiga fábrica, discretamente instalada no Porto, nasceu o estúdio de Eduardo Aires, onde não falta um jardim interior

Tornou-se uma bandeira de qualquer coisa?
Sim. O arquiteto Siza Vieira diz-me assim: “É polémico, porque é muito interessante. Se fosse uma banalidade, ninguém comentava.” Lá fora é premiado, as pessoas aqui fazem um bocadinho de orelhas moucas e não ligam. O que é certo é que suscita curiosidade. As pessoas querem, citam-nos, sou convidado para fazer conferências… se isto me apazigua? Apenas me permite sentir que tenho a consciência tranquila e que fiz um projeto bem pensado.

O briefing dizia que a identidade visual tinha de ser “inclusiva, plural e laica”?
Não, nunca me pediram isso. Nós é que entendemos que a resposta tinha de ser inclusiva, plural e também laica, ou seja, estávamos a replicar o que diz a Constituição. Não estávamos a inventar nada. A polémica até nasce por fuga de um documento que estava a ser discutido internamente. E alguém se apropriou desse documento e passou essa informação. Em momento algum foi o nosso propósito de trabalhar nessa orientação que as pessoas tanto pegam.

O mais inacreditável neste processo foi ter recebido ameaças de morte…
Sim, isso vai para lá do que é racional. Mas encaminhei isso para as entidades competentes, para a judiciária e para os advogados.

E teve resultados?
Teve, bastou que esta informação chegasse à imprensa. As ameaças continuam. De vez em quando, ainda cai uma crítica, mas não são as ameaças muito violentas que ocorreram na altura. Mas sabe uma coisa curiosa que se passou? Estava em Serralves, por ocasião da exposição sobre os dispositivos visuais do 25 de Abril, a ouvir o discurso de circunstância do Luís Montenegro, relacionado com a Cultura e o próprio evento. Qual foi o meu espanto quando ele diz que, na Cultura e nas artes plásticas, temos de ser ousados. Ouvi ali o briefing que tinha recebido.

Recebeu ameaças de morte, mas também teve petições a defenderem o seu trabalho.
Tivemos muitas manifestações de apoio, que compensaram em larga escala todas as ameaças. Tivemos pessoas de diversos quadrantes a defender-nos. Isto também gerou um movimento de classe. O sentido de apropriação da marca foi fabuloso. Campanha da Ikea, brincos, t-shirts… Até estamos aí a colecionar as imagens, porque é sinal que as pessoas se reveem e afinal dizem “isto funciona”. Porque, quando dizem que podia ser feito no Paint em menos de cinco minutos, dou-lhes exemplos de outras marcas: os arcos dos Jogos Olímpicos… para o símbolo da Audi, então, bastava um minuto. Isso é um elogio, porque as marcas são poderosas.

Aliás, costuma dizer que o design é um exercício de síntese…
O que interessa é a sua pregnância, a capacidade de memorizar a forma, de a transformar em algo memorável. É preciso sintetizar, processar toda a informação que temos para chegarmos a um resultado que toda a gente entenda. É por isso que se pretende plural.

Aconteceu-me muitas vezes ser copiado e é um processo natural, porque o design em si mesmo é um processo de síntese. E, quando sintetizamos, vamos desaguar a lugares onde outros já estiveram

Há uma confusão entre minimalismo e primarismo?
Completamente, as pessoas avaliam isto pela ótica do primarismo e, na verdade, é um processo de refinamento. Há dias, tirei uma nota muito interessante, de Peter Zumthor, um arquiteto suíço, que diz: “Minimalismo é a redução ao essencial.”

Já tem falado da falta de respeito pelo trabalho dos designers. O que falta para defender a classe?
Falta regulação. Mas a regulação, sem apoio do poder político, não vai a lado nenhum. Não é só a nossa capacidade associativa que alimenta essa regulação. Um órgão regulador faria frente ao concurso do passaporte, seria logo a primeira entidade a questionar esse processo. Há falta de classe neste convite caricato.

Este concurso é atentatório para a classe?
Em Portugal, onde o design está estabelecido em termos académicos e profissionais, como é possível abrir um concurso para todos os cidadãos? Isto é obsceno. Qualquer pessoa pode entrar na disciplina, é muito fácil. O mais estranho é como há colegas meus que aceitam fazer parte deste tipo de concurso. São tiros nos pés. Há incoerências brutais no regulamento do concurso. Os tetos máximos são 75 mil euros. Para um passaporte, cuja produção é das coisas mais sofisticadas que existem. Contactámos a equipa que fez o passaporte norueguês e trabalharam durante anos no projeto. Eu pergunto: o que é feito do investimento no ensino qualificado do design? Para que é que isso vale, quando qualquer cidadão pode concorrer a este concurso?

A classe dos designers tem culpa na maneira como é vista?
Não temos tido a capacidade de nos agregarmos. No passado, houve a Associação Portuguesa de Designers, houve o Centro Português de Design, mas nem assim se conseguiu dar o passo em frente. Ainda não existe uma certa consciência de classe.

Diz que não trabalha para os prémios, mas com certeza que estes lhe trazem grande gratificação…
Nunca penso nos prémios. Quanto mais prémios tenho, mais humilde sou. Aos 61 anos, só faço projetos com os quais me sinto identificado. Sabe qual é o lema do meu estúdio? Primeiro, temos de procurar o nosso próprio deslumbramento em relação ao projeto; depois de o sentirmos, de certeza que ele vai, sucedaneamente, também produzir esse deslumbramento no dono da obra, no programa de encomenda. Não rejo a minha vida pela quantidade de prémios.

Imagens de marca

Pela projeção que tiveram, são dois dos projetos mais reconhecíveis de Eduardo Aires

Encomendada pelo anterior governo, a nova imagem da República Portuguesa circulava há meses quando, durante a campanha para as últimas legislativas, começou a ser contestada pelos partidos de direita (CDS, Chega e PSD). Às críticas pela simplicidade, acrescentou-se a indignação, em discursos acalorados, pelo facto de desaparecerem os símbolos da bandeira portuguesa, como se estivesse em causa o seu redesenho. Mal tomou posse, uma das primeiras medidas do governo de Luís Montenegro foi regressar à anterior imagem da República Portuguesa. A polémica valeu-lhe ameaças de morte, mas também petições públicas de apoio e prémios nacionais e internacionais.

A identidade visual da cidade do Porto comemorou o 10º aniversário em 2024. O resumo gráfico a um ponto, em representação da sua essência afirmativa, acrescido de inúmeras imagens icónicas a azul e branco, alusivas aos painéis de azulejos que cobrem muitos dos seus edifícios, entranhou-se na população ao longo deste tempo. Mereceu ainda o reconhecimento dos seus pares, tendo sido galardoado com o prémio principal dos European Design Awards (ED-Awards), em 2015, o D&AD (Lápis 2014) e o i Graphis Design Award 2017, entre outros.

Palavras-chave:

Quem anda à chuva molha-se, e quem anda nas estradas portuguesas arrisca-se. Os mais antigos lembrar-se-ão muito bem do anúncio televisivo dos anos 80 em que um lápis desgovernado seguia pela estrada até se despistar, como se fosse um carro guiado por alguém com excesso de álcool no sangue, inabilitado para a tarefa. A célebre campanha da Prevenção Rodoviária Nacional alertava então para o perigo de conduzir sob o efeito de bebidas alcoólicas, um flagelo que não desapareceu da rede viária nacional, mas que entretanto foi ultrapassado pelos excessos de velocidade, na escala dos maiores riscos para quem se cruza num alcatrão cada vez mais disputado.

“Já andei de bicicleta em quase todos os países da Europa e sei que Portugal está com um problema. Depois de muitos anos a dar importância ao álcool, e bem, não estamos a dar a devida importância à velocidade”, aponta Mário Alves, presidente da Estrada Viva, Liga de Associações pela Cidadania Rodoviária, Mobilidade Segura e Sustentável. “Culturalmente, estamos atrasados. Hoje, já não fica bem alguém dizer no fim do jantar que vai para casa com os copos, mas se calhar ainda se gaba de chegar ao Algarve em duas horas”, ilustra o também presidente da mesa da assembleia geral da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados.

Manifestações Ao longo dos anos, os ciclistas têm organizado várias ações de protesto para reivindicar mais segurança na estrada

Se há meio de transporte que dificilmente escapa a um forte impacto quando colide com um automóvel é a bicicleta, esse velocípede que tão depressa é o pesadelo dos aceleras como tão devagar (pelo menos por cá) se transforma numa alternativa saudável e amiga do ambiente nas deslocações citadinas. Num país com tradição no ciclismo de estrada, capaz de levar milhares para a rua quando passa a Volta a Portugal, e que mais recentemente se tornou o maior exportador de bicicletas da União Europeia, que medidas podem minimizar os danos e remendar esta convivência, aparentemente, destinada a vingar nas principais cidades do Velho Continente?

Estivesse nas mãos de Vera Diogo, e o limite de velocidade nas cidades já estaria nos 30 km/hora, seguindo o exemplo de Barcelona, Paris ou Bruxelas. “A próxima meta noutros países já são os 20 km/h e aqui ainda nem sequer há grande compreensão para adotarmos os 30 km/h”, lamenta a líder da MUBi, Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta, que à imagem do que também já se faz lá fora defende o condicionamento do trânsito motorizado junto às escolas, para que se criem “rotas seguras” e as crianças possam “desenvolver desde cedo hábitos de mobilidade ativa”.

A par da redução da velocidade máxima permitida nos centros urbanos, e porque “uma tabuleta não basta”, Vera reclama soluções de acalmia do trânsito, como lombas e semáforos, e uma fiscalização mais apertada, de forma a que “as pessoas comecem a pensar duas vezes antes de infringirem a velocidade”.

Mais utilizadores e mais acidentes

Mário Alves reforça a ideia, sublinhando a importância de as multas “chegarem depressa ao infrator”, mesmo que lhe pesem menos nos bolsos. “Mais vale do que pagar um balúrdio dois anos depois, quando já não nos lembramos de nada”, argumenta. O especialista em segurança rodoviária, que viveu em Amesterdão, lembra como os Países Baixos retiveram “um amigo português no aeroporto, com 30 multas por pagar”, para salientar que “Portugal tem uma tolerância imensa” com quem prevarica na estrada. Cheio de convicção, dispara: “A caça à multa é um mito urbano que surge nos jantares de Natal pelos nossos tios mais velhos.”

Tanto assim é, justifica, que ao atravessarmos a fronteira levamos um banho de realidade e cumprimos os limites, com receio da fiscalização. “Neste momento, 70% das ruas urbanas em Espanha têm limite de velocidade de 30 km/h. Aqui, nem sequer os 50 km/h cumprimos. Em avenidas como a Infante D. Henrique ou a da Índia, em Lisboa, uma grande percentagem circula muito acima dessa velocidade, mas quando passa Vilar Formoso muda logo de mentalidade”, critica Mário Alves.

Em telefonema desde a cidade do Porto, Vera Diogo informa que um condutor acaba de passar um sinal vermelho em plena Avenida da Boavista, outra que convida a carregar no acelerador. Utilizadora regular da bicicleta, conta que se sente “insultada” quando os carros buzinam atrás dela, como aconteceu certo dia numa subida íngreme na Cedofeita, forçando-a a encostar. Os ciclistas têm os seus direitos na estrada e, mesmo quando existe uma ciclovia nas imediações, o que nem era o caso, a escolha de andar entre os veículos motorizados é um deles (ver caixa Regras para uma sã convivência).

País de campeões Iúri Leitão e Ivo Oliveira celebram, nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, a medalha de ouro na prova de madison, no ciclismo de pista

Esta coexistência, porém, não tem sido pacífica. Depois do caso mediático da morte de Pedro Sobral, presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, no final de dezembro passado, na Avenida da Índia, pelo menos mais quatro ciclistas morreram, em janeiro, enquanto andavam de bicicleta, o que parece sugerir um aumento de sinistros fatais com estas características.

Segundo o mais recente relatório anual da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), em 2023 houve 26 vítimas mortais em Portugal continental entre utilizadores de velocípedes (cerca de duas por mês, portanto), o que inclui trotinetes. No ano anterior, tinham-se registado 19 mortes e, em 2019, antes da pandemia da Covid-19, 20. Entre janeiro e julho de 2024, a contagem está em 13, menos duas do que no período homólogo de 2023, por isso, é precipitado tirar conclusões.

Mais fiável é constatar, ao longo de 2023, um aumento significativo dos acidentes a envolver velocípedes (total de 3 239,  mais 38,2%), na comparação com o ano de referência de 2019, pré-pandemia (2 344), e mesmo em relação a 2022 (2 995).

Campeões da Europa

Empresas do setor aproveitam fundos europeus

Com 1,8 milhões de bicicletas fabricadas em 2023, à frente da Roménia (1,5 milhões) e de Itália (1,2 milhões), Portugal mantém-se como o maior produtor da União Europeia há cinco anos consecutivos. Apesar da quebra generalizada no setor, o volume das exportações portuguesas retraiu-se apenas 1,5% em relação a 2022, quando tinha ficado ligeiramente abaixo dos 800 milhões de euros.

Já nas contas de 2024, até ao mês de outubro, tudo apontava para nova quebra de 1,5% no valor das exportações nacionais, mas as vendas estavam a recuperar nessa altura do ano e é preciso esperar mais algum tempo até ser conhecido o resultado provisório do ano, segundo o secretário-geral da Associação Nacional das Indústrias de Duas Rodas (Abimota), Gil Nadais.

“O mercado está muito estranho, mas continuamos a ser o maior exportador e o maior produtor de bicicletas da Europa, e penso que continuaremos a liderar, mas teremos de esperar pelos números de 2024”, explica.

Ex-autarca de Águeda, Gil Nadais é também o diretor-geral do novo centro tecnológico BIKiNNOV, que junta a Abimota a 50 empresas portuguesas do setor, num projeto que almeja a criação e desenvolvimento de novos produtos para o mercado das duas rodas.

“Temos uma agenda mobilizadora que está a investir mais de 200 milhões de euros, com o apoio de fundos europeus. O prazo de execução termina a 31 de dezembro deste ano, se não houver prorrogação, e já temos uma taxa de execução muito interessante, bastante superior a 50%”, revela o dirigente.

O centro tecnológico, já em funcionamento, insere-se neste plano conjunto e será uma espécie de laboratório para testar e melhorar novos componentes idealizados pelas empresas.

De qualquer forma, são números que misturam bicicletas com trotinetes, além de não considerarem um provável aumento da circulação de ciclistas, sobretudo em Lisboa, mas não só, acentuado pelos entregadores de comida, notam Vera Diogo e Mário Alves. Portugal também aparece nas estatísticas europeias como um dos países com menos mortes de ciclistas por milhão de habitantes, mas são dados que pouco contribuem para uma consciência mais ajustada da realidade, face à escassez de informação comparada sobre a quilometragem percorrida pelos entusiastas das bicicletas em cada país – é expectável que os Países Baixos dominem este ranking, tendo em conta que a maioria da sua população anda de bicicleta.

Com uma rede ciclável a aproximar-se dos 200 quilómetros, Lisboa assume a dianteira do desafio em Portugal, impulsionada, também, por uma frota pública de bicicletas partilhadas que já atingiu as duas mil unidades e as 185 estações. Geridas pela EMEL (Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa), as bicicletas Gira proporcionaram uma média de 7 405 viagens por dia em 2024, um novo recorde que supera o registo de 7 179 em 2023. Para este ano, as estimativas apontam para uma média superior a 10 mil viagens diárias, num total já muito perto de quatro milhões de viagens.

Ciclovias Q.B.

Vera Diogo lamenta que o Porto esteja muito atrasado na construção de ciclovias (a rede ciclável tem 33,5 quilómetros) e não disponha de um sistema público de bicicletas partilhadas, como a capital e muitos outros municípios do País. A líder da MUBi defende que, “sempre que o volume de trânsito não possa ser reduzido, deve haver uma ciclovia segregada”, ou seja, separada do tráfego motorizado, para promover a segurança. Quando isso acontecer, acredita que haverá mais utilizadores interessados em deslocarem-se de bicicleta pela cidade.

As ligações entre as diferentes ciclovias são outro aspeto relevante para uma boa fluidez da circulação, mas isso não implica a construção destas vias dedicadas em todo o parque urbano, muito pelo contrário. “Se controlarmos a velocidade e o número de carros dentro das cidades, serão precisas muito menos ciclovias. Aliás, nos Países Baixos, 70 a 80 por cento das ruas dentro das cidades não as têm, porque eles trabalharam muito a acalmia de tráfego”, observa Mário Alves que advoga mais campanhas de sensibilização, como se via antigamente em Portugal, para promover “o respeito e a cidadania”.

Hoje, já não fica bem alguém dizer no fim do jantar que vai para casa com os copos, mas se calhar ainda se gaba de chegar ao Algarve em duas horas

Mário Alves, presidente da Estrada Viva

Em conversa com o secretário de Estado do setor, diz mesmo que sugeriu “pagar à SIC e à TVI para pôr o assunto nas telenovelas”, por exemplo, criando personagens em que “alguém ande de bicicleta, tenha um sinistro e converse com outra sobre o tema”, apontando a ficção brasileira do mesmo género como exímia a trabalhar aquilo que designa de “responsabilidade social”.

Regras para uma sã convivência

Direitos e deveres dos ciclistas na via pública ainda geram muitas dúvidas, tanto nos próprios como em condutores de automóveis. Aqui se esclarecem alguns

Prioridade
Quando não existe sinalização num cruzamento, às bicicletas aplicam-se as mesmas regras do que a qualquer outro veículo. Isto significa que, nessa circunstância, os ciclistas têm prioridade sobre automóveis e motos, por exemplo, sempre que se apresentarem à sua direita.

Semáforos
Apesar de não necessitarem de tirar carta de condução, os ciclistas têm de respeitar o Código da Estrada, que os obriga a parar nos semáforos. Não podem usar os passeios para contornar a sinalização luminosa, até porque só as crianças até aos 10 anos podem andar nestes espaços pedonais. Também têm de ceder passagem nas passadeiras e cumprir os limites de velocidade e de consumo de álcool.

Ciclovia opcional
A utilização das ciclovias pelos ciclistas, embora recomendada, é opcional. Existe total liberdade para utilizarem as faixas de rodagem das estradas, a menos que se trate de uma autoestrada ou de algumas vias rápidas.

Circulação na via
Os ciclistas não devem circular encostados à direita. O que diz o Código da Estrada é que “os condutores de velocípedes devem transitar pelo lado direito da via de trânsito, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes”. Seguirem muito à direita pode deixá-los sem margem de manobra para evitarem embater numa porta que se abre de um carro estacionado ou um buraco no pavimento, por exemplo.

Ultrapassagens
Os veículos motorizados têm de abrandar na aproximação para ultrapassarem um ciclista e, ao executarem esta manobra, têm de se desviar com todas as rodas sem exceção para a via adjacente, quando ela existe, e de preservar sempre uma distância mínima lateral de um metro e meio em relação à bicicleta.

Passagempara ciclistas
Salvo sinalização em contrário, os ciclistas têm prioridade sobre veículos motorizados quando estes mudam de direção e pretendem atravessar uma ciclovia. Por outro lado, ao cruzarem uma faixa de rodagem sem desmontar da bicicleta, os ciclistas só o podem fazer numa passagem específica para o efeito, delimitada por duas linhas de quadrados e ainda desconhecida de muitos condutores. Já para atravessarem numa passagem para peões, os ciclistas são obrigados a levar a bicicleta à mão.

Telemóvel e auriculares
Tal como acontece com os condutores de outros veículos, os ciclistas não podem usar o telemóvel enquanto circulam de bicicleta. A mesma proibição aplica-se ao uso de dois auriculares em simultâneo.

Capacete
É recomendado o seu uso pelos ciclistas, mas não é obrigatório.

Iluminação
À noite ou perante más condições de visibilidade, as bicicletas têm de ter uma luz branca à frente e uma vermelha atrás, ambas com um alcance de 100 metros, além de um refletor com as mesmas cores orientado nas mesmas direções e de outros refletores nas duas rodas.

Palavras-chave:

“Notícias manifestamente exageradas.” Rosa Mota recorre à famosa citação de Mark Twain para caracterizar algumas das informações das últimas semanas sobre a gravidade do seu estado de saúde, agora que está de volta a casa, após ter recebido alta hospitalar.
Através de uma mensagem escrita, a campeã olímpica da maratona nos Jogos de Seul, em 1988, informa que irá “começar lenta, mas progressivamente, a tentar normalizar” a sua condição de saúde, aproveitando para agradecer a todos os profissionais que a “ajudaram a ultrapassar o grave problema” com que se debateu nas últimas semanas.
Embora a situação “pudesse ter tido consequências muito sérias, incluindo a morte”, a histórica atleta portuguesa, hoje com 66 anos, esclarece que nunca esteve com prognóstico muito reservado, como chegou a ser referido, “e muito menos ‘a lutar entre a vida e a morte’”, lamentando não ter conseguido impedir o exagero com que “vários canais de televisão” abordaram o seu internamento hospitalar.
“Nunca teve nada a ver com o coração e muito menos fui operada ao coração”, detalha, acrescentando que só foi operada “uma vez” e não foi de urgência, mas sim “programada”, tanto que deu entrada “no dia anterior à cirurgia”.
O problema que a afetou, clarifica ainda Rosa Mota, para desfazer equívocos vindos a público, designa-se disseção da aorta – e não aneurisma da aorta -, uma lesão na parede interna da artéria aorta, e “o período de maior insegurança foi entre o diagnóstico feito num hospital privado”, a 4 de janeiro, “e a saída dos cuidados intensivos”, dois dias mais tarde, durante o primeiro internamento.
A atleta, que ainda se mantém no ativo e continua a bater recordes, desmente que tenha sentido uma dor intensa quando o problema surgiu, no dia 31 de dezembro de 2024, minutos antes de partir para a São Silvestre de Madrid e não durante a corrida, conforme chegou a ser noticiado. Desta forma, também esclarece que essa ocorrência não sucedeu, como também chegou a ser publicado, após a participação na São Silvestre de Lisboa, realizada duas semanas antes.
“Quero agradecer à ciência e a todos os que nos hospitais e serviços vários por onde passei me ajudaram a ultrapassar o grave problema que tive”, sublinha ainda, na mesma mensagem escrita, aquela que continua a ser considerada a melhor maratonista de todos os tempos e que foi a primeira mulher portuguesa a ganhar uma medalha em Jogos Olímpicos.

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O ex-presidente do FC Porto morreu este sábado, aos 87 anos, vítima de cancro. As reações do mundo do futebol e não só sucedem-se. Aqui ficam as principais.

André Villas-Boas: “É um momento de consternação profunda e de triste pesar para todos os portistas e para o futebol nacional e internacional. Vemos partir um homem que marcou o FC Porto, os seus associados e adeptos, o portismo, a cidade do Porto, a região Norte e o País. O Presidente dos Presidentes dedicou toda uma vida para colocar e elevar o nome da Instituição ao topo do mundo. Entregou-se de corpo e alma ao Clube e pelo caminho formou homens e mulheres, jogadores e atletas orientados para a vitória e assentes na defesa dos mais elevados princípios com que defendeu o nosso símbolo e ajudou a formatar os valores do Futebol Clube do Porto. O FC Porto abraçá-lo-á na eternidade guiando-se sempre pelo seu amor pelo Clube. À família enlutada, aos filhos Alexandre e Joana, os meus mais sinceros pêsames.”

Vítor Baía: “É com profundo pesar que nos despedimos de Jorge Nuno Pinto da Costa. Sob a sua presidência, o FC Porto alcançou o topo do futebol mundial, tornando-se uma referência de excelência e sucesso. Pinto da Costa não foi apenas um presidente; foi o arquiteto de uma era dourada, um líder carismático cujo impacto transcendeu fronteiras. A sua visão e capacidade de gestão colocaram o FC Porto no mapa mundial, e a sua ausência deixa um vazio imensurável. Que possamos honrar verdadeiramente o seu legado, retomando o caminho da excelência que ele tão brilhantemente traçou.”

Pepe: “Líder, amigo, nobre, indomável e leal. Até sempre, querido amigo. Até sempre, eterno Presidente!”

José Mourinho: “‘Mourinho você foi o treinador que me deu mais alegrias.’ As palavras são suas PRESIDENTE. As minhas são: sinto uma honra tremenda de fazer parte da sua história, e agradecerei sempre a sua confiança e a influência que teve na minha carreira. Assim nos despedimos quando no verão passado nos encontrámos na sua amada cidade. O sorriso do primeiro dia, a alegria da última vez que estivemos juntos. O PRESIDENTE, o meu PRESIDENTE.”

Cristiano Ronaldo: “Os meus sentimentos à família e a toda a nação portista. Descanse em paz”

Jorge Jesus: “Um abraço sentido e condolências à família. Obrigado e descanse em paz, eterno presidente!”

Ruben Amorim: “Obviamente que é uma figura histórica, amado por muitos e odiado por outros. Tinha uma personalidade forte. Marcou uma era no futebol português e de certeza que a família, os amigos e os adeptos do FC Porto vão sentir muito a sua falta e ele vai ficar marcado nessa memória. Também quebrou muitas barreiras, passou muitos limites para defender o FC Porto e todos sabem disso, mas acho que todos conseguem ver que era alguém muito inteligente, muito carismático.”

Pedro Proença: “O Futebol Português viu partir hoje um dirigente histórico, que durante 42 anos liderou e dedicou a sua vida ao FC Porto, construindo um palmarés único a nível nacional e internacional. Recordo a amizade, os ensinamentos e o respeito mútuo ao longo de décadas de convivência numa indústria para cujo crescimento e emancipação tanto contribuiu, tendo mesmo presidido à Liga Portugal entre 1995 e 1996. Das Antas ao Dragão, de Viena a Gelsenkirchen, de Sevilha a Tóquio, as suas conquistas serão eternas, o seu legado será honrado e a sua memória será respeitada. Despeço-me com gratidão. Até sempre, Amigo Presidente.”

Ramalho Eanes: “Creio que a morte de Pinto da Costa terá enlutado não só o Futebol Clube do Porto, mas, também, a cidade do Porto e, ainda, o futebol nacional e, de certo modo, o país. Um líder que promoveu o FC Porto de clube regional a clube nacional, dominante, respeitado, também, no futebol europeu e, mesmo, mundial.”

Marcelo Rebelo de Sousa (nota no site da Presidência da República): “O Presidente da República apresenta as suas condolências à família de Jorge Nuno Pinto da Costa, ao Futebol Clube do Porto e a muitos milhares de adeptos que o acompanharam ao longo de mais de quatro décadas de liderança do clube. Fá-lo recordando que, no início dos anos 80, era, então, jovem membro do governo quando conheceu quem levaria o seu clube a inúmeras vitórias nacionais e internacionais. Mais tarde, muitas foram as vezes em que pôde testemunhar além dos sucessos consecutivos, uma personalidade, uma determinação e um estilo muito próprio, que suscitava grandes apoios, mas também muitas divergências. Neste momento em que o juízo a formular deve ser o mais possível distanciado, o que mais deve avultar é aquilo que o país fica a dever de prestígio externo num período inseparável da sua liderança.”

Luís Montenegro: “Jorge Nuno Pinto da Costa foi uma personalidade única no dirigismo desportivo, tendo sido o mais titulado dos Presidentes de Clubes à escala mundial. Em meu nome pessoal e do Governo, expresso profundo pesar e solidariedade à sua família, aos seus amigos e ao FC Porto.”

Pedro Nuno Santos: “Lamento profundamente o falecimento de Jorge Nuno Pinto da Costa, uma figura incontornável do futebol português, da cidade do Porto e do país, e que liderou o FC Porto, o meu clube, durante 42 anos. Em meu nome pessoal e do Partido Socialista, expresso os meus sinceros sentimentos à sua família, amigos e a todos os adeptos do FC Porto neste momento de grande perda.”

Diogo Costa: “O FC Porto perdeu hoje a sua maior referência, e todos nós, portistas, perdemos um símbolo de dedicação, ambição e paixão pelo clube. Desde pequeno, sempre soube que vestir esta camisola significava muito mais do que jogar futebol. Significava representar uma história construída por um homem que fez do FC Porto um gigante. Ter tido o privilégio de partilhar momentos consigo foi uma honra que guardarei para sempre. O seu legado viverá em cada jogo, em cada conquista e em cada portista que continuar a lutar por este clube. Os meus sentimentos à família e a todos os que sentem esta perda. Descanse em paz, Sr. Presidente.”

José Peseiro: “Figura incontornável e marcante do desporto português e mundial, Presidente com mais títulos da história a nível mundial, e com quem tive o privilégio de privar e trabalhar. Desejo que descanse em paz.”

Fernando Póvoas: “Os amigos são o melhor património que conquistamos ao longo da vida. Eu estou mais pobre, perdi o meu grande amigo Presidente Pinto Costa. Obrigado pelos conselhos, atenção, amizade vivida ao longo destes últimos 42 anos.”

Pedro Marques Lopes: “O herói dos meus deixou-nos.”

Rui Pinto: “Hoje perdemos uma figura ímpar, o presidente dos presidentes. Jorge Nuno Pinto da Costa, deixou um legado de conquistas, agitou, transformou e revolucionou o FC Porto e o futebol português. Lutou como poucos contra o centralismo bacoco deste país. Presidente, descanse em paz.”

Palavras-chave:

Nos últimos anos, enquanto se desenrolavam processos sobre alegada corrupção desportiva no futebol português, andou entre o céu e o inferno. Ao mesmo tempo que era investigado e inquirido a pretexto de diversas suspeitas, Jorge Nuno Pinto da Costa, 70 anos, coleccionou três títulos no FC Porto, estes sem sombra de pecado. Católico, devoto de Fátima, crente na justiça divina e confessadamente dedicado aos pobres, o presidente do campeão português de futebol vive diariamente incensado ou excomungado, qual personagem de Coppola. Para uns, é a versão pátria do Padrinho e dos seus códigos no que da bola e seus meandros se trata. Para outros, o eterno, competente e invejado líder de um clube ganhador que, há pouco mais de trinta anos, ainda tremia das pernas quando galgava as fronteiras da cidade Invicta.

Morreu Pinto da Costa



Com 26 anos de presidente do FC Porto e quase 55 de sócio, casado com Filomena Morais e pai de dois filhos, Pinto da Costa quase poderia ser refl exo do poema que gosta de declamar entre amigos: Cântico Negro, de Régio. Pois, não terá ele escorregado já em becos lamacentos ou deixado levar pelos ventos? Não amará ele o longe, a miragem, os abismos, as torrentes e os desertos? Não será ele um vendaval que se soltou? Quem o guia? Deus e o Diabo, mais ninguém? Ele nega: faz por ser levado apenas pela mão dos céus, garante.
Aqui na terra, Pinto da Costa é chamado por estes dias a responder por actos comuns aos mortais. E num dia passado com a VISÃO, não se escondeu das perguntas que todos fazem, em nenhuma faceta se refugiou, outras revelou. No restaurante do Carlton Hotel, no Porto, com o Douro em fundo e acompanhado da mulher, almoçou pato, não resistiu aos chocolates, contou e ouviu histórias, antecipou planos para depois do adeus ao FC Porto, entre desejos e projectos a concretizar na cidade. Foi entrevistado durante três horas. Ininterruptamente e sem «ais».

Segue-se o que fica da conversa. Também neste caso, não transitada em julgado.

Se não fosse presidente do FC Porto, seria o quê?
Quando jovem, queria seguir Direito, ser advogado. Envolvi-me nisto e já não fui para a universidade, com desgosto da família. Mas houve outra razão: quando acabei o 7.º ano, respondi ao anúncio de um banco. Chamaram-me para testes e quinze dias depois era funcionário. Ainda quis sair, mas aumentaram-me. Ao fim de um ano, pensei ir para Coimbra, mas voltaram a aumentar-me. Fui ficando.

Sente-se realizado no FC Porto?
Ao fim de 26 anos, sou o presidente do mundo com mais títulos no futebol e nas outras modalidades. Realizei muito mais do que sonhei. Se fosse por mim, estaria satisfeito. Mas o clube não é meu: é da cidade, do País e uma referência internacional. Pessoas com responsabilidades afastam-se e encostam-se a outros lados, prognosticando que, quando deixar a presidência, o FC Porto se transformará num clube provinciano. Vou sair quando entender e antes dos sócios quererem e provar aos calculistas que o FC Porto continuará organizado, conquistador e orgulho da cidade.

Ser figura nacional envaidece-o ou perturba-o?
Nem envaidece nem perturba, embora às vezes me prejudique. Ser uma figura do Porto e do Norte que sobressai origina problemas, perseguições e incompreensões. Sempre foi assim e há-de ser, resta resignar-me. Por isso, trabalho para a satisfação de uma cidade, de uma região e de muita gente que, exceptuando as vitórias do FC Porto, não tem razões para se sentir feliz. Por mais testemunhas que comprem e pessoas que ensinem a contar histórias na Judiciária e no Ministério Público, chega-me a minha consciência e a certeza de que as pessoas que amo e me amam conhecem o que sou. Por felicidade, não por mérito, nasci numa família de princípios, pude ter uma educação rigorosa e instruir-me, embora haja quem, não tendo a sorte das minhas origens, se tenha cultivado e instruído mais do que eu.

Mas o futebol não o contaminou?
Não. No futebol, existe muita gente boa, culta e instruída. Mas, como em muitas coisas da vida, também temos de lidar com pessoas boçais, incultas e até estúpidas. E há também incultos que, chegando a determinados lugares, metem uma cassete na cabeça, contratam gente para cuidar da imagem e professores para aprenderem a falar. Não me revejo nessa gente, embora tenha de lidar com ela.
A mim, o futebol nunca me privou de fazer o que sempre gostei: ir a concertos, exposições, participar em actos culturais. Num festival de música ainda consigo passar despercebido, mas o futebol expõe-me mais.

No futebol, o que parece é…
É por isso que quando abandonar o futebol já não terei de conhecer determinadas pessoas e ignorarei outras.

Já recusou um busto seu na sede do FC Porto. E não aceitou que dessem o seu nome ao novo estádio. Modéstia a mais ou rejeita o culto de personalidade?
O culto da personalidade é detestável. Se permitisse um busto ou o meu nome no estádio, fazia uma fi gura ridícula. A proposta de darem o nome ao novo estádio foi votada por unanimidade num plenário do FC Porto. Não vetei a decisão, mas disse que, se fosse mantida, me demitia.

Quem manda, afinal, no FC Porto? É o senhor ou as votações são colegiais?
Se convido pessoas para a direcção, tenho de aceitar que as decisões são da maioria do plenário.
Há excepções. Por exemplo: a escolha do treinador da equipa principal é minha, não a levo a reuniões. Ouço toda a gente ligada ao futebol, mas, corra bem ou mal, a responsabilidade é minha. Assim, o treinador também sabe que não deve o lugar a ninguém, nem se preocupa se este votou a favor ou contra.
Sabe apenas que é o meu treinador. Mas já houve questões em que fui derrotado. Prevalece a vontade da maioria.

Passemos aos processos judiciais. Condenado ou absolvido, arrisca ficar para a história, aos olhos de muitos, como o «pai» da corrupção desportiva…
Sabe, no colégio Almeida Garrett tinha um colega que sofria de ataques epilépticos. Foi internado, fez um tratamento, melhorou muito, mas continuavam a chamar-lhe maluco. E ele dizia: «Não sou maluco. Estive internado num manicómio, mas deram-me alta. Não sei se vocês, caso lá entrassem, tinham saído». Isto para dizer o seguinte: podem pôr–me os nomes que quiserem.

E as suas relações com os árbitros?
Tive e tenho, há anos, o telemóvel sob escuta. Verificaram as vias verdes, os restaurantes onde fui, para ver se me apanhavam encontros, telefonemas ou combinações com árbitros. Tudo espremido, encontraram um árbitro que foi tomar café a minha casa, que nunca tinha apitado o FC Porto nesse campeonato e só apitaria um jogo em que já éramos campeões. Nem sequer ganhámos! E incriminaram-me por tentativa de corrupção num caso em que dois árbitros pedem a um amigo meu sem ligação ao FC Porto que arranje umas meninas ou senhoras para terem companhia à noite. Nos processos, arquivados até alguém escrever o livro de uma certa senhora, não há uma chamada para árbitros. Sinto-me perseguido, obviamente que sim! Se certos papagaios que aí andam fossem escutados e fosse vigiada a forma como se fazem algumas contratações…

Acha que o Ministério Público e Maria José Morgado seleccionaram alvos?
Sinto-me seleccionado. A Carolina foi levada à Judiciária, umas vezes pela jornalista Leonor Pinhão, outras pelo Luís Filipe Vieira. Há provas. E a irmã da Carolina disse que ela foi industriada por gente do Ministério Público.

Diz-se que Ana Maria Salgado é sua protegida…
Não, não! Não é nem deixa de ser. Não pedi nada nem ela me contactou. Mas há coisas indiscutíveis: a Carolina escreveu e disse que contratou indivíduos para mandar matar Ricardo Bexiga. Não acredito, é absurdo. Nunca no tempo que convivi com ela, o nome foi falado. Se Carolina fez o que disse, é gravíssimo.
Se não fez, é gravíssimo também. No entanto, não foi constituída arguida.

Acha que ela é uma ponta-de-lança.
É óbvio que é!

…do Ministério Público?
A que propósito e com que fins a Leonor Pinhão acabou o livro e a levava à Judiciária?!

E o original do livro?
Sei quem o tem, está bem guardado. Não confere com a versão final: há coisas que saíram e outras entraram. No momento próprio será divulgado. Mas havendo quem confesse ter sido contratado pela Carolina para matar o doutor Fernando Póvoas e apesar da PJ ter encontrado o indivíduo contratado por ela para incendiar o meu escritório e de Lourenço Pinto, ela continua a ser credível. É esta a pessoa idónea que serve de base às denúncias?!

Viveu com ela seis anos. Se é assim, como é que alguém com a sua experiência de vida manteve a relação, sabendo-se que a ingenuidade não é propriamente uma das suas fraquezas?
Mais do que ingénuo, fui estúpido. Tinha uma vida estável com uma pessoa que amava e nunca deixei de amar. Por isso estou novamente casado com ela. Foi e é a pessoa da minha vida. Mas às vezes somos levados para situações em que, quando damos conta, já não podemos sair.

O mundo do futebol é o responsável?
Não é só no futebol que acontece. Não devia ter acontecido, é verdade. Mas quem denegria a imagem dela agora trata-a como se fosse a Madre Teresa de Calcutá. Quando ela disse no tribunal que era escritora, dei uma gargalhada. Quando as revistas cor-de-rosa lhe mandavam perguntas para entrevistas, ela era incapaz de responder. Pedia a um amigo nosso, advogado, que o fizesse e ele depois mandava-lhe as respostas por e-mail. Quando vejo os artigos dela no Correio da Manhã, rio-me. Sei quem os escreve e para que e-mail são enviados. Ela depois manda-os para o jornal.

Quem os escreve?
Muitos foram escritos pelo Pedro Rita [ jornalista do DN]. O Correio da Manhã paga à senhora dois mil euros pelos artigos que outros escrevem.

Miguel Sousa Tavares e Rui Moreira, sócios do FC Porto, consideram que deveria pedir desculpa por deixar que a sua vida privada interferisse na imagem do clube….
Se a imagem do clube tivesse sido prejudicada, teria efeitos na adesão das pessoas. Mas ainda recentemente, em Setúbal, vi a forma terna e carinhosa como se dirigiram à minha mulher e quiseram que ela fosse a madrinha da Casa do FC Porto. Tenho um convite para ir a Nova Iorque e a Washington inaugurar casas do clube e insistem que a leve. As pessoas dizem-me que estão felizes com a reconstituição da minha família. O resto é passado, momentos maus. Ainda hoje não tenho culpa de que alguma comunicação social ande sempre atrás de mim e se dependure nos muros da casa para tirar fotografias. Não exponho a minha vida privada, mas também há coisas que deixo sair. Não tenho nada de que me envergonhar.

É verdade que afastou Domingos Matos, anterior presidente do Conselho Fiscal do FC Porto por ser administrador da Cofina, proprietária do Correio da Manhã e do Record?
Não foi esse o motivo, ele já pertencia à Cofina quando o escolhi para o Conselho Fiscal. Tive o cuidado de ir a Lisboa, ao Hotel Ritz, dizer-lhe que não contava mais com ele por razões de falta de solidariedade. Quando o Record fez determinada campanha, disse-lhe que não era correcto. E ele respondeu-me: «É por essas e por outras que não leio o Record. Mas isso não é nada comigo». Ou seja, deu-me razão, mas reagiu à Pilatos.

As suas relações com Joaquim Oliveira estão como estavam?
Como estavam?!

São boas?
São normais.

Boas ou normais?
Cordiais, cordiais.

Comenta-se que não gostou do facto dos jornais do grupo Global Notícias, de Joaquim Oliveira, terem dado demasiado crédito a Carolina…
Não, ele não interfere na linha editorial. Mas a verdade é que vejo vender a imagem de can- didatas ao prémio Nobel da Literatura que não são capazes de responder a meia-dúzia de perguntas de uma revista cor-de-rosa.

O que espera do novo livro de Carolina?
Não o vou ler. Também não li o primeiro. Tenho muitos livros ainda para ler e sei quem são os autores (risos).

Viu o filme Corrupção?
Também não vi. Mas li o guião feito pela Leonor Pinhão, também tenho isso. Curioso foi o Correio da Manhã ter feito mais promoção a esse filme do que àqueles que ganham Óscares. Nem o Manoel de Oliveira, com quase 100 anos, conseguiu ser tão falado.

E a acareação com Carolina no próximo dia 14, preferia não a fazer?
Prefiro fazê-la! Essa senhora disse que eu almoçava e jantava com Pinto de Sousa e Valentim Loureiro para escolher os árbitros para os jogos do Gondomar. É falso. Nunca almoçámos os quatro, nunca! Os quilómetros de fita das minhas chamadas gravadas talvez dêem para ir à Luz não ao hospital! e voltar. Mas desafio alguém a encontrar uma palavra minha sobre o Gondomar. Nunca me interessou se o Gondomar subia ou descia, nunca vi um jogo, nunca emprestámos um jogador ao clube e eu ia almoçar, tomar o pequeno-almoço ou encontrar-me numa esquina para combinar os árbitros do Gondomar?! Ridículo.

Está a ser investigado por fraude fiscal e branqueamento de capitais decorrentes de transferências de jogadores. Fala-se de mais de 150 operações bancárias sob suspeita…
Tudo isso é baseado apenas no que a Carolina diz…

E várias contas no estrangeiro.
É o que ela diz, mais nada. Ela diz que uma imobiliária da qual sou o accionista maioritário serviu para se fazerem lá transferências de dinheiro de Jorge Mendes e Joaquim Oliveira. A PJ fez uma busca à contabilidade. Por mim, podem levar tudo. Não existe nada que não sejam movimentos de compra e venda de casas. Mas se ela disser que tenho um poço de petróleo escondido, talvez venham os procuradores e a PJ de Lisboa fazer um levantamento.

Disse em tribunal que ganhava dez mil euros por mês, mas, segundo o Correio da Manhã, baseado supostamente na sua declaração de IRS, ganha mais de 50 mil euros.

Não. Passou-se algo mais grave do que isso. Uns dias depois da doutora Maria José Morgado ter sido nomeada procuradora chefe do processo, o doutor Saldanha Sanches foi à SIC afirmar que era preciso acabar com a corrupção no futebol porque o presidente do FC Porto tinha dito em tribunal que ganhava 4oo euros por mês! E disse-o com a maior impunidade. Que credibilidade é que tem? Se fosse do Ministério Público, obrigava-o a esclarecer.

Mas ganha quanto, afinal?

Disse em tribunal que ganhava mais ou menos dez mil euros por mês. Disponibilizei-me perante a senhora juíza para mostrar os recibos do valor certo, mas não foi preciso.

Processos na Liga. A Comissão Disciplinar pode determinar a perda de pontos do clube e a sua suspensão do cargo por um período de seis meses a dois anos. Como encara estas situações?

Com tranquilidade. A Liga baseia os argumentos no depoimento da dita senhora, tal como o Ministério Público.

Não aceita perder pontos?

Não. No meu caso irei até às últimas instâncias internacionais. Se calhar, terei oportunidade de revelar muitas coisas.

Se for condenado nos processos judiciais, deixa a presidência da SAD do FC Porto?

Não admito ser condenado.

Como cidadão, diz-se preocupado com questões sociais, instituições de solidariedade. Como presidente do FC Porto está a braços com a Justiça. O contraste não o preocupa?

Preocupa-me quando pessoas, apenas por serem minhas amigas, são perseguidas. O Coração da Cidade é uma instituição que dá alimentação e dormida aos «sem-abrigo». O FC Porto não dá nada, mas eu ajudo no que posso: arranjo pessoas e empresas que dão donativos e alimentos, dou muita roupa, etc. Mas por causa disso, a directora, dona La Salete, passou um dia na Judiciária para respon- der se o FC Porto lavava dinheiro no Coração da Cidade. Quando uma instituição destas, que se substituiu ao próprio Estado, tem de passar por isto, incomoda-me.

Reconhece que por vezes baixa o nível para defender o FC Porto?

É difícil não baixar o nível com certas pessoas. Se mantiver o nível, elas não percebem. Não vou citar o José Régio ou o António Nobre com alguém do futebol senão ainda me perguntam se são presidentes da Firestone ou da Goodyear. E eu de pneus não percebo nada (risos).

Lobo Xavier, diz que Pinto da Costa não é propriamente um anjinho de asas brancas…

Asas têm os passarinhos e os milhafres, como aquele do Estádio da Luz. Dizem que é uma águia, mas é um milhafre.

O poder mudou-o?

Não sei o que é ter poder, se o tivesse talvez algumas pessoas não fizessem o que fazem. No essencial, sou a mesma pessoa de sempre.

É na guerra que encontra a paz?

Não me meto com ninguém, a menos que se metam comigo. Cristo levou uma bofetada, deu o outro lado e veja como acabou.

De onde saiu a expressão «o Papa»?

Não faço ideia, nem me reconheço nela.

Indignou-se por insinuarem que era «um mafioso rodeado de seguranças». Não contribuiu para essa imagem?

Nunca tive seguranças. De dia ou de noite vou a qualquer lado e a única segurança que tenho é a minha mulher. Quando se trata de uma deslocação da equipa, é diferente.

Já falou das intromissões na vida privada. Mas houve uma fase em que as permitiu…

Fui arrastado involuntariamente para isso. Quando vi que as coisas ultrapassaram a medida, disse como o outro, há dias: «Basta!». Sendo uma figura pública, aceito que também nos queiram fotografar em concertos ou noutras ocasiões. Mas nunca viu a minha mulher aparecer em reportagens só para se exibir.

Valentim Loureiro disse, numa entrevista, que no campo amoroso não gere tão bem as emoções como no futebol. O amor enfraquece-o?

O amor fortalece-me. Isso diz-me muita gente, até mesmo no clube, desde que voltei a casar. Uma coisa é estar com alguém, mas a hora da verdade é quando decidimos casar ou não. Casando, uma pessoa sente-se mais forte, estável e segura. Ganhei anos de vida, estou mais feliz. Quando se casa, há garantias de amor e interesse comum. Encontrei isso novamente. Por isso, passo por cima das guerras e difamações. Não me passam ao lado, mas não beliscam.

Sendo católico, é capaz de odiar?

As pessoas em que poderá estar a pensar, não odeio. Desprezo. Odiar é um sentimento, ainda que mau. Há pessoas que não merecem qualquer sentimento. Não odeio um verme. Porque hei-de odiar uma cobra? Desprezo-a, apenas. Quero-a longe.

Como é que as suas confessadas preocupações sociais convivem com a obrigação, decorrente das suas funções, de negociar salários milionários de jogadores? Como gere esse contraste?

Ser futebolista é uma arte. Tal como os cantores, dão espectáculos pagos. Por vezes, choca-me. Mas digo aos jogadores que há pessoas a precisar deles. Envolvo-os em acções de solidariedade, em visitas a crianças e doentes. E eles são sensíveis. Outro exemplo: no próximo jogo em casa, faremos um almoço com pessoas do Coração da Cidade e vamos levá-las ao estádio. Isto só é possível porque os artistas são bons, enchem o Dragão e ganham campeonatos.

Não acha que o futebol tem hoje um protagonismo exacerbado na vida das nações?

Tem, mas é dado pela Comunicação Social. Três jornais desportivos diários são um absurdo. E os diários de informação geral também trazem muitas páginas sobre futebol. Além disso, temos programas televisivos semanais onde só se fala de arbitragens, de penaltis com dez anos, e se dizem barbaridades. Devo ser dos presidentes que menos entrevistas dá. Mas há indivíduos que falam todas as semanas, para não dizer todos os dias. Falam porque vão ouvi-los. Só desprestigiam. Para a promoção do futebol, basta ouvir jogadores e treinadores. E mesmo aí, doseado.

Recuperou há semanas, em São João da Madeira, a tese do «Norte esquecido» e do «Norte hostilizado». E disse: «É no poder local que temos de fazer a resistência». Descodifique…

Olhe, há dias, no centenário da Associação Comercial do Porto, o presidente Rui Moreira analisou a situação precária e de esquecimento na cidade e na região. E chocou-me que o Primeiro-Ministro tenha, na ocasião, respondido a isso com um discurso de propaganda política. Toda a gente saiu de lá frustrada, dizendo: «Viemos a um comício!». O engenheiro Sócrates nem sequer teve uma palavra para a associação e os seus dirigentes. E não foi por qualquer atitude ostensiva, foi por desconhecimento. Para os nossos governantes, Portugal é Lisboa. Cada vez mais. Com a regionalização metida na gaveta e a descentralização atirada ao mar, só vejo possibilidade de resistência através do poder local.

Como é que isso se faz?

Faz-se quando as populações elegerem pessoas capazes de bater o pé ao poder central, reivindicativas, com discurso justo e inteligente. Como fez Rui Moreira na sessão.

Que circunstâncias o fariam meter-se na política?

Na política propriamente dita, em circunstância alguma. Não me identifico com os processos partidários. Bastariam, por exemplo, estes últimos seis meses do PSD para dizer: «Com esta gente não quero nada». Um líder eleito pelas bases, com uma confortável margem, no dia seguinte já estava a ser contestado por aqueles que não deram a cara. Mesmo com todos os erros e insufi ciências do líder fizeram tudo para derrubá-lo. Não sei se foi bem ou mal eleito, não tenho nada a ver com isso. E se tivesse, se calhar, não votava nele. Enfim, política partidária, não. Nunca.

Nem com regionalização?

Poderei estar disponível para participar em causas justas, sem querer lugares, e em lutas que sirvam o País e a nossa região. Poderei entrar numa luta em defesa da nossa cidade.

Traduza…

Olhe, envolver-me numa candidatura que não seja fruto de uma escolha partidária imposta à própria cidade.

Apoiaria Elisa Ferreira, cada vez mais falada para candidata pelo PS à Câmara do Porto?

Ela ainda não é candidata. Mas reconheço-lhe qualidades, capacidade, inteligência e determinação. Se houvesse dois candidatos, o actual presidente e a Elisa Ferreira, nem hesitaria: apoiá-la-ia. Mas tenho um sonho para o Porto: um candidato independente.

Seria esse candidato?

A cidade do Porto não é o PSD, em que qualquer um acorda e diz: «Sou candidato».

Mas responda: nunca seria o senhor?

Não digo nunca. A isso, não digo nunca.

Não tem medo de ir a votos fora do FC Porto?

Não, nenhum. Na situação que me coloca, não teria medo de ir a votos. Por uma questão simples: não iria para ser ministro ou primeiro-ministro. Mas prefi ro apoiar alguém que não esteja a fazer curriculum. Não interessa se é para perder ou ganhar. A mim, o não ter partido dá-me liberdade. Em determinada circunstância, já votei no PCP porque escolho pessoas. Não sou comunista, mas se o PCP apresentasse para a Câmara alguém que eu acreditasse lutar pelo interesse da cidade e não pensasse em trampolins para outras coisas, votaria neles. As autarquias têm de estar acima dos partidos.

Dava-lhe um gozo especial enfrentar Rui Rio…

Não. Uma candidatura à Câmara do Porto não pode ser contra alguém. Quem concorrer como independente e farei tudo para encontrar um disponível para lutar pela cidade não pode ir com esse espírito.

Está a ver alguém capaz?

Posso estar, mas não vou revelar senão amanhã tinha logo o Ministério Público em cima dele (risos).

Há uns anos, Berlusconni desafiou-o a entrar na política e a formar um partido, não foi?

Foi, ainda tenho lá uma pasta com a propaganda toda que ele ia lançar. E um relógio. mas não me identifi co politicamente com ele.

Sócrates desiludiu-o ou surpreendeu-o?

Nem uma coisa nem outra. Como Ministro do Desporto, foi excelente, interessado e colaborante.

Mas tem opinião sobre a actual governação?

Um amigo meu, de Angola, diz que Portugal é um estado policial com uma ditadura fiscal. No engenheiro Sócrates, admiro duas qualidades: é determinado e toma decisões. Mas apertou o cinto e esqueceu as pessoas.

Assustou-o a hipótese de Rio chegar a líder do PSD?

Se fosse do PSD, assustava-me. Como não sou.

Como explica que a estratégia de Rio tenha sido bem sucedida eleitoralmente, mesmo depois da «guerra» entre a Câmara e o FC Porto?

O FC Porto é campeão por mérito próprio e tem muitos pontos de avanço por demérito dos outros. Talvez isto se aplique à situação da Câmara do Porto.

O discurso demasiado regionalista e radical não prejudicou muitas vezes o Norte?

Quem divide o País não são as pessoas do Norte. Nós nunca dizemos «vamos ao Sul». Dizemos «vamos a Lisboa, a Beja ou ao Algarve ». Mas lá em baixo dizem «vamos ao Norte». Nunca ouviu ninguém dizer «os sulistas». Mas ouve dizer «os nortenhos». Houve até um antigo ministro que disse que no Sul era do Benfica e no Norte era do Boavista!

Mas houve muitos discursos inflamados...

Discursos inflamados?! Nem com discursos inflamados nos ouvem! No tal jantar da Associação Comercial do Porto ouvi dizer que o avião das quartas-feiras para Lisboa era o avião dos pedintes. Pedintes porque, por causa de um simples despacho, de um assunto do banco, têm de ir a Lisboa. Bancos, companhias de seguros, está tudo lá. Aqui, resiste o FC Porto, uma orquestra de nível internacional e algumas instituições centenárias que vivem atrofiadas pelas dificuldades. Quem quer benesses ou singrar tem de ir para Lisboa. Isto só se resolve com regionalização. Como ela está na gaveta, só uma conjugação de esforços do poder local evitará que seja pior.

A «cultura» do FC Porto é elogiada com frequência. Qual é a receita? Criar um inimigo externo?

Não, é tudo uma questão de regras. Uma das minhas vantagens foi chegar ao FC Porto há quase 50 anos. Percorri as secções, dirigi as actividades amadoras. Vivendo por dentro, compreendi o que estava mal. A dada altura, até os directores do ciclismo e do ténis de mesa decidiam se um jogador de futebol ficava ou não no clube! Não podia ser. Hoje, as regras são as mesmas que segui quando tomei conta do futebol: treinador escolhido por mim, jogadores escolhidos por mim e pelo treinador, balneário blindado só entra o director do futebol e o presidente treinos a mesma coisa. Como correu bem, a tradição mantém-se.

Como é que cada jogador absorve essa cultura rapidamente?

Quem não respeita as regras e a disciplina, não vem, nem fica. Não interessa ser só bom jogador.

No passado, os jogadores estavam sempre bem porque, se corresse mal, o treinador é que ia embora. Por isso, quando digo «este é o meu treinador», os jogadores ficam a saber que tem de ser respeitado e não será posto em causa pelos resultados. Só estará em causa se trabalhar mal. Isso dá-lhe muita força.

O que é um jogador «à Porto?» Que «raça» de jogadores procura?

Uma vez disseram-me que tive sorte em descobrir o Timofte. E eu disse: «Foi, foi uma sorte. Fui ao circo Mariano, ele estava lá a dar uns toques e eu, no intervalo, pensei “este é capaz de ser jogador”». O Timofte, tal como o Lisandro, o Lucho e outros, não foram observados apenas por marcarem golos e serem bons jogadores. A sua personalidade e forma de jogar são analisadas para saber se encaixam aqui como uma luva. Se me oferecerem alguns craques internacionais, não os quero.

Os jogadores têm o seu número de telemóvel, podem ligar a qualquer hora, preocupa-se com os problemas deles extra futebol?

Nenhum tem o meu telefone, nem tenho os deles. Se quiserem falar comigo, seguem os mecanismos: falam com o director, o vice-presidente administrador e só então, se necessário, chegam a mim. Como amigo, é evidente que, se tiverem problemas pessoais, tentarei ajudar. Questões de futebol, situações enquanto jogadores, não falam comigo.

E Jesualdo Ferreira, sendo benfiquista, é um treinador «à Porto»?

O ser ou não ser benfiquista, não me interessa. Já conhecia o Jesualdo como treinador e se fosse só por isso não o contratava. Mas sabia também da sua rectidão, da forma como se entrega aos projectos e vive a camisola que defende. O Jesualdo é treinador «à Porto» há muitos anos. Só não estava cá.

O presidente do Benfica apresentou há dias, na Liga, supostas provas de viciação de resultados. O que espera deste processo?

Não vi as provas, estou à espera que a Liga mostre. Para dizer que se tem provas basta não ser mudo.

O que acha que acontecerá ao Benfica se continuar a não ganhar títulos nos próximos anos?

Não acontecerá nada. O Fernando Seara continuará a falar na SIC de penaltis com vinte anos e a fazer a defesa do presidente e dos jogadores. O senhor António, do Trio da Ataque, continuará a dizer que o Benfica é um clube nacional e o maior. E os sócios continuarão sempre à espera do próximo ano, que será melhor.

Mas qual é o problema do Benfica?

Se dissesse, eles ainda o resolviam! Estão bem como estão.

O que lhe aconteceria se estivesse tantos anos sem ganhar títulos e corresse o risco de acabar em terceiro ou quarto lugar?

Já estariam a fazer a missa de aniversário do meu linchamento (risos).

Sporting e Benfica são iguais para si?

Distingo completamente. Com pessoas do Sporting sou capaz de conversar.

Luís Filipe Vieira ainda é sócio do FC Porto?

É, é.

E paga as quotas?

Paga, se não era eliminado. Tem as quotas em dia.

Está interessado em algum jogador do Benfica?

Não. Nem que estivesse livre. Do Sporting, gostava que viesse o João Moutinho. É um jogador «à Porto».

Não penso contratá-lo. Sei que para o Sporting é um jogador inegociável.

Quaresma, Lisandro, Lucho, Bosingwa, Bruno Alves. Qual deles vai ser mais difícil segurar?

O Quaresma, porque tem cláusula de rescisão. Quando leio que o Real Madrid está disposto a dar 125 milhões pelo Ronaldo, não é exagerado pedir 40 pelo Quaresma.

Vítor Baía será o Rui Costa do FC Porto?

Baía já é um elemento directivo e pode vir a ser muita coisa no FC Porto. Não digo que não seja o mesmo que Rui Costa no Benfi a, mas, no imediato, está a ser inteligente: gere o seu prestígio e está na faculdade a tirar um curso de gestão desportiva para aspirar a outros lugares.

Vai escrever as suas memórias?

Escreverei algo sobre as minhas recordações, talvez ainda durante o meu mandato: o lado positivo os títulos, as vitórias mas também o lado negativo do que me aconteceu. Quando esse livro sair, talvez as pessoas percebam que havia razões para me perseguirem.

Rápidas e directas

LIGA
«A Liga preocupa-se com muita coisa, com a Taça da Liga, a Carlsberg e os patrocínios. Mas a Liga não serve para fazer contratos com as cervejeiras. Sou solidário com o Boavista e clubes com difi culdades, mas é inadmissível que a Liga permita situações destas. É concorrência desleal. Se eu puder contratar jogadores para não pagar, vou já buscar o Cristiano Ronaldo. E quem vier atrás que feche a porta.»

SELECÇÃO
«Preferia um treinador português. Não é uma questão de reconhecer ou não competência a Scolari, porque isso analisa-se através de resultados. Portugal já ganhou não sei quantos jogos, mas também perdeu uma oportunidade única de ser campeão da Europa perdendo uma final em casa com a Grécia. Se um treinador do FC Porto perdesse uma final da Liga dos Campeões, no Dragão, com o campeão grego, já cá não estava de certeza absoluta».

LISBOA
«Gosto da zona das «partidas» no aeroporto (risos). Lisboa tem coisas bonitas e sinto-me bem na cidade, onde tive e tenho muitos e grandes amigos. Um deles era o actor Artur Semedo, fanático benfiquista. Era visita de nossa casa.»

25 DE ABRIL
«Vi a revolução com esperança, mas não vou agora dizer que era um lutador antifascista (risos). Vejo indivíduos a dizerem-se antifascistas e eu, que era colega deles, nunca os vi nessas lutas. Eram tão antifascistas ou fascistas como eu. Uma das coisas que mais ansiava porque me indignava não ser assim era que o Porto pudesse escolher o seu presidente da Câmara. Até essa altura, apenas tinha participado voluntariamente na acção de campanha do general Humberto Delgado, a 15 de Maio de 1958. O Delgado fazia anos nesse dia, tal como a minha mãe. Foi o meu primeiro ídolo fora do futebol»

Íntimo e pessoal

LITERATURA
José Régio e António Nobre são os preferidos. Declama, aliás, alguns poemas dos dois. E não esquece Camilo Castelo Branco: «Ia muito para São Miguel de Ceide e achava piada ao facto dos filhos dele se chamarem Jorge e Nuno». Aprecia António Lobo Antunes e devorou As Intermitências da Morte, de Saramago. «Aquilo de ninguém morrer, dos asilos sobrelotados, as funerárias na falência, as preces para a morte voltar.achei fantástico». É ainda viciado nas refl exões de Almeida Santos publicadas em livro.

PINTURA
Gosta de pintura portuguesa clássica. Influências, talvez, do bisavô Honório de Lima, grande mecenas da pintura e da música. Artur Loureiro é o pintor preferido. Num aniversário, ofereceu à mulher, Filomena, um quadro deste paisagista que retratava a Praia dos Ingleses, na Foz, por ser a praia que ela frequentava na juventude. Aprecia também José Malhoa e o modernista Henrique Medina. Este até conheceu pessoalmente, pois ia pintar para a quinta do tio Armando, irmão da mãe, em Famalicão.

MÚSICA
Na casa de família, em Cedofeita, ouvir música era como respirar. Havia um piano. Cantores, artistas, passaram por lá. Caruso, tenor italiano, cantou em privado para a família. Hoje, Pinto da Costa elege Tchaikovsky como compositor preferido e Madame Butterfl y, de Puccini, na ópera. Uma das suas paixões é a Orquestra Nacional do Porto, a cujo concerto da Páscoa assistiu na Igreja da Lapa, tendo conhecido então o maestro franco-italiano Marc Tardue, grande adepto do FC Porto.

TEATRO
Foi ao Rivoli ver Música no Coração. «Goste-se ou não, La Féria é um craque». Talvez por isso, neste capítulo dá tréguas a Rui Rio: «Quando as coisas não funcionam, devem ser entregues a quem as ponha a funcionar. Pelo menos, o Rivoli tem vida.

CINEMA
As segundas-feiras, reserva-as para o cinema. «Não é por ser mais barato, é por ser o dia mais calmo. Normalmente, não marco reuniões nesse dia». O critério de escolha é da mulher, Filomena. O último foi O Tesouro Encalhado, comédia romântica cheia de acção e aventura. «Divertido»

CURIOSIDADES
O pai falava sete línguas. Ele fala e escreve francês, o inglês é «médio» e desenrasca-se no alemão. Passa habitualmente na livraria Caixotim, nos Clérigos, para ver novidades. Dantes ia muito a alfarrabistas, agora menos. Tem várias edições dos seus livros preferidos de Régio e António Nobre.

Palavras-chave:

Amado por muitos e odiado por tantos outros, Jorge Nuno Pinto da Costa fica para a história não só como o homem que mais tempo ocupou a presidência do Futebol Clube do Porto mas também como o presidente com mais títulos conquistados em todo o mundo. Durante todos os seus mandatos à frente dos Dragões, foram mais de 1340 títulos nas mais diversas modalidades, sobretudo no atletismo, basquetebol, andebol e hóquei em patins. Mas foram os 64 triunfos no futebol que ajudaram a criar a lenda de um dirigente vitorioso, com um percurso único. Nos 42 anos em que Pinto da Costa foi presidente, o FC Porto conquistou uma Taça dos Campeões Europeus e uma Liga dos Campeões, uma Taça UEFA e uma Liga Europa, duas Taças Intercontinentais, uma Supertaça Europeia, 22 Campeonatos Nacionais, 13 Taças de Portugal e 21 Supertaças Portugal. Pelo meio, ficam muitos anos de polémicas e trocas de acusações, alianças e vinganças, adversários e aliados. Fica também as acusações do Apito Dourado, processo no qual era acusado de corrupção desportiva, mas do qual acabou absolvido pela Justiça, que não admitiu as escutas que Portugal inteiro ouviu como meio de prova.

“O culto da personalidade é detestável”. A grande entrevista de Pinto da Costa à VISÃO

Nas eleições para os órgãos sociais do clube que se realizaram a 27 de abril de 2024, Pinto da Costa acabou derrotado por larga margem por André Villas-Boas. Em agosto, anunciou publicamente que lhe tinha sido diagnosticado um cancro na próstata e, já no final do mês de outubro, lançou o derradeiro livro de memórias, Azul Até ao Fim, já visivelmente debilitado. Nos dias que seguiram, surgiram notícias do agravamento do seu estado de saúde e do alastramento do tumor a outros órgãos do corpo, nomeadamente os ossos. Terá, inclusivamente, fraturado, por via disso, o fémur, o que o obrigou a movimentar-se em cadeira de rodas.

Para além de milhões de admiradores da obra que construiu ao serviço do FC Porto e até pela defesa da cidade Invicta e da região Norte, Jorge Nuno Pinto da Costa deixa dois filhos, fruto de uma vida romântica intensa. Casou, primeiro, com Manuela Carmona Costa, com quem teve o filho Alexandre. Apesar do divórcio só ter sido consumado em 1997, muito antes se tinha apaixonado por Filomena. Com a mãe da sua filha Joana, casou duas vezes, pois, pelo meio, chegaram a divorciar-se, num período em que foi público o tórrido e polémico romance com Carolina Salgado. Após o segundo divórcio com Filomena, ainda casou, no Brasil, com Fernanda Miranda, 50 anos mais nova. A relação durou cinco anos, findos os quais Pinto da Costa se juntou a Cláudia Campo, 40 anos mais nova, com quem casou em 2023.

A expressão não é nossa. Claro que nunca se escreveria na VISÃO que alguém está demasiado velho, gordo e feio seja para o que for, a começar porque não somos adeptos da humilhação alheia, muito menos por causa da idade ou do aspeto físico. Depois, francamente, faria algum sentido escolher esse trio de adjetivos para caracterizar atores como Richard Gere e Hugh Grant?

Ao ver nas páginas anteriores Bosko, o irascível chefe do gabinete da CIA em Londres interpretado pelo norte-americano Gere na série The Agency, acabada de estrear em Portugal na SkyShowtime, repara-se mais depressa nos punhos cerrados com que ele se apoia na secretária onde está sentado o agente secreto Martian (Michael Fassbender), numa expressão óbvia de força e liderança, do que no seu cabelo branco.

E, nestas páginas, quem não fica fascinado com o olhar fixo de Mr. Reed, o diabólico protagonista do filme Herege que tanto intrigou o britânico Grant, logo à primeira leitura do guião escrito por Scott Beck e Bryan Woods? Os antiquados óculos dos anos 90, pedidos pelo ator à responsável pelo guarda-roupa, tornam-no ainda mais sinistro – e é nisso que pensamos e não “Hum, ele está mesmo acabado”.

A expressão, quebre-se já o suspense, é da responsabilidade do próprio Hugh Grant, conhecido por ser um mestre do humor autodepreciativo, característico também das personagens que o tornaram famoso, como o tartamudeante Charles em Quatro Casamentos e Um Funeral (1994), o livreiro William Thacker em Notting Hill (1999) ou o afável primeiro-ministro David de O Amor Acontece (2003). E o ator haveria de a usar, sempre com direito a parangonas.

A primeira vez foi em junho de 2019 quando uma jornalista da revista The Hollywood Reporter lhe perguntou: “Disse que tem permanentemente um complexo de inferioridade porque é ‘apenas o tipo das comédias românticas’. Isso é verdade?” A resposta veio com as suas hesitações típicas e entre risos: “Bem, sim, mas agora menos, porque fiquei demasiado velho, feio e gordo para as fazer, por isso agora faço outras coisas e tenho um pouco menos de ódio a mim próprio.”

A libertação de Grant

Por essa altura, Grant era quase sexagenário (nasceu em Londres, a 9 de setembro de 1960) e parara de interpretar homens cujo charme advinha de estarem constantemente a desculpar-se pela sua existência. Nos últimos anos, contracenara com Meryl Streep em Florence, Uma Diva Fora de Tom (2016), fizera de vilão no filme Paddington 2 (2017) e chocara o Reino Unido com o seu papel na minissérie histórica A Very English Scandal (2018). Ao dar corpo a Jeremy Thorpe, um político acusado de tentar matar o ex-amante, apagara a imagem de rapaz simpático (nice guy) que o levara até Hollywood.

A segunda vez que o ator recorreu àquele trio de adjetivos foi durante a promoção do filme Wonka (2023), uma prequela de Charlie e a Fábrica de Chocolate (2005), em que faz de Oompa Loompa, os miniajudantes de Willy Wonka (Timothée Chalamet), multiplicados digitalmente. No seu talk show na CBS, a atriz Drew Barrymore falou do seu afastamento do género rom com (de romantic comedy), e ele repetiu, então do alto dos seus 63 anos, ter ficado demasiado velho, gordo e feio, “obviamente”.

Grant é conhecido pela ironia que dispara quase sempre na sua própria direção. Aquela tirada era, também obviamente, uma piada, embora tivesse um fundo de verdade que não lhe provocava nenhuma mágoa.

O facto de não ter vendido a alma ao Diabo tinha-lhe valido a oferta de “coisas mais interessantes”, permitindo-lhe um trabalho “gratificante”, disse a Barrymore, com quem contracenou em Música e Letra (2007). “Melhorei um pouco. E depois também fiquei um pouco menos mau quando tive filhos, casei e fiquei mais feliz.”

Sempre cativante Nos seus papéis agora sombrios, Hugh Grant recupera o passado de nice guy, das muitas comédias românticas em que entrou, para nos surpreender ainda mais

O ator casou-se em 2018 com a sueca Anna Eberstein, mais nova 22 anos, assumindo finalmente a relação que começara no início da década e passara por várias interrupções. Dessa relação nasceram três filhos, entre 2012 e 2018. E Grant tem mais dois filhos, com Tinglan Hong. Chegado a 2023, fazer de Oompa Loompa não ajudava no seu casamento, gozava. “O anterior marido da Anna era campeão de esqui, e agora ela está casada com aquilo.” Um duende cor de laranja.

Numa entrevista já este ano à revista Variety, Grant admitiu que largar as rom com não foi uma escolha consciente. Pura e simplesmente, as ofertas começaram a diminuir, até que o fracasso de bilheteira do filme Ouviste Falar dos Morgans? (2009) o levou a parar. “Passa-se de herói a absolutamente zero no espaço de um segundo”, lembrou, “mas tem sido muito divertido voltar a construir lentamente a carreira e numa nova direção”.

O novo fôlego não foi, porém, imediato. De início, o choque levou-o a “praticamente desistir do mundo do espetáculo”, contou em 2020 à revista de cinema Screen International, durante a promoção da minissérie da HBO The Undoing, em que interpreta o suspeito de homicídio Jonathan Fraser. “Estava envolvido na política britânica [especificamente na campanha Hacked Off, que defendia uma imprensa livre e responsável no Reino Unido], enquanto Hollywood pensava: ‘Não estamos interessados em ti agora, e já estás um pouco velho.’”

O hiato terminou quando o realizador Stephen Frears, seu camarada nessa campanha, insistiu para que fizessem algo juntos e convidou-o a contracenar com Meryl Streep, no já referido filme sobre Florence Foster Jenkins. “Foi ele quem realmente me arrastou de volta para a representação”, recordou então Grant. “E não só me arrastou de volta, como me fez gostar. Há décadas que não gostava de atuar. Agora gosto mesmo.”

“Passa-se de herói a absolutamente zero no espaço de um segundo”, diz Hugh Grant, “mas tem sido muito divertido voltar a construir lentamente a carreira e numa nova direção”

Estava na cara que sim, vimos todos os que assistimos ao seu desempenho no thriller de mistério da HBO em que ele contracena com Nicole Kidman, ao sermos surpreendidos com as profundezas sombrias de um homem aparentemente irrepreensível. E muito porque Jonathan Fraser começa por nos aparecer como um marido e um pai amoroso e encantador, no fundo um tipo semelhante aos antigos heróis românticos de Grant.

O ator tinha pensado em interpretar Fraser como “um seguidor de Nietzsche, um mulherengo e um parisiense pretensioso”. Ganhou a sugestão da realizadora, Susanne Bier, que pensou ser divertido importar o seu género de personagem das rom com, porque as pessoas iriam achar impossível ser alguém capaz de cometer um homicídio. “Portanto, fiz um pouco isso”, explicou o ator, “mas foi uma luta, foi como voltar a vestir uns calções de banho molhados”.

A sensação não terá sido das melhores, mas o resultado compensou – e provou que La Palice tinha razão. Tudo o que Grant fizera para trás podia ser recuperado a seu favor, por causa do fator surpresa. Mais: The Undoing levou-o a casa de muito boa gente que o cristalizara nas comédias delicodoces. O próprio confessaria à revista Brief Take: “É bom libertar-me dessa coisa de ter de ser um ator principal apaixonado.”

Fast forward para o final de 2024 e para a estreia de Herege, filme em que o seu “desempenho subversivo” mereceu excelentes críticas, lemos na Variety. Entre elas, a do New York Times, que começa por descrever um Hugh Grant “exuberantemente vampiro” e termina a aplaudir o facto de ele se ter “soltado” ao envelhecer.

“Grant soltou-se à medida que foi envelhecendo, como se já não estivesse inibido pelo fardo de interpretar o desejável e previsível protagonista romântico. Não está a tentar seduzir ninguém em Herege. Não importa. O prazer que exala como um demónio irredimível é bastante sedutor.”

Os voos de Gere

Escreva-se ainda que Grant meteu a sua colherada no guião em que duas jovens missionárias entram na casa do cativante Mr. Reed para não voltarem a sair. E com diplomacia. “A minha técnica é fazer alguns takes exatamente como escreveram e depois, no quinto take, tentar algo. E fico mesmo à espera da gargalhada abafada vinda do monitor”, contou à Variety. A sua bucha “Nunca tive um[a] Wendy”, de dupla leitura por causa da cadeia de hambúrgueres Wendy’s, foi uma das que os realizadores mantiveram.

Hoje, o ator garante que só aceita um papel quando sente que será algo que vai diverti-lo. O primeiro filme de 2025, Bridget Jones: Louca por Ele, que se estreia em Portugal esta quinta-feira, 13, prova isso mesmo, além de ser a exceção que confirma a sua nova regra de aceitar personagens o mais longe possível do estereótipo do herói romântico. O seu Daniel Cleaver regressa como um aliado de Bridget (Renée Zellweger), que está a lidar com a morte de Darcy (Colin Firth), e ainda flirta com ela, mas nada como dantes.

O próprio explicou à Variety por que razão disse que sim ao quarto Bridget Jones, como sempre baseado num livro de Helen Fielding. “Era sobre uma mulher que lidava com a morte do marido e tinha de criar os filhos sozinha. Talvez por causa dos meus 500 filhos, achei muito comovente e engraçado”, gozou.

Mais a sério, conta como fez “alguns rabiscos”, para ajudar a mostrar o desenvolvimento de Daniel entre os 40 e os 63 anos. “Se eu conhecer bem a personagem, sou muito bom a sugerir diálogos”, diz, sem falsa modéstia. Afinal, já são quase quatro décadas a interpretar personagens no cinema.

Grant estreou-se a fazer teatro, aos 23 anos, acabando por formar uma companhia com alguns amigos. No grande ecrã, arriscou alguma coisa, até ser desviado para as comédias românticas. Antes de explodir com Quatro Casamentos e Um Funeral, foi um homossexual em Maurice (1987), de James Ivory, que chamou a atenção do público e da crítica. E foi ainda Chopin em Impromptu (1991), voyeur em Lua de Mel, Lua de Fel (1992), de Roman Polanski, e narcisista em Jogos de Ilusão (1995).

Agora “a sério” Richard Gere anda há anos a apostar em personagens a milhas do herói romântico em que o cristalizámos. Oh, Canada, que estreia em Portugalno dia 20, poderá ser o filme que o confirma como grande ator

Para a revista Vogue, ele é “o Cary Grant da geração X”, mesmo sabendo que um crítico escreveu, nos anos 90, que tinha “mais tiques do que o Benny Hill”. Mas, para as pessoas nascidas entre os anos 1960 e os anos 1970, há um claro empate entre Hugh Grant e Richard Gere que tantos suspiros provocou com American Gigolo (1980), Oficial e Cavalheiro (1982) e Pretty Woman: Um Sonho de Mulher (1990).

A muitos de nós ainda não caiu a ficha de que Gere tem 75 anos, embora na Wikipedia se garanta que o ator norte-americano nasceu em Filadélfia, a 31 de agosto de 1949. Claro que o seu cabelo já não está castanho-escuro como em 1999, quando a revista People decretou ser ele o Homem Mais Sexy Vivo (um título que soa melhor em inglês, Sexiest Man Alive), mas o seu Bosko da novíssima série The Agency tem uma energia invejável e, sobretudo, é convincentemente interpretado.

“O que se perde com a idade ganha-se em maturidade, o que dá um certo poder de interpretação”, analisa Manuel Halpern, jornalista e crítico do Jornal de Letras, Artes e Ideias, e colaborador da VISÃO.

Será esse o caso de Richard Gere, que recordamos como um belo canastrão (ou um canastrão belo)? Halpern ri-se, mas não faz uma avaliação tão depreciativa do ator. “Ele entrou num Kurosawa…”, lembra.

E tem razão, claro. Gere foi dirigido pelo lendário japonês Akira Kurosawa, em Rapsódia de Agosto (1991), um filme sobre uma velha senhora que ainda sofre por ter perdido o marido quando a bomba atómica explodiu em Nagasaki. O seu Clark, um norte-americano que visita a família e pede desculpas pelo sucedido em 1945, não podia ser mais diferente de Edward Lewis, o empresário rico e solitário que no ano anterior caíra de quatro por Julia Roberts em Pretty Woman.

A obra de Kurosawa poderia ter sido o descolar de uma carreira de “ator sério”, mas foi apenas mais uma com que Gere tentou outros voos e voltou à casa da partida. Estava já marcado por Edward, por azar uma personagem “quase criminosamente mal escrita”, disse na masterclass que deu no último Festival de Veneza.

“Recorri a muitos aspetos do meu pai, que morreu com 101 anos. Foi mais difícil envelhecer do que rejuvenescer”, contou Richard Gere. O resultado é simplesmente fenomenal

“Ele era basicamente um fato e um bom corte de cabelo”, ironizou o ator. E mesmo depois de Gere ter improvisado uma cena mal-humorada ao piano, para que Vivian (Julia Roberts) pudesse ver o interior do seu Edward, aparentemente ninguém deu pelo seu potencial como ator “a sério”.

Em 1991, o seu casamento com a top model Cindy Crawford, curto mas mediático, carregou ainda mais no cor-de-rosa do romance e no dourado fátuo da fama. Richard Gere ascendera ao papel de herói romântico na vida real. Estava feito – e por muito tempo.

Bem mostrou ele ao mundo que era um ativista empenhado, nomeadamente a defender o Tibete para os tibetanos. Nos anos 90, vimo-lo em mais filmes de ação do que em rom coms, mas o estereótipo de nice guy – e oco – colara-se-lhe na pele.

Nessa década, bastaram Mr. Jones (1993) e Noiva em Fuga (1999) para eclipsarem da memória coletiva o seu advogado que faz tudo para ilibar Edward Norton em A Raiz do Medo (1996). Nada de surpreendente, na verdade, se pensarmos que já poucos se lembravam que Gere tinha começado por cima, com o filme Dias do Paraíso (1978), do grande Terrence Malick.

Gere disse sempre que esse era o seu melhor filme – e já tem mais de 55 no currículo. Será que vai mudar de ideias à medida que mais pessoas forem vendo e gostando de Oh, Canada, de Paul Schrader, em que interpreta um realizador em estado terminal?

Oh, Canada, que estreia em Portugal no dia 20, é o primeiro de Gere com Schrader depois de American Gigolo. E é uma delícia vê-lo ora catravelho, ora a interpretar um jovem de 28 anos, em cenas alternadas com Jacob Elordi. O ator teve de ser maquilhado de branco para parecer mais velho, mas não é a maquilhagem que torna excelente esta sua interpretação.

Estar com os filhos

Maturidade, por fim? “Recorri a muitos aspetos do meu pai, que morreu com 101 anos. Foi mais difícil envelhecer do que rejuvenescer”, contou no canal France 5. Seja. O resultado é “simplesmente fenomenal”, lê-se no blogue de cinema Cinapse.

“Desde que [Gere] trocou os filmes de estúdio por produções de menor escala, o seu trabalho tem demonstrado que é um dos atores mais subestimados da sua geração. Em Oh, Canada, dá grande vulnerabilidade e conflito à personagem, tornando-a um mistério que vale a pena resolver.”

Na vida real, Richard Gere não tem pressa de envelhecer nem de passar por aventuras à la The Agency, o remake do thriller francês Le Bureau des Legendes. “Só quero cultivar algo bonito, tomar um chá e estar com os meus filhos [tem três, os dois mais novos com a espanhola Alejandra Silva, de 41 anos]. Fazer amor com a minha mulher. É isso que quero fazer”, disse recentemente, ao site TV Insider.

Está como Hugh Grant, que durante as filmagens de The Undoing, em Nova Iorque, se queixou de não ter os filhos perto. Ambos se encontram numa fase em que já não tentam seduzir ninguém – e sobretudo parecem ter deixado de se importar com o que pensamos sobre eles. E ainda bem.

SEMPRE LÁ EM CIMA

A idade não estragou as suas prestações. Pelo contrário

ROBERT REDFORD
Em 2018, anunciou que O Cavalheiro com Arma, de David Lowery, seria o seu último filme como ator. Tinha quase 82 anos, andava naquilo desde os 21 e pensou: “Já é suficiente.” Forrest Tucker, um ladrão muito peculiar, era uma bela personagem para fechar a carreira. Mas, no ano seguinte, ainda fez um cameo em Vingadores: Endgame, com o seu Alexander Pierce

JEFF BRIDGES
No final do ano passado, pudemos vê-lo a protagonizar a 2.ª temporada da série O Velho (Disney+). Aos 75 anos, o ator interpreta um ex-agente da CIA e está, como sempre, maravilhoso. Com um tumor no estômago, que a quimioterapia reduziu para o tamanho de um berlinde, já prometeu que vai continuar a apostar na televisão.

PAUL NEWMAN
Em 2002, o ator interpretou um chefe da máfia no grande filme de ação Caminho para Perdição, de Sam Mendes. Tinha 77 anos, contracenou com Tom Hanks, Jude Law e Stanley Tucci, e foi nomeado para o Oscar de Melhor Ator Secundário. Se tivesse ganhado, seria a sua segunda estatueta.

Era o primeiro discurso de Pedro Nuno Santos como líder num Congresso. Naquele início de janeiro de 2024, o partido lambia ainda as feridas de se ver apeado do governo depois da demissão de António Costa e, com as legislativas já à vista, Pedro Nuno prometia vitórias não nessas, mas nas eleições seguintes: as regionais (que perdeu), as autárquicas (que o PS prepara agora) e as presidenciais que mereceram uma promessa solene: “O PS apoiará um candidato como há muito tempo não o faz, honrando os melhores presidentes que Portugal já teve.” António Costa estava na primeira fila e, mesmo que não fossem segredo as suas ambições europeias, não faltava quem pensasse que podia vir a ser esse candidato. Com Costa como presidente do Conselho Europeu, Mário Centeno declaradamente fora da corrida e António Vitorino hesitante, aquele que parecia então um candidato altamente improvável está a fazer um caminho que arrisca condicionar a escolha de Pedro Nuno Santos.

“Pedro Nuno está refém de ter dito que ia ter um candidato a Belém”, comenta um alto dirigente socialista, que acredita que o perfil definido na reunião da Comissão Política Nacional do último sábado pode ter estreitado ainda mais o caminho, ao incluir uma referência à necessidade de o candidato ter “uma mundividência socialista”. É que se no PCP, no BE e no Livre há quem não enjeite a possibilidade de uma candidatura da esquerda unida em torno de Sampaio da Nóvoa e se no PS são vários os socialistas que já apoiaram o antigo reitor, caso António José Seguro avance, Pedro Nuno não terá como explicar a falta de apoio a um antigo secretário-geral do seu partido. “O problema é Seguro”, resume a mesma fonte.

Compromisso Pedro Nuno Santos prometeu que o PS apoiaria um candidato socialista. Mas o nome tarda a revelar-se…

António José Seguro é um problema essencialmente porque Pedro Nuno Santos duvida de que possa ser o melhor candidato da área socialista para disputar umas eleições que, um ano antes de acontecerem, parecem ganhas por um candidato, o Almirante Gouveia e Melo, que ainda nem anunciou que o é. Eram, aliás, as boas sondagens que faziam Pedro Nuno pender para o apoio a Mário Centeno, uma figura de quem nunca foi especialmente próximo.

Agora, explica-se no Largo do Rato, o líder “está à espera de que algum diga alguma coisa mais definitiva”, garantindo-se que Pedro Nuno Santos “não tem preferência nenhuma”, como deixou claro na reunião da Comissão Política. Esta falta de preferência pode, contudo, estar já a ser construída com base na ideia – cada vez mais difundida entre quem o rodeia – de que António Vitorino (que ainda está em silêncio) não vai a jogo. O facto de não ter dado um sinal claro e de Seguro estar a fazer o seu caminho, independentemente de quem mais possa aparecer na área socialista, são, acreditam muitos socialistas, motivos suficientes para Vitorino não entrar numa aventura que corria o risco de dividir os eleitores do PS.

Bases do PS veem Seguro “com simpatia”

Enquanto Vitorino hesita e Pedro Nuno espera, António José Seguro segue caminho. Na reunião da Comissão Política Nacional foi o único nome a ser pronunciado por quem falou, mesmo que os que o apoiaram sejam ilustres desconhecidos a nível nacional. “O PS de base vê Seguro com simpatia”, concede um dirigente nacional, explicando que há quem no partido entenda que um apoio às presidenciais será uma maneira de compensar a forma como foi afastado da liderança por António Costa depois de ter vencido as eleições europeias de 2014 “por poucochinho”.

Quem esteve na Comissão Política Nacional – à qual não foram os “seguristas” Francisco Assis e Álvaro Beleza – diz que a reunião deu vantagem a uma candidatura de Seguro. “No mínimo, a Comissão Nacional do PS [que reunirá para discutir os nomes de quem anunciar que pretende ser candidato] ficará dividida”, afirma um socialista.

Rivais André Ventura já anunciou intenção de se candidatar, Marques Mendes já fez o anúncio formal. Aguarda-sea decisão de Gouveiae Melo

Quando, no final de setembro, António José Seguro fez alguns telefonemas para felicitar quem tinha ganhado as eleições federativas no PS, poucos estariam em condições de antecipar que essa reaproximação ao aparelho poderia fazer parte de um regresso à política com Belém à vista. Mas isso ficou mais claro quando Seguro estreou um espaço de comentário na CNN Portugal a 28 de novembro. Nessa altura, o antigo líder socialista deu todas as pistas ao ler o Sísifo, de Miguel Torga. O poema não deixava grande margem para dúvidas e era todo um programa. “Recomeça…/Se puderes/Sem angústia/E sem pressa./E os passos que deres,/Nesse caminho duro/Do futuro/Dá-os em liberdade./Enquanto não alcances/Não descanses./De nenhum fruto queiras só metade.”

Seguro não tem descansado. Se andou quase dez anos a recusar convites, começou a aceitá-los todos. Se andou em silêncio, começou a falar e até a lançar ideias que deixaram alguns socialistas com os cabelos em pé, com a proposta de discutir a possibilidade de o Orçamento do Estado deixar de ser votado, para evitar que haja o risco de uma crise política a cada ano.

A ideia de Seguro que arrepiou o PS

António José Seguro disse que queria “introduzir algumas regras institucionais” para a governabilidade do País. “É apenas uma sugestão: teríamos sempre um Orçamento. O Governo apresenta um Orçamento e ele só seria derrotado, só seria chumbado, se o Parlamento aprovasse um outro Orçamento. O que é que significaria? Se se aprovasse um outro Orçamento, tinha uma nova maioria política e, portanto, poderia governar”, explicou à TSF. “Nem no tempo do Estado Novo”, reagiu António Mendonça Mendes, que faz parte do Secretariado Nacional de Pedro Nuno Santos. “Não conheço nenhuma democracia em que o Orçamento e os impostos não sejam aprovados pelos respetivos parlamentos”, acrescentou Fernando Medina ao Público.

Quando, em setembro, Seguro fez telefonemas a felicitar alguns vencedores de eleições federativas internas, poucos anteciparam que isso fazia parte do seu regresso à política

A proposta de Seguro que arrepiou tantos socialistas só foi feita publicamente depois de o antigo secretário-geral do PS ter almoçado com Pedro Nuno Santos, no final de 2024, mais ou menos na mesma altura em que Pedro Nuno teve um almoço com Mário Centeno, também com Belém na ementa. Desde essa altura, sabe a VISÃO, nunca mais nenhum dirigente socialista voltou a falar com António José Seguro, que, ao contrário do PS, já definiu um calendário para se pronunciar sobre as presidenciais: “Sou um homem livre, não sou condicionado por nenhuns prazos, não sou condicionado por ninguém, tenho os meus próprios prazos. As eleições são daqui a 11 meses, é muito cedo para poder tomar uma decisão. Talvez lá para a primavera ou o início do verão”, disse no seu comentário na CNN Portugal, onde não escondeu o desconforto com Pedro Nuno Santos, ao declarar que “a direção nacional do PS tem claramente um candidato que é António Vitorino”.

Sem ficar à espera do PS, António José Seguro criou o movimento UPortugal, uma espécie de think tank para pensar o País, que, para já, não tem nomes sonantes, mas ajuda a criar uma agenda própria para o putativo candidato presidencial. “É distinto de um movimento para apoio a uma eventual candidatura às presidenciais”, explicou Seguro na CNN sobre a associação que diz ter como objetivo “contribuir para o reforço da participação democrática dos cidadãos e para a promoção de uma sociedade livre, justa, plural, humanista, progressista, coesa, solidária, desenvolvida e ecologicamente sustentável”.

Santos Silva sem tração no PS

Quem parece não ter tração para uma candidatura presidencial é Augusto Santos Silva, que ainda não se pôs fora da corrida, apesar de ter instado quem não está interessado a fazê-lo, sem hesitar em dirigir-se diretamente a Vitorino. “António Vitorino, que é outra das personalidades que poderiam candidatar-se com vantagem para todos, se se quiser excluir liminarmente dessa possibilidade, o que eu digo é que começa a ser tempo de o dizer”, afirmou no Crossfire da CNN.

“As coisas devem ser graduais. Neste momento, não é o tempo de apresentação de candidaturas. Começa a ser o tempo de quem recusar liminarmente essa possibilidade o poder dizer”, respondeu sobre a sua possível candidatura, mostrando que continua disponível, apesar da falta de entusiasmo que gera no partido – a cúpula socialista considera-o demasiado “divisivo” e as sondagens são desanimadoras.

Divisões Em 2006, Manuel Alegre dividiu o PS, que apoiava Mário Soares para um 3.º mandato. Em 2016, foi a vez de Maria de Belém ir a jogo sem o apoio do partido

O estilo truculento de Santos Silva ficou, aliás, notório na forma como afirmou que António José Seguro não cumpre “os requisitos mínimos” para ser candidato a Belém. “Não me parece cumprir os requisitos mínimos de uma candidatura que possa ser apoiada pelo PS e por um vasto campo de forças democráticas. Fica-se pelas banalidades e nós precisamos de mais do que banalidades para Presidente da República”, disse numa entrevista à RTP2, que lhe valeu um coro de críticas, encabeçado por João Soares.

“[Seguro] foi, e continua a ser, objeto de uma campanha de bullying político, tentando diminuir e menosprezar por vezes de forma ignóbil as suas qualidades”, afirmou João Soares, que aproveitou o ensejo para declarar o seu apoio a António José Seguro, caso este seja candidato, e atacou Santos Silva por fazer parte de uma campanha contra o antigo líder do PS que acredita estar “abaixo dos níveis mínimos de civilidade, dignidade e solidariedade” exigíveis em política.

“As palavras de Augusto Santos Silva sobre Seguro são ordinárias”, concordou Ascenso Simões na SIC Notícias, apontando as razões pelas quais o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de António Costa não tem, em seu entender, condições para ser Presidente. “Faltam-lhe dois requisitos essenciais: proximidade com os portugueses e compaixão. É alguém profundamente frio, que nos últimos 30 anos viveu afastado da realidade nacional.”

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Numa breve volta pelos momentos quentes, recordo-me do Chega ser acusado de clonar jornais para partilhar informação falsa nas redes sociais. Mais tarde, de ler que o líder do partido foi condenado por ofensas a uma família do Bairro da Jamaica, no Seixal, a quem chamou de bandidos. Até aqui… chamaria gestão corrente de um partido que nasceu a 9 de abril de 2019 e que necessitava de se afirmar na senda política.

Mas, esse mesmo partido já se apresentou a vários atos eleitorais e, claro, necessitou de identificar/mapear homens e mulheres que, de norte a sul, sem esquecer as ilhas, compõem as suas fileiras, tal qual outro partido político. Por outras palavras, cresceu e é hoje a terceira força política, num país que embora se diga democrático ainda olha com alguma desconfiança para todos os partidos fora do chamado “arco da governação”.

Voltando aos casos, e quando tudo parecia ter tudo para correr bem, eis que quase numa assentada o país fica a saber que deputados – municipais ou com assento parlamentar – do Chega estão acusados de furtar malas em aeroportos, conduzir embriagados, prostituição de menores, participação económica em negócio. Para um partido que convida a “Limpar Portugal” ou que sublinha “Chega de Corrupção”… não bate a bota com a perdigota.

Não há partidos imunes a escândalos e o Chega não é exceção. No entanto, o líder do Chega tem gerido os “casos” em tempo real e, sobretudo, mantendo-se coerente nas posições políticas. E, é exatamente este ponto que me leva a questionar: porque não têm os líderes dos outros partidos – também a braços com escândalos – reação semelhante? Porque não exigem a quem prevarica a renuncia imediata ao mandato? Porque optam por uma estratégia de “passar por entre os pingos da chuva” ou não vi, não ouvi, não falo?

A diferença não está na génese do partido. A diferença está no facto de o Chega já ter chegado ao poder, mas ainda não ser poder. Uma latitude que permite a André Ventura imprimir curativos no Partido, enquanto líderes como Luís Montenegro ou Pedro Nuno Santos apenas imprimem paliativos. Afinal, chegar e manter-se no poder significa ter rede. Uma rede composta por homens e mulheres que, qual formiga, trabalham no terreno de forma incansável e em prol de dias de liderança da sua força política.

Gerir pessoas significa coordenar e orientar equipas de forma eficiente para alcançar objetivos organizacionais. Gerir partidos políticos significa também gerir egos. E um ego mal gerido é suficiente para abalar uma estrutura de base larga (leia-se cacique).

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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