Ora então muito bom dia, caro leitor. Preparado para uma primeira semana de junho quase fresca, comparada com os últimos dias de autêntica brasa? Estivéssemos nós em Varsóvia e até chuva teríamos hoje, a meteorologia a fazer pendant com o estado de alma dos muitos polacos que de madrugada ainda acreditavam ver Rafael Trzaskowski ser eleito Presidente.

Depois de uma contagem de votos renhida, o atual presidente da Câmara da capital, um liberal, pró-europeu, de 53 anos, apoiado pelo primeiro-ministro, Donald Tusk, e pela Coligação Cívica, acabou por perder a segunda volta das presidenciais para Karol Nawrocki, de 42, candidato da oposição populista-direita apoiado pelo partido Lei e Justiça (PiS).

Ao princípio da noite de ontem, Trzaskowski chegou a declarar vitória, por margem mínima – 0,6 pontos –, porque era isso exatamente que a sondagem à boca das urnas lhe dizia. Mas a verdade é que foi o ultraconservador Nawrocki a vencer, com 50,89% dos votos, contra os seus 49,11 por cento (uma diferença de apenas 369 591 votos).

Este artigo é exclusivo para assinantes. Clique aqui para continuar a ler

O conservador Karol Nawrocki venceu a segunda volta das presidenciais de domingo na Polónia, com 50,89% dos votos, contra 49,11% do rival, o liberal Rafal Trzaskowski, após o escrutínio da totalidade dos votos, anunciou Comissão Eleitoral Nacional.

Uma primeira sondagem à boca da urna divulgada no domingo à noite sugeria que Trzaskowski estava a caminho da vitória, mas horas mais tarde as sondagens atualizadas começaram a inverter o cenário.

O resultado indica que a Polónia deverá seguir um caminho mais nacionalista sob o comando do seu novo líder, que foi apoiado pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Nawrocki sucederá a Andrzej Duda, um conservador cujo segundo e último mandato termina em 6 de agosto.

Na sua Figueira da Foz natal, recorda-se de existirem duas livrarias, uma em frente à outra, que fecharam portas. Demoraria décadas até que um espaço dedicado aos livros aí regressasse, tempo em que Miguel Pauseiro, 51 anos, percorreu outras geografias: aos 17 anos, desaguou no Porto para estudar Gestão e em adulto teve experiências empresariais fora do País, em Espanha, Inglaterra, Alemanha. Em 2016, assumiu funções na equipa de gestão do Grupo Bertrand/Círculo de Leitores e, nove anos depois, ascendeu à presidência da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), após o desaparecimento trágico de Pedro Sobral, em dezembro, vítima de atropelamento, de quem foi vice.

Na conversa com a VISÃO, este responsável não precisa da “cábula” do computador aberto à sua frente, para abordar os três meses cumpridos na função e o futuro do mercado livreiro nacional que, em 2024, aumentou 9%. “Arrumámos todos a cabeça e o coração face a uma circunstância difícil, que foi a partida do Pedro. A casa, essa, está arrumada. Durante os três anos do seu mandato, clarificámos uma linha de atuação, que se mostra acertada e que vamos continuar. A APEL é escutada, a sua opinião é tida em conta. Vamos continuar a trabalhar com todos para elevar o setor do livro em Portugal, não apenas pela questão económica, mas pelos benefícios diretos e transversais para o nosso país.”

Face ao gravador pré-desligado, Miguel Pauseiro, um “otimista prudente”, sintetiza: “É fundamental o investimento de apoios fiscais à abertura de novas livrarias, e de bolsas de criação para os artistas. Há que defender a língua portuguesa, como fazem países onde há prémios Nobel – algo bom estão a fazer… E continuar a desafiar os nossos associados para a inovação.” Para breve, há a promessa de apresentar uma proposta para a controversa Lei do Preço Fixo – que o presidente da APEL admite que ficará provavelmente pela fixação do preço em 18 meses. E a inauguração da Feira do Livro de Lisboa, a 4 de junho, onde promete “continuar a valorizar o encontro entre editores, autores e leitores” e apresentar novidades no que respeita à sustentabilidade e à economia circular. Atira só uma semente-pista: “Árvores em troca de livros.”

Números recentemente divulgados pela GFK sobre o mercado dos livros em Portugal revelam que, em 2024, Portugal foi o país europeu que mais cresceu em termos de unidades de livros vendidos (5,9%); as receitas subiram 8,8% em relação a 2023; o mercado livreiro cresceu 9%. Dado que o discurso geral continua a ser o da pequenez do mercado, o ler-se pouco, esta abundância estatística é ilusória?
Não diria que é ilusória. Na verdade, são números concretos, palpáveis, e que continuam a ancorar essa conclusão: as primeiras semanas de 2025 apontam no mesmo sentido de crescimento – em valor e em unidades, muito próximo dos dois dígitos. Ou seja, o crescimento acumulado em unidades, até agora, até está ligeiramente superior a 2024. Agora, o meu grande receio é que seja uma moda passageira, e temos de trabalhar para que não o seja. Regozijamo-nos por este crescimento, naturalmente. Mas, entre 2009 e 2024, o mercado português cresceu em valor 15%, mas perdeu cerca de um milhão de unidades – o que é muito face à nossa realidade.

E o aumento do valor deve-se à atualização dos preços dos livros?
Na verdade, esta atualização de valor até é ilusória porque a inflação aumentou mais. O que significa que, em termos de rentabilidade do setor, esta reduziu. Se olharmos para as unidades per capita no nosso país em 2024… Foram vendidas cerca de 14 milhões de unidades, nós somos dez milhões e meio de pessoas, ou seja, unidades vendidas no mercado português per capita são 1,3. E quando olhamos para o estudo sobre hábitos de leitura que a própria APEL faz, juntamente com a GFK, a amostra aponta para que as pessoas digam que leem quatro a 4,8 livros por ano.

As pessoas inflacionam a resposta para parecerem mais cultas?
Há esse efeito, mas não me parece que desçamos dos 4,8 livros para 2,4. Por exemplo, sempre li muito história, política, geopolítica, biografias: adoro ler o que as pessoas fizeram de bem, de errado, de que forma é que marcaram a História. Hoje, confesso que gostaria de ter lido mais ficção, até para trabalhar nos aspetos da criatividade, porque precisamos de “viajar na maionese”. Mas não sou um leitor ávido: leio seis a oito livros por ano, ao fim de semana e nas férias. Não me preocupa muito se os números são de 4,8 ou 3,5 livros lidos por ano: preocupa-me esse indicador de 1,3 livros per capita vendidos em Portugal, ao compararmos com 1,6 em Espanha, 1,8 em Itália, cerca de três no Reino Unido, cerca de 2,8 nos Países Baixos, 4,7 em França… As sociedades com que nos comparamos têm maiores rendimentos, maior desenvolvimento científico? Sim, mas também leem mais do que nós. Nestes países, leem muito desde cedo, e na escola. Tive colegas ou filhos de colegas a frequentarem, por exemplo, o Liceu Francês, e [a diferença] é da noite para o dia: a carga de leitura que induzem naquelas crianças repercute-se na vida. No outro dia, falava com uma livreira francesa que tem uma “pequena livraria” nos arredores de Paris: fatura quatro a cinco milhões de euros! Venderam-se mais de 320 milhões de livros em França em 2024, e isto dá-lhes escala para faturar o que ela faturou e permite o desenvolvimento da sociedade a que temos de ambicionar. Mas há um caminho longo a fazer. Concretizando-se a tendência destes últimos anos e primeiros meses de 2025, provavelmente ao final de 16 anos, estaremos no mesmo nível de unidades vendidas.

Por cá, as vendas foram comandadas por aparentes fenómenos de moda: best-sellers como A Criada, de Freida McFadden (o livro mais vendido em 2023 e em 2024), sagas de fantasia, Young Adult, autores imparáveis no BookTok… Serve a ambição de criar hábitos de leitura robustos, e que incluam literatura mais exigente, clássicos, autores portugueses…?
Recordo-me de olhar para uma grande estante de livros dos meus pais e de aí ver muito Isabel Allende. As mulheres sempre leram muito mais do que os homens. Admitamos que as senhoras também compram livros para os maridos… O que vou dizer-lhe é emocional: quero que se leia. Quem se habitua a ler e entra na literatura através de algo mais leve, para aliviar a pressão do dia a dia, vai desejar e precisar de ler cada vez mais e evoluir para algo mais denso e robusto.

Essa é uma visão darwinista.
Se calhar, é. Por isso é que, este ano, vamos fazer a terceira edição do Book 2.0 dedicada ao tema A Reinvenção das Espécies. Acredito verdadeiramente que o importante é ler, e que vamos sendo cada vez mais proficientes. Sem fugir à sua questão, há uma categoria de livro que me faz alguma impressão: o Young Adult. Há autores que… ajustam os livros a este género. Isto começou no mercado anglo-saxónico, onde leem mais do que nós, e o mercado é o que é: reage-se… Mas fala numa questão importante: os autores portugueses. Se se lê pouco em Portugal, como é que se passa o hábito da leitura para as novas gerações? Se as famílias não têm hábitos de leitura, como é que os transmitem aos mais novos? Isto passa pelas escolas, e pela relação direta entre professor e aluno. Tenho visto bons exemplos de professores que incentivam assim as crianças: “Tragam os vossos livros preferidos e vamos partilhar.” É um efeito TikTok, mas presencial. Mas iremos chegar a um ponto em que não é preciso simplificar o discurso para os jovens, que têm tantas ou mais capacidades do que nós – porque acredito efetivamente na evolução das espécies.

Tenho visto bons exemplos de professores que incentivam assim as crianças para a leitura: ‘Tragam os vossos livros preferidos e vamos partilhar.’ É um efeito TikTok, mas presencial

Mas crê que o leitor de Young Adult “evoluirá”, por exemplo, para a poesia ou a biografia?
A literatura no seu conjunto está a crescer, e são estes os motores do crescimento do mercado português, juntamente com a literatura importada. A população estrangeira, que é bem-vinda, tem aqui os seus efeitos. Os primeiros indicadores de 2025 apontam para um crescimento de 10% a 11% de crescimento do livro importado, sobretudo em inglês. Mas muita desta literatura importada é comprada por jovens portugueses, que são cada vez mais hábeis em idioma estrangeiro. Enquanto presidente da APEL, não posso deixar de fazer um alerta: não podemos pôr em causa a sustentabilidade da cadeia de valor do livro em português, que, pela sua escala reduzida, já tem desafios. Leia-se em português, apoiem-se os autores em português. Se hoje há poucos autores nacionais que consigam sobreviver da escrita, a falta desse apoio implica terem menos possibilidades para criar.

Um leigo dirá que o fenómeno BookTok parece estar a “salvar a honra do convento” e a sustentar editoras. Este comentário é justo?
Temos de ser agradecidos pelo trabalho que está a ser desenvolvido, pelo espaço e pelo entusiasmo dado ao livro pelos booktokers, mas é um trabalho conjunto entre os booktokers e as editoras que perceberam, a dada altura, que este esforço conjunto traz benefícios para todos – e para toda a sociedade e para o país.

Entre as medidas tomadas para revitalizar a leitura e o mercado livreiro, está o cheque-livro de apenas €20 atribuído a jovens de 18 anos. Milhares ainda não o usaram. Que leitura fez?
Tem havido várias medidas: o cheque-livro, a proposta da BiblioLAB [biblioteca de empréstimo gratuito de livros virtuais], o protocolo agora anunciado entre a Secretaria de Estado da Saúde e a Secretaria de Estado da Cultura para disponibilização de livros em unidades de saúde. São excelentes ideias que podem carecer de alguma afinação, mas temos de as implementar com inovação. Em 2022, quando começámos a falar do cheque-livro, apresentámo-lo com cem euros. Se os estudos mostram que o leitor português diz ler quatro livros por ano, temos de promover a compra regular e consistente – que não se faz com 20 euros. Por outro lado, temos vastas zonas do nosso território onde não há livrarias. Por exemplo, se um jovem de Trancoso quiser ir a uma livraria, vai ter de viajar uns 80 quilómetros até Viseu, o que esgota largamente os €20…

Os problemas com a Chave Móvel Digital, enfrentados por uma geração “tecnológica”, não ajudaram…
Tenho cinco filhos com idades de 24, 23, 19, 10 e 7 anos. São impacientes: pegam no telemóvel e a coisa acontece. Neste caso, “afinal há chave móvel, e é preciso fazer isto e aquilo, e não acontece logo”… E há ainda uma característica cultural muito nossa: o “depois faço”. Na primeira semana da iniciativa, foram emitidos vinte mil cheques-livro. Mas, ao longo dos quase seis meses de duração, foram emitidos 45 mil. E temos um desfasamento enorme entre o número de cheques-livro emitidos e o de utilizados: 14 mil! Então, 14 mil jovens ultrapassaram a barreira do valor baixo e da Chave Móvel Digital, e depois não utilizaram o cheque-livro? €20 que seja é um livro, aproveitem!

Até que ponto está a APEL preocupada com o frenético mercado do livro em segunda mão?
Preocupa-nos porque essa contínua transação levanta questões: então e o direito de autor? Se outro alguém está a monetizar, em que medida é que o autor tem condições para viver da sua atividade? Emprestar livros, sempre se emprestou: ajudou a criar hábitos de leitura, tal como as bibliotecas, para as quais estamos a tentar aumentar o orçamento. Esta partilha do livro é positiva se estiver enquadrada para preservar o direito do autor e os direitos conexos. Por outro lado, há a questão da cópia ilegal. Este é um problema difícil de resolver, transversal ao audiovisual, à música, aos média. Mas não vamos baixar os braços: temos de colocar formas de monitorização e de fiscalização, ser assertivos na penalização dessas situações. Mas nas redes sociais há grupos com dezenas de milhares de pessoas a dizerem: “Olha, manda-me o PDFzinho.”

A APEL já decidiu se participa, ou não, na BiblioLAB?
Estamos disponíveis para colaborar com a DGLAB no sentido de ajustar o modelo pelo qual se optou. Não conseguimos compreender porque é que foi feito um concurso público, e atribuído um valor para a implementação de uma plataforma que já existia, para questões relacionadas com a formação e a manutenção, mas… não para a aquisição. Quem compra, hoje, livros para uma biblioteca? O Estado português. Não é esta plataforma que chega aos editores e diz: “Quero uma margem para disponibilizar os livros.” Quantos livros físicos se compram para bibliotecas? Qual é o valor que se gasta na aquisição de livros novos e na reposição dos que se vão gastando? Há que partilhar números para termos uma noção daquilo de que estamos a falar: em 2024, foram comercializadas 14 700 novas referências no mercado português. Oito mil de referências importadas, sete mil de editores nacionais. Cerca de mil destas novas referências valem praticamente 50% do mercado em unidades [vendidas]. Se as colocássemos em cada uma das bibliotecas do nosso país, estaríamos a falar de 350 mil unidades. Se estas unidades valessem €10, estaríamos a falar de três milhões e meio de euros. As bibliotecas portuguesas compram 350 mil livros? A conversa tem de começar por aí: qual é o catálogo que existe hoje? Nos últimos larguíssimos anos, qual é o trabalho de atualização de catálogo que está a ser feito? Não sendo a biblioteca a fazer compras de livros físicos, que seja o Estado português a investir, que diga qual é a verba disponível, até para que nós, editores, possamos dizer: “OK, para este tipo de produto digital, para X unidades de leitura, para X títulos comprados, o preço é este.”

Trinta livros novos são lançados por dia em Portugal. Há uma bolha à espera de rebentar?
É, de facto, um dos debates importantes que temos de ter de forma transparente no meio livreiro e editorial. O que acontece a esses livros? Ou têm o boost inicial e vendem, ou não vendem e regressam ao stock. A APEL apresentou no Book 2.0 de 2024 um estudo sobre sustentabilidade no qual é referido que, ao longo de dez anos, o livro vai e volta sete vezes dos armazéns para os pontos de venda. O que significa que em largo período eles estão, de facto, fechados nos armazéns. É uma corrida para a frente, o rebentamento da bolha é um dos riscos. Não estou a dizer com isto que não se deve publicar: quem publica faz a sua avaliação e as suas apostas. Há livros que compensam e há livros que são muito malsucedidos? É verdade. Mas cuidado, pois os malsucedidos vão-se acumulando, e alguém está a pagar espaço e transporte. Reduzimos as tiragens? Bem, o custo unitário sobe. Como é que resolvemos isto? Lendo mais. Quando o mercado está a crescer, tudo se acomoda. Mas sabemos que isto é cíclico e que, depois, vêm períodos de contração. Temos de estar preparados e salvaguardar o ecossistema. Todos somos importantes.

Palavras-chave:

Zsa-Zsa Korda, a personagem interpretada por Benicio del Toro em O Esquema Fenício, assemelha-se um pouco àqueles cartoons do Coiote ou do Tom e Jerry, que sofrem as mais inenarráveis tropelias e sobrevivem sempre – apenas com o pelo um pouco chamuscado. A inspiração no cinema animado não é, de resto, novidade em Wes Anderson ‒ aliás, uma das suas obras maiores é a animação O Fantástico Sr. Raposo ‒, mas talvez nunca tenha estado tão próxima do cartoon como aqui.

A propósito da estreia de O Esquema Fenício, o cinema Nimas repõe quatro filmes anteriores de Wes Anderson

Toda a comédia é um delírio exacerbado, com um quê de filme de espionagem e conspiração internacional, característica que também o aproxima da Pantera Cor-de-Rosa, não só da série de animação mas, sobretudo, do conjunto de filmes protagonizados por Peter Sellers.

Del Toro encaixa bem nesse papel de génio imortal, sabe-se lá de quê. Tudo é feito numa lógica de excesso, em que o absurdo atinge tais níveis que deixa mesmo de surpreender. E atente-se: todos temos consciência de que o excesso e a caricatura integram a linguagem da comédia e, por isso, são normalmente toleráveis nesse registo.

Talvez a maior dificuldade – e o que impede este filme de ser simplesmente um objeto hilariante – seja a ideia de consolidação de uma linguagem criativa em direção a uma fórmula. E o problema maior do uso de fórmulas é que deixam de surpreender.

A criatividade extrema de Wes Anderson tornou-se algo expectável. Até porque este delírio cinematográfico fica aquém das obras anteriores: French Dispatch, que tinha um registo próximo, mas era mais bem conseguido; Asteroid City, que seguia um caminho, apesar de tudo, mais sóbrio; e, sobretudo, A Incrível História de Henry Sugar, filme feito para a Netflix a partir de Roald Dahl, em que desenvolve um conceito narrativo e estético com grande originalidade e consistência.

O Esquema Fenício partilha com outras obras de Anderson uma organização episódica, ou por peripécias, estrutura narrativa bastante clássica e simples. Para cada um desses episódios, Anderson serve-se de um dos elementos do seu elenco de luxo, com pequenos papéis atribuídos a atores como Tom Hanks, Scarlett Johansson, Benedict Cumberbatch e Willem Dafoe.

O Esquema Fenício > De Wes Anderson, com Benicio del Toro, Mia Threapleton, Michael Cera > 101 min

Gouveia e Melo está melhor preparado, do ponto de vista logístico e eleitoral, do que se pensava — ou do que pensavam alguns dos outros potenciais ou reais candidatos. Apresentou-se com um discurso lido em teleponto — eficaz e direto, olhos nos olhos — e com apoios de notáveis de todos os partidos.

Temos Almirante. Se não cometer erros de estratégia, e aguentar o escrutínio, mantendo-se afastado das tricas e trocas políticas, este é o candidato ideal, independentemente da sua origem. Um médico deixa de ser médico mesmo que já não exerça? A «lei» é diferente para almirantes, generais e outros oficiais superiores fora do ativo?

O pior que os adversários podem fazer é invocar permanentemente o seu estatuto anterior e o facto de ser um ex-militar, porque isso apenas contribui para atrair mais eleitores para o seu lado. Gouveia e Melo não se pode tornar no saco de boxe dos outros, pela simples razão de que os eleitores tendem a premiar quem está a ser atacado de forma desproporcionada. É o síndrome da proteção.

Vamos ter umas presidenciais agitadas — e conhecemos, para já, apenas dois candidatos e o sentido de voto da AD. Falta tudo, portanto. Mas Gouveia e Melo não veio para perder.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

José Luís Carneiro tem passado os últimos dias ao telefone. São muitas as conversas e todas têm um objetivo: unir o PS, depois daquele que é o momento mais traumático da sua história. Não é de agora que Carneiro estabelece pontes dentro do partido. Esse trabalho começou quando, em 2019, António Costa o escolheu para suceder a Ana Catarina Mendes no cargo de secretário-geral adjunto, uma invenção de Costa para manter a ligação às bases. Até aí, Zé Luís (como é conhecido no PS) tinha estado como secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, depois de ter sido presidente da Câmara de Baião entre 2005 e 2015. Uma das suas tarefas como secretário-geral adjunto era percorrer as estruturas socialistas de norte a sul, e foi isso que fez.

Sempre muito atencioso nos contactos, José Luís Carneiro foi ganhando simpatias e a fama de moderado, que levou para a disputa pela liderança com Pedro Nuno Santos. Mas, agora que Pedro Nuno se demitiu, humilhado pela mais traumática derrota socialista de sempre, Carneiro quer afastar a ideia de que no PS há radicais e moderados. O até agora único candidato à liderança quer unir todos. O problema é que o Secretariado, o único órgão em que poderá mexer antes do Congresso, só tem 15 lugares e, como explica um carneirista, “não cabe toda a gente”. Ainda assim, a mensagem que tem passado é a de que “há outros órgãos em que podem ser úteis”, entre eles o Gabinete de Estudos do partido, que quer pôr a fazer a reflexão sobre como dar a voltar ao desaire eleitoral.

“Não prometo facilidades. Se merecer a vossa confiança, vamos dar tudo por tudo para voltarmos a ser o maior partido português. Com todos, sem acrimónias entre nós e com o máximo respeito por todos os portugueses, vamos conseguir”, disse na Comissão Nacional. O tom geral no partido é, contudo, de desorientação. “O partido está em choque”, vão repetindo os socialistas.

Não só não será fácil lidar com uma situação na qual o PS se vê obrigado a viabilizar a governação da AD, como há um descalabro financeiro que é preciso enfrentar. A subvenção pública emagreceu cerca de 900 mil euros por ano, numa altura em que as contas já não estavam aos níveis daquilo a que chegaram na maioria absoluta de António Costa. “Há um problema estrutural grande”, diz uma fonte socialista, admitindo que terão de ser feitos grandes cortes.

“O partido levou uma pancada valente”, comenta outro socialista, olhando para uma tabela que circula por alguns grupos de WhatsApp do partido e que mostra como voaram votos diretamente para o Chega. “Perdemos os mais pobres dos mais pobres.” Isso é verdade, por exemplo, em Rabo de Peixe, nos Açores, onde o Chega ganhou com 38,47% e a AD teve 30,07%, sendo esta uma das zonas mais pobres do País e com mais beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI).

Banho-maria Alexandra Leitão, Fernando Medina, Duarte Cordeiro e Mariana Vieira da Silva ficam na reserva para o futuro

Alguns socialistas acreditam, contudo, que o PS pode voltar a crescer essencialmente indo buscar votos à AD e ao Livre, mas que esse é um processo longo. “Demorará uns anos até o PS voltar ao poder”, diz um dirigente socialista. Quererá isso dizer que José Luís Carneiro é um líder de turno? Ninguém arrisca dizê-lo assim, mas é isso que pensa a maioria.

“O pior lugar do País é ser líder da oposição. Agora é pior ainda”, resume um socialista, esquecendo-se de que esse lugar pode ser, agora, de André Ventura, e notando que a aritmética parlamentar tolhe a capacidade de iniciativa legislativa de oposição. “Até agora, a esquerda tinha mais votos do que AD e IL juntas. Agora, só com o voto a favor do Chega. A abstenção não basta.” Há uma coisa, no entanto, que Carneiro pode ter a seu favor em comparação com Pedro Nuno. “Tem menos notoriedade negativa.” Carneiro não tem casos como o da TAP no currículo, mas essa vantagem pode durar pouco. “Até agora, tem sido muito bem tratado à direita e à esquerda não lhe ligam. Isso vai mudar. Rapidamente, passará a ser o alvo do Chega. Vai ter de ter um discurso mais afirmativo e mais claro. E é preciso uma afirmação de diferença em relação à AD.”

Caso vença as diretas marcadas para os dias 27 e 28 de junho, uma das primeiras tarefas de José Luís Carneiro será escolher um líder parlamentar. Eurico Brilhante Dias, que foi seu apoiante contra Pedro Nuno Santos e que já esteve nessas funções com Costa, é um dos nomes de que mais se fala. Mas António Mendonça Mendes – que se manteve neutro na última disputa interna, mas entrou para o núcleo duro de Pedro Nuno – é outra hipótese. O mais certo é que a discussão do Programa de Governo se faça ainda com Pedro Delgado Alves a assumir essa função interinamente, uma vez que Alexandra Leitão já anda nas ruas a fazer campanha para a Câmara de Lisboa.

Decisões a tomar nas autárquicas

As autárquicas são precisamente a primeira grande batalha de Carneiro. “É importante ganhar as autárquicas bem para se perceber que o PS não acabou”, argumenta um dirigente socialista. Grande parte do processo foi posto em marcha por Pedro Nuno, mas ainda há coisas por decidir. Faltam escolher candidatos para cerca de 20 câmaras e há situações em que as escolhas foram contestadas pelas estruturas locais e é preciso tomar uma decisão final. No núcleo carneirista assegura-se, contudo, que Carneiro não vai pôr em causa decisões tomadas.

A escolha da candidatura em Lisboa está fechada, mas é preciso decidir o que fazer em matéria de coligações, nomeadamente com o BE. Esta semana, José Luís Carneiro e Alexandra Leitão vão encontrar-se para discutir isso mesmo, ainda que não deva sair daí nenhuma decisão definitiva.

“Trabalhador” e “certinho” são os adjetivos que mais se repetem quando os socialistas falam daquele que deverá ser o seu próximo líder. Carneiro está longe de ser uma figura carismática, mas a forma como se fez ao caminho e o calendário curto para decidir a liderança ajudou fazer dele o homem certo no lugar certo. Fernando Medina e Mariana Vieira da Silva estavam entre os que preferiam ter tido mais tempo para decidir a liderança, mas os autarcas dividiram-se nessa matéria e a Comissão Nacional teve uma votação esmagadora a favor do calendário mais curto.

Com este ou com outro calendário, este não seria também o tempo de Alexandra Leitão – a braços com a campanha de Lisboa – nem de Duarte Cordeiro, que ficou muito marcado pela forma como se viu envolvido na Operação Influencer.

Miguel Prata Roque não está condicionado pelo calendário, mas a maré pode não ser a melhor para avançar. Esta sexta-feira, Prata Roque deve reunir o movimento que criou para a sua candidatura à Federação da Área Urbana de Lisboa do PS, para pensar. Prata Roque tem dito que não acredita em “consensos balofos” e sugere que há “uma tentativa de amordaçar o debate interno”. Mas isso não quer dizer que se apresente a votos às diretas de junho.

Carneiro vai a votos em Congresso?

O mais certo é que Miguel Prata Roque venha a apresentar uma moção de estratégia ao Congresso do PS. Se isso acontecer, os estatutos ditam que será candidato a líder. De resto – e embora os carneiristas digam que ainda estão a analisar os estatutos –, são vários os socialistas que notam que estatutariamente os congressos servem para eleger o secretário-geral, isto é, mesmo que Carneiro seja eleito pelas diretas, terá sempre de ir a votos quando houver congresso.

Para já, a Comissão Nacional aprovou apenas o calendário das diretas. Não se sabe quando será o congresso. Estava previsto para janeiro, que o mais certo era que acontecesse depois das presidenciais. Mas pode haver uma antecipação de calendário e seja marcado para depois das autárquicas.

Entretanto, o próximo secretário-geral do PS terá também de tomar uma decisão sobre presidenciais. Pedro Nuno Santos tinha prometido que desta vez o partido não deixaria de apoiar um candidato. Mas essa posição não vincula o próximo líder e o que foi decidido na Comissão Nacional convocada por Pedro Nuno para debater o tema é apenas que o PS esperará pela definição de candidatos para decidir o seu apoio.

Esta quinta-feira, o candidato Gouveia e Melo junta-se a Luís Marques Mendes no lote dos que já fizeram o anúncio público de que estão na corrida. O que se espera é que António José Seguro faça o mesmo. Se o fizer, e até por ter sido secretário-geral do PS (Carneiro já foi um segurista), o mais provável é que acabe por ter o apoio do seu partido. O que parece mais distante é a hipótese de um candidato a unir a esquerda, como pediu no último fim de semana o BE e como o PCP não desdenharia.

Há benefícios, muitas vezes invisíveis, da emigração qualificada, mesmo numa pequena economia aberta, como a portuguesa, inserida num espaço muito maior como é o da União Europeia. Quem emigra contribui, direta e indiretamente, para o desenvolvimento do seu país de origem, e até melhora a vida daqueles que optam por ficar. Como? Ao alcançarem sucesso, servem de modelo inspirador para que, os que permanecem, estudem mais e conquistem melhores salários e maior bem-estar. Um estudo que aborda estes benefícios indiretos da emigração qualificada, em vários países do mundo, foi publicado no passado dia 22 na revista Science, e tem como um dos autores a investigadora portuguesa Cátia Batista. Intitulado Brain drain or brain gain? Effects of high-skilled international emigration on origin countries (Fuga ou ganho de cérebros? Efeitos da emigração internacional de profissionais altamente qualificados nos países de origem), o artigo foi o pretexto para uma conversa com a também professora na Nova SBE, para quem – e ao contrário do que o título do estudo possa sugerir – o desafio passa principalmente pela criação de incentivos para o aumento da “circulação” de cérebros. Só assim Portugal conseguirá que os jovens qualificados, portugueses ou estrangeiros, residentes em qualquer parte do mundo, queiram trabalhar e viver entre nós.

A emigração do talento é um problema num país como Portugal? A nossa economia está inserida na União Europeia, um espaço muito maior onde se pagam melhores salários…
Não necessariamente. No artigo que publicámos na Science, analisamos os impactos da emigração qualificada no desenvolvimento económico de um país. Para quem sai, emigrar é bom. Nada consegue melhorar mais o bem-estar de uma pessoa do que sair de um país pobre para um país mais rico. A política mais eficaz de combate à pobreza é a emigração. Neste artigo, tentámos perceber como fica o país de origem de quem emigra. Estudámos muitas economias, até mais pequenas do que a portuguesa, em que as taxas da emigração qualificada são enormes. No Canadá, 66% dos licenciados em Engenharia Informática vão trabalhar para o estrangeiro. Na Etiópia, 91% dos doutorados nascidos no país vão para fora. Quando olhamos só para estes números, esquecemo-nos que, quando muitos profissionais qualificados emigram e têm uma carreira de sucesso, criam, entre as pessoas que ficam no país de origem, um incentivo para estudarem mais. Em estudos recentes, demonstrámos esse efeito nos enfermeiros das Filipinas e nos engenheiros informáticos da Índia. São muitos os que emigram, mas os que ficam são em número muito maior. É um exemplo inspirador, um modelo de referência para que, quem fica, comece a estudar mais.

Há outros efeitos positivos da emigração?
Há. Neste estudo, fizemos um esquema dos efeitos indiretos positivos da emigração. Geralmente, olhamos para os que saem, mas esquecemo-nos dos efeitos indiretos nos que ficam. Quando as entidades públicas e os empregadores percebem que muitos enfermeiros, engenheiros informáticos ou outros profissionais estão a sair de um país, oferecem melhores condições para os reter, o que acaba por ser bom para quem decide permanecer.

Atrair o talento Para Cátia Batista, são as perspetivas de carreira, e não o salário e os impostos, que fazem a diferença para quem regressa

E também há transferência de dinheiro, através das remessas dos emigrantes.
Durante muito tempo, o maior benefício da emigração era a entrada de dinheiro, através das remessas financeiras. O dinheiro ajuda o investimento em educação, saúde, novos negócios. Há todo um conjunto de benefícios que vem com o dinheiro, mas esse já estava estudado.

Estamos a investir recursos na qualificação dos jovens que vão aplicar esses conhecimentos nos países mais ricos, a troco de melhores salários. Temos cada vez menos jovens, vamos ter cada vez menos crianças e vamos ser cada vez mais um País de pais e avós desacompanhados. Este tipo de discurso está muito enraizado em Portugal. Como devemos lidar com ele?
Não é necessariamente verdade que o País vai ficar mais deserto. Investir em educação é positivo. Nem todas as pessoas saem. Muitas ficam. Os efeitos indiretos da emigração, que são menos imediatos, estão a contribuir para o dinamismo económico, fazendo com que as pessoas que ficam em Portugal estejam melhor por causa das que saíram. O discurso público, e até político, usa estes argumentos, mas a literatura diz-nos que não é assim. Os emigrantes, mesmo quando estão fora, estão a contribuir para o desenvolvimento do país. Não deixam de ter contacto com o país de origem. Os países com mais emigrantes criam relações económicas mais robustas com o exterior, atraem mais investimento e criam mais e melhores empregos. O emigrante é um embaixador do país. Quando promove o desenvolvimento económico, quando faz remessas financeiras, está a pagar de volta as suas propinas [universitárias]. Quando investimos na educação dos jovens que vão para fora, o dinheiro não está perdido. Está é a voltar de uma forma que não é tão óbvia.

Que dados nos mostram isso? Como é que consegue provar?
Não temos um estudo feito para Portugal, mas há países com os quais podemos traçar um paralelo e que indicam esta direção. São países muito diferentes, por vezes com tendências de emigração mais demarcadas do que em Portugal.

Qual é o problema dos dados em Portugal? Porque é que este estudo tem uma investigadora portuguesa, mas não estuda o caso português?
A União Europeia continua a ser o principal destino de quem sai de Portugal, mas não há um registo obrigatório das saídas. Os únicos dados fidedignos são os dos Censos, efetuados de dez em dez anos. A periodicidade é muito alargada e, por isso, é difícil fazer um retrato rigoroso. Os países analisados neste artigo são aqueles em que há uma política de obrigatoriedade de vistos. Em Portugal, não temos estudos que façam uma medição rigorosa do impacto da emigração qualificada, mas fizemos, no Centro NovAfrica, da Nova SBE, um estudo sobre o impacto em Cabo Verde dos emigrantes mais qualificados, que estão maioritariamente em Portugal e têm, em média, o 12º ano completo. À chegada, oferecemos-lhes uma aplicação no telemóvel que lhes dá informação sobre a integração em Portugal: como regularizar a sua situação, como procurar um emprego mais próximo das suas qualificações, como procurar casa, como aceder a serviços públicos, nomeadamente de saúde, etc. Verificámos que não só estes imigrantes melhoraram a satisfação com o emprego, como registaram maiores taxas de regularização. Mas mais interessante foi o impacto nas famílias que permaneceram no país de origem. Estes imigrantes, que estão mais integrados, são aqueles cujas famílias apresentam maior índice de participação política nas últimas eleições em Cabo Verde, e que cumpriam normas de género mais igualitárias entre homens e mulheres. É um exemplo, mas há outros estudos mencionados no artigo da Science com os mesmos efeitos. Quando as pessoas emigram, há toda uma transferência de conhecimentos para o país de origem.

Os emigrantes são as pessoas mais qualificadas, mas quando chegam a um país estão abaixo do seu potencial, principalmente se não dominam a língua

Mário Centeno, governador do Banco de Portugal e especialista em mercado de trabalho, diz que não somos um exportador líquido de talento porque os imigrantes que entram, também qualificados, superam os que emigram.
Concorda?
Falta fazer a caracterização dos imigrantes que estão a chegar a Portugal. De acordo com o último Censos, feito a seguir à pandemia, a qualificação dos imigrantes é superior à média nacional. Pode haver alguma mudança ligeira nestes últimos anos, mas, em média, as pessoas que chegam são mais qualificadas do que a média dos portugueses.

É verdade que entram muitos imigrantes qualificados, mas normalmente têm empregos que não correspondem às qualificações. O que acontece é que exportamos talento para empregos qualificados, mas importamos talento para empregos menos qualificados...
Não é um exclusivo de Portugal. Os emigrantes são geralmente as pessoas mais qualificadas e mais empreendedoras, mas, quando chegam a um país, estão abaixo do seu potencial, principalmente quando não dominam a língua. É a chamada curva da assimilação. Com o tempo, vão conseguir encontrar um emprego mais adequado às suas qualificações. O reconhecimento automático das qualificações é difícil porque as qualificações de outros países nem sempre se encaixam nos nossos requisitos, mas pode dar-se formação para acelerar a integração e evitar o desperdício de talento. Mas demora tempo.

O desajustamento nas competências dos imigrantes não explicará o facto de a produtividade nacional não estar a evoluir como deveria, ao mesmo tempo que os países mais desenvolvidos da Europa estão a usar os nossos emigrantes para aumentarem ainda mais a sua própria produtividade? Nesta troca, estamos do lado perdedor?
Infelizmente, os nossos emigrantes também estão sujeitos ao mesmo. No Luxemburgo, onde me encontro de licença sabática, vejo portugueses licenciados a fazerem trabalhos abaixo das suas qualificações porque ainda não encontraram melhor. O desajustamento nas qualificações aplica-se tanto aos portugueses fora de Portugal como aos imigrantes em Portugal. Vejo pessoas com cursos superiores a fazerem trabalhos de limpezas, mas preferem continuar por cá porque acham que vão conseguir um emprego mais próximo das suas qualificações. Curiosamente, no Luxemburgo, com uma taxa de imigrantes de 50%, não há populismos. Temos a França e a Alemanha a fechar fronteiras, mas o Luxemburgo continua superaberto, e é o país que mais imigração tem.

De partida Quem emigra, melhora a sua vida e também a daqueles que ficam para trás, adianta o estudo publicado na Science

Não há um reforço dos partidos de extrema-direita no Luxemburgo?
Não. Num país pequeno e aberto, todos reconhecem o contributo que os imigrantes dão e não passa pela cabeça de ninguém fechar as portas. Muitas vezes, o voto populista tem mais força nos sítios com menos imigrantes e menos dinamismo económico.

É um caso de estudo…
Quando se diz que Portugal tem uma percentagem muito alta de imigrantes, não é verdade. Estamos no meio da tabela na Europa. O problema é que quando o aumento da imigração é muito rápido, é difícil garantir a integração das pessoas. São as dores do crescimento.

O governo da AD apostou no IRS Jovem como medida para reter o talento através de incentivos fiscais. É a direção certa?
Tenho feito bastante investigação sobre as motivações que levam as pessoas a sair do país, especialmente no caso dos emigrantes qualificados, e não é necessariamente o salário ou a redução nos impostos que faz a diferença. Tem de ser feito um estudo rigoroso sobre o impacto da medida, mas, olhando para aquilo que sabemos, não é provável que tenha muito sucesso.

Porquê?
Os jovens qualificados saem do País à procura de experiências profissionais que os enriqueçam. Alguns resolvem ficar e investir nessas carreiras, outros voltam para Portugal e trazem mais conhecimento. Obviamente que queremos melhorar a atratividade de Portugal para aqueles que querem regressar. Ganharam experiência e trazem não só a qualificação que levaram mas todas as qualificações adicionais que conquistaram e que podem ser muitíssimo úteis ao País. Um português que tenha estado fora tem uma vantagem brutal. Mas não existe uma política de atração do talento, e isso é superimportante. É um motor de desenvolvimento que vai criar melhores negócios, melhores salários e atrair pessoas mais qualificadas.

Essa política de retorno do talento nacional e também de captação do talento estrangeiro existe, mas é sobretudo fiscal…
Um emigrante português num país europeu tem boas condições financeiras. Se voltar, não é pelo dinheiro. Por mais incentivos fiscais que lhe possam dar, vai sempre perder poder de compra. Uma política de atração de talento tem de ser alargada. Não é só mexer nos impostos. Os impostos podem servir como incentivo temporário, para facilitar a adaptação, mas não chegam. É preciso garantir oportunidades de carreira interessantes, habitação, creches… Uma estratégia alargada também vai contribuir para que a produtividade nacional aumente, com melhores salários. Quando se consegue trazer um conjunto de pessoas qualificadas, com investimento e com salários mais altos, isso acaba por se transferir para o resto da economia. Essa é a minha visão otimista, quase esperançosa.

B.I.

É professora catedrática de Economia na Nova School of Business and Economics (Nova SBE). Atualmente, encontra-se de licença sabática no Luxemburgo, a desenvolver investigação no Luxembourg Institute of Socio-Economic Research (LISER)

Fundadora e diretora científica do centro de investigação NOVAFRICA (Nova SBE)

É investigadora associada nos centros de investigação CReAM (Londres), IZA (Bona) e JPAL Europe (Paris)

É licenciada em Economia pela Universidade Católica de Lisboa e doutorada em Economia pela Universidade de Chicago

Lecionou na Universidade de Chicago, Universidade de Oxford, Trinity College de Dublin e Universidade de Notre Dame

As suas áreas de investigação estão centradas nos temas das migrações internacionais e fluxos de remessas, inclusão financeira, empreendedorismo, adoção de tecnologia, educação e avaliação de políticas de desenvolvimento

Desenvolveu trabalho no terreno em países como Cabo Verde, Gâmbia, Irlanda, Quénia, Portugal, Moçambique e São Tomé e Príncipe

Trabalhou no Fundo Monetário Internacional, foi consultora para o Banco Mundial e para o Centro Internacional de Crescimento

Palavras-chave:

Quase 180 anos e muita evolução científica se colocam entre a primeira cirurgia feita com anestesia geral e os procedimentos anestesiológicos atuais, suportados por tecnologias com sistemas de Inteligência Artificial e fármacos em que a genética e a nanotecnologia começam a ter um papel relevante.

O dentista William Morton e o cirurgião John Warren foram revolucionários em 1846 quando, no Hospital Geral de Massachusetts, nos Estados Unidos da América, anestesiaram um paciente para o operarem sem dor a um tumor no maxilar. A revista científica New England Journal of Medicine considera que esta foi “a centelha crucial da transformação, o momento que mudou não apenas o futuro da cirurgia, mas o da medicina como um todo”. William Morton utilizou um gás que permitia a anestesia e a ausência de sofrimento. No fim da cirurgia, e virando-se para a galeria cheia de estudantes de Medicina, John Warren exclamou: “Senhores, isto não é uma farsa!”

William Morton deu à sua invenção o nome de Letheon, a partir do rio Lethes, que segundo a mitologia grega era o rio do esquecimento – beber das suas águas fazia-nos esquecer memórias dolorosas. Uma história bonita, mas, na verdade, a mistura de Morton era apenas éter retificado.

A primeira vez?
O dentista William Morton e o cirurgião John Warren usaram éter para anestesiar um paciente para o operarem sem dor a um tumor no maxilar, em 1846, no Hospital Geral de Massachusetts, EUA Fotos: GettyImages

Um ano antes, em 1845, William Morton já tinha participado noutra demonstração, em Harvard, dirigida por Horace Wells, desta vez com óxido nitroso (gás hilariante), mas foram descredibilizados quando o pobre estudante que se tinha submetido a uma extração de um dente gritou de dor no auditório.

As substâncias que também são usadas de forma “recreativa” têm uma longa ligação ao entorpecimento da dor. Ainda hoje, tendo em conta que a cetamina, por exemplo, é uma das drogas que podem estar presentes na mistura. Antes da invenção da anestesia, era o álcool que aliviava o tormento de ser operado consciente. Para os mais abonados, naturalmente, tratados em casa, porque quem se dirigia aos hospitais mais não levava do que um pedaço de couro para colocar entre os dentes.

Há registos muito antigos do uso de cascas de salgueiro, mastigadas para tratar febre e dores várias. Os incas usavam folhas de coca como anestesia quando realizavam as trepanações cranianas. Na Europa da Idade Média era comum o uso da esponja soporífera, que se dava a cheirar aos pacientes depois de mergulhada numa mistela que continha ópio.

O próprio éter era, no século XIX, um inebriante comum. Foi assim que o médico Crawford Long descobriu as suas propriedades anestesiantes, fazendo amputações e extirpando tumores, anos antes de William Morton. A luta pela paternidade da anestesia não foi bonita e a ganância até fez Morton querer patentear o éter, coisa que não conseguiu.

Avanços espantosos

Antes deste momento, uma amputação ou a mera extração de um dente eram atos dolorosos e muitas vezes exigiam contenção física do doente. Para abreviar o suplício do paciente, o cirurgião trabalhava o mais rápido possível, em detrimento da qualidade do ato médico. Ao operar de forma muito lenta e cuidadosa, o cirurgião passou a poder também ir cauterizando os vasos sanguíneos, à medida que avançava, camada a camada.

A invenção foi desde logo benéfica também para as mulheres em trabalho de parto. A rainha Vitória deu o exemplo, em 1853, ao inalar vapores de clorofórmio enquanto dava à luz o príncipe Leopoldo. E, durante a Guerra Civil Americana, as amputações foram um pouco menos violentas do que nas guerras anteriores.

Hoje já não se pode apenas falar em controlo da dor quando se pensa na anestesia numa cirurgia. É preciso acrescentar à analgesia outros dois pilares: amnésia, ou seja, estado de inconsciência, e imobilidade do corpo com relaxamento muscular. “Estes três componentes dizem respeito à anestesia geral. Há também a anestesia regional, na qual é possível o doente estar acordado e ser operado”, explica Fernando Abelha, diretor do Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de São João, no Porto.

Na anestesia regional são anestesiados apenas os nervos que dão sensibilidade à região a ser tratada, por exemplo, uma perna ou um braço. Quando está em causa a manipulação do sistema nervoso central, é possível anestesiar de forma temporária o corpo apenas do umbigo para baixo, sendo o exemplo mais comum as epidurais para partos ou cesarianas.

Se William Morton e John Warren visitassem um bloco operatório do século XXI, “provavelmente não reconheceriam nada, porque surgiram novos fármacos e temos meios de monitorização que não existiam na altura. Eles só conseguiam controlar de forma indireta, medindo o pulso e observando o doente”, diz Fernando Abelha.

Um ventilador vintage A respiração artificial foi descrita pela primeira vez em 1856 pelo neurologista Marshall Hall. Uma bênção contra a asfixia

Numa cirurgia, o anestesiologista verifica diversos sinais vitais do paciente, como a frequência cardíaca, a pressão arterial, a oximetria de pulso, a quantidade de oxigénio em circulação ou os fármacos administrados. “É praticamente impossível fazer uma mistura hipóxica [com pouco oxigénio], porque monitorizamos os gases que administramos, seja oxigénio ou um anestésico volátil, e verificamos a profundidade anestésica através de uma eletroencefalografia modificada para, com alguma segurança, certificar que o doente está adormecido. Assim, minimizamos o risco de o paciente poder acordar, mas com fármacos que o impedem de se mexer. Isso é quase um mito, apesar de já ter dado origem a filmes…”, constata Fernando Abelha.

A Inteligência Artificial tem aqui um papel relevante. “O eletroencefalograma modificado é a Inteligência Artificial a permitir novas maneiras de olhar o cérebro, até para reconhecer a oxigenação cerebral, coisa que era impensável há alguns anos”, salienta o especialista.

Em paralelo, cresce a preocupação com os efeitos do trabalho do anestesiologista meses após uma intervenção. “As causas de mortalidade anestésica andam à volta de um por 100 mil doentes. É uma raridade. No entanto, sabemos que algumas coisas que fazemos no período perioperatório [antes, durante e depois da cirurgia] podem, de alguma maneira, resultar em melhores resultados seis meses ou um ano depois”, diz Fernando Abelha, que tem desenvolvido investigação sobre qualidade de vida no pós-operatório.

Os pacientes idosos recebem particular atenção nesta área, porque têm maior probabilidade de sofrer de disfunção cognitiva e padecer de delirium. “O delirium é uma disfunção neurológica grave no período operatório mais imediato. É uma alteração do estado da atenção”, explica Fernando Abelha.

O impacto do trabalho dos anestesiologistas na oncologia também está em estudo para se perceber até que ponto, mudando a técnica anestésica, se reduz o reaparecimento de tumores e a disseminação de metástases. “Essa investigação é fabulosa e alguns resultados dizem que a utilização da anestesia regional diminui a incidência de metástases, a incidência de recidiva de tumores quando comparada com a utilização de fármacos como os narcóticos”, constata Fernando Abelha.

Dos fármacos aos elétrodos

Houve sempre questões em torno do impacto dos anestésicos na vida dos pacientes. O éter usado na primeira cirurgia com anestesia era muito inflamável. O clorofórmio que se lhe seguiu, em 1847, causava lesões hepáticas ou mesmo morte súbita. Em 1898, a Bayer pôs à venda um novo anestésico que não causaria adição: a heroína. Hoje, ninguém se surpreenderá ao saber que, afinal, os resultados foram exatamente opostos e a empresa teve de retirar a heroína do mercado.

Conhecendo a segurança com que são utilizados os mais recentes medicamentos para anestesiologia, estes exemplos quase parecem anedóticos. De qualquer modo, “a medicina da dor tem evoluído cada vez mais para técnicas que permitam libertar as pessoas dos medicamentos e devolvê-las à vida normal”, diz João Galacho, anestesiologista especialista em Medicina da Dor nas clínicas Paincare – Tratamento Avançado da Dor.

A mortalidade anestésica anda à volta de um por 100 mil doentes. É uma raridade

Fernando Abelha, Diretor do Serviçode Anestesiologia do Centro Hospitalar de São João

A neuromodulação e a neuroestimulação são terapêuticas não farmacológicas baseadas em eletricidade que respondem a esta filosofia de trabalho. “Colocamos dispositivos na coluna, na medula ou junto aos nervos. Dispositivos que, através de tecnologia biomédica, criam corrente elétrica no nervo para modular, alterar o funcionamento do nervo e a informação que esse nervo encaminha para o cérebro, que é o sítio onde sentimos a dor. Utilizamos o mecanismo de funcionamento dos nervos para mudar aquilo que eles estão a transmitir ao nosso cérebro”, elucida.

Um ou mais elétrodos são implantados, através da pele, no corpo para que, juntamente com um aparelho de controlo, o paciente receba cuidados personalizados. Assim, o “doente tem perceção de melhoria da dor, melhoria da capacidade funcional diária, melhoria do sono e melhoria do humor”, acrescenta o especialista.

Tudo mudou ao longo do tempo, mas há algo que parece ter-se mantido imutável desde que William Morton anestesiou o primeiro paciente numa cirurgia. Hoje, como antigamente, os anestesistas procuram diminuir a dor e melhorar a qualidade de vida do doente.

Da mandrágora à farmacogenética

As drogas que encontramos na anestesia

A procura de métodos anestésicos é milenar, no entanto, muito mudou desde que os cirurgiões do Império Romano recomendavam o uso de mandrágora e vinho. Os incas apostavam nas folhas de coca e na Europa da Idade Média dava-se a cheirar ao doente uma esponja embebida em ópio. Antes da inovadora introdução do éter, em 1846, usou-se o “gás hilariante” (óxido nitroso). Seguiu-se o clorofórmio, em 1847, e a cocaína em 1877 para utilização na anestesia local. Estes fármacos foram sendo progressivamente substituídos por outros, como o anestésico local injetável novocaína e o anestésico para indução e manutenção da anestesia geral, halotano. Entre as décadas de 70 e 90 do século XX, foram lançados outros medicamentos, como o anestésico propofol, o bloqueador muscular vecurónio ou a famosa cetamina, agora tão em voga como tratamento de depressões resistentes. Usada também no mercado negro como “droga alucinogénia”, a substância apresenta “inúmeras vantagens em relação aos fármacos clássicos porque é a única que conjuga a hipnose com a analgesia”, explica o médico João Galacho. No entanto, “tem uma série de efeitos secundários (como as alucinações visuais e auditivas…), que a tornam longe de ser perfeita”.

Atualmente, a investigação científica está a usar a genética e a nanotecnologia para levar a farmacologia mais longe. Por exemplo, para aumentar a duração da bupivacaína, foi criada a bupivacaína lipossómica, em que o medicamento está contido em nanopartículas e é libertado lentamente para o nervo, estendendo o seu efeito por 36 ou 48 horas. Por outro lado, a farmacogenética avalia as alterações genéticas de um indivíduo para perceber como é que um medicamento específico é metabolizado pelo corpo. Após isso, o médico adapta a dosagem em conformidade com os resultados.

Pequena história da anestesiologia

Entorpecer a dor tem técnicas milenares. Mas consideramos aqui os últimos dois séculos

1846
No Hospital Geral de Massachusetts, William Morton e John Warren anestesiaram pela primeira vez um paciente para o operarem a um tumor no maxilar, usando éter retificado. No entanto, o médico Crawford Long já o teria feito, anos antes, com vários pacientes seus, mas só viria a publicar as suas descobertas em 1949, depois de Morton.

1847
O anestésico clorofórmio é utilizado num parto pela primeira vez em Edimburgo, na Escócia, por James Simpson.

1853
Alexander Wood, em Edimburgo, na Escócia, combina uma seringa com uma agulha oca, criando a injeção hipodérmica. No mesmo ano, a rainha Vitória populariza o uso do clorofórmio, inalando os seus vapores enquanto dava à luz o príncipe Leopoldo.

1854
O professor de canto Manuel Garcia descobre o uso de espelhos para ver a laringe, iniciando a laringoscopia indireta.

1856
A respiração artificial é descrita pela primeira vez na revista científica The Lancet pelo médico Marshall Hall.

1884
Karl Koller, um oftalmologista vienense e amigo de Sigmund Freud, começa a usar a cocaína nas suas cirurgias.

1891
Heinrich Quincke leva a técnica de punção lombar para a prática clínica.

1895
Em Berlim, Alfred Kirstein faz a primeira laringoscopia direta.

1898
A primeira anestesia raquidiana (na espinal medula) é administrada por August Bier, usando cocaína.

1900
Primeiro relato de utilização de anestesia raquidiana para parto vaginal, feito por Oskar Kreis.

1917
Henry Boyle desenha a sua primeira máquina de anestesia.

1923
Winfield Ney opera pela primeira vez um tumor cerebral sob anestesia local.

1975
Nakajima testa o oxímetro de pulso desenvolvido pela empresa japonesa Minolta.

1994
A empresa norte-americana Aspect Medical Industries desenvolve o eletroencefalo-grama modificado (Bispectral Index – BIS) para monitorizar a profundidade anestésica.

2001
Começa a ser comercializado o primeiro videolaringoscópio, o GlideScope.

Palavras-chave:

Os nomes de Rafal Trzaskowski e de Karol Nawrocki podem ser facilmente confundidos para quem não segue a política polaca ou não está familiarizado com a língua do quinto país mais populoso da União Europeia e que é, desde há muito, um dos territórios mais problemáticos do Velho Continente. Convém, no entanto, que se comecem a vincar as diferenças entre os dois homens que, no próximo domingo, 1 de junho, vão disputar a decisiva segunda volta das eleições presidenciais. Apesar de, na primeira votação, a 18 de maio, eles terem ficado separados por apenas 1,8% de votos, a verdade é que têm muito mais a separá-los. Eles personificam, de facto, dois projetos antagónicos, que dividem a Polónia há mais de uma década e que, neste momento, representam também o pulsar de duas visões opostas do mundo.

Rafał Trzaskowski, de 53 anos, presidente da câmara de Varsóvia, é um liberal, pró-europeu e assume-se como o rosto da reaproximação da Polónia à União Europeia, apoiado pelo primeiro-ministro Donald Tusk e pela Coligação Cívica, que venceu as legislativas de outubro de 2023. Karol Nawrocki, de 42 anos, historiador nacionalista, é apoiado pelo partido Lei e Justiça (PiS), que governou o país com mão de ferro entre 2015 e 2023, e tem como objetivo, no caso de ser eleito, continuar a bloquear as tentativas do atual governo para avançar na reforma democrática e restaurar a independência judicial, como tem feito, desde há ano e meio, o Presidente cessante Andrzej Duda.

Só um vencerá Karol Nawrocki e Rafal Trzaskowski vão disputar a presidência da Polónia voto a voto

As diferenças entre os dois homens ficaram particularmente vincadas nas manifestações que, no último fim de semana, ocorreram em simultâneo e em paralelo em algumas das avenidas e praças mais emblemáticas de Varsóvia. Os dois cortejos seguiram direções opostas como os caminhos que preconizam para a Polónia e para o mundo. “De um lado, um desfile eclético, com os manifestantes a empunharem bandeiras da Polónia, da UE e do arco-íris, de uma Polónia decididamente europeia”, observaram Hélène Bienvenu e Jakub Iwaniuk, correspondentes do jornal francês Le Monde, em Varsóvia. “Do outro, uma procissão uniforme, exclusivamente vermelha e branca, com conotações nacionalistas, acusando ‘os da oposição’ de serem uns traidores prontos a vender o país a interesses estrangeiros e a importar ‘ideologias’ progressistas vindas do Ocidente”, acrescentaram, a vincar as diferenças.

“Toda a Polónia está a olhar para nós. Toda a Europa está a olhar para nós. O mundo inteiro está a olhar para nós”, disse Trzaskowski no seu discurso a uma multidão que a agência oficial calculou em cerca de 140 mil pessoas.

“Sou a voz de todos aqueles cujos gritos não chegam a Donald Tusk”, proclamou, por seu lado, Karol Nawrocki, à multidão de cerca de 50 mil pessoas, em que se viam também alguns cartazes de apoio a Donald Trump. “Sou a voz de todos aqueles que não querem que as escolas polacas sejam espaços de ideologia, que a nossa agricultura seja destruída ou que a nossa liberdade seja retirada”, gritou.

Quanto vale a extrema-direita?

As sondagens têm mostrado os dois candidatos mais ou menos empatados, embora com ligeira vantagem para o atual presidente da câmara de Varsóvia – que, há uns meses, no entanto, era dado como o favorito quase incontestável. O problema é que o governo de Donald Tusk tem vindo a perder popularidade, já que não conseguiu pôr em prática muitas das reformas que prometeu. E mesmo que apresente como atenuante a constante obstrução praticada pelo ainda Presidente Andrzej Duda, a verdade é que o descontentamento acabou por gerar maior apoio à extrema-direita.

A estabilidade política em Varsóvia é crucial para a estabilidade europeia, uma vez que a Polónia desempenha um papel central na arquitetura de segurança da UE

Na primeira volta, os terceiros e quartos lugares foram ocupados por Sławomir Mentzen, do partido radical de direita Konfederacja, com 14,8%, e pelo agitador antissemita e anti-UE Grzegorz Braun, com 6,3%. Agora, a forma como penderem esses cerca de 20% de votantes será determinante para o resultado final.

Até porque os candidatos à esquerda obtiveram resultados modestos. Todos juntos, desde ambientalistas a extrema-esquerda, apenas conseguiram 15% dos votos. E Trzaskowski terá de procurar atrair esses segmentos do eleitorado, apesar de ter desenvolvido a maior parte da sua campanha a tentar conquistar os votos da direita.

O resultado final será, para todos os efeitos, clarificador. Caso Trzaskowski vença, o primeiro-ministro Donald Tusk (que foi presidente do Conselho Europeu entre 2014 e 2019) poderá finalmente desbloquear a sua agenda, consolidar o regresso da Polónia ao núcleo duro da UE, restaurar o Estado de Direito e permitir a normalização das relações com Bruxelas. Na hipótese de vitória de Nawrocki, isso significará que, afinal, a derrota do PiS, nas legislativas de 2023, perante uma grande coligação, foi apenas um revés temporário. E que o partido há muito liderado por Jarosław Kaczyński (que foi primeiro-ministro entre 2006 e 2007, quando o seu irmão gémeo era Presidente) reforçaria o poder de bloqueio, fazendo aumentar a instabilidade e, porventura, até desencadear eleições antecipadas.

Teste à Europa

A estabilidade política em Varsóvia é crucial para a estabilidade europeia, uma vez que a Polónia desempenha um papel central na arquitetura de segurança da UE. Além de ser o maior país do Leste da União Europeia, é um dos pilares da NATO na frente oriental e o aliado com maior orçamento militar de toda a organização, projetando gastar, este ano, 4,7% do PIB em defesa e armamento. Para mais, desde a invasão russa, Varsóvia tem tido uma voz extremamente ativa no apoio militar e humanitário a Kiev, na defesa de sanções duras contra Moscovo e na pressão para uma resposta unida do Ocidente.

O resultado destas presidenciais terá, por isso, um impacto direto na política externa da Polónia e, por tabela, na coesão da União Europeia. Trzaskowski promete manter e reforçar o apoio à Ucrânia, aprofundar a integração europeia e alinhar Varsóvia com o eixo Berlim e Paris. Nawrocki, por seu lado, joga todas as suas cartas num discurso nacionalista exacerbado, em que critica a presença de refugiados ucranianos no país e defende uma política externa mais alinhada com Donald Trump e, por isso, menos “amiga” de Kiev. Num país em que existe, historicamente, uma completa aversão à Rússia, os dois candidatos nunca escondem a sua oposição a Putin. E tentam demonstrar qual deles poderia ser mais duro face à ameaça que representa o inquilino do Kremlin.

Além disso, está também em jogo o modelo de sociedade que os dois candidatos preconizam para a Polónia.Trzaskowski defende a liberalização das leis do aborto, a proteção dos direitos LGBTQIA+, a separação entre Estado e Igreja. Nawrocki representa a continuidade de uma agenda conservadora, restritiva nos costumes e hostil à imigração.

Estas eleições vão demonstrar se num dos Estados-membros mais estratégicos da União Europeia os seus líderes vão ou não defender os valores que distinguem o projeto europeu, como a democracia, o Estado de Direito e os direitos humanos.

Autarcas ao poder

Duas semanas depois do presidente da câmara de Bucareste, Nicușor Dan, ter sido eleito Presidente da Roménia, algo de semelhante pode ocorrer em outro país do Leste europeu: o presidente da Câmara de Varsóvia, Rafal Trzaskowski, é apontado como favorito para suceder a Andrzej Duda como Presidente da Polónia.

Esta é, no entanto, uma coincidência frequente nas últimas décadas. Vários presidentes de câmara têm “saltado” para o lugar de chefe de Estado. Em Portugal, temos o caso de Jorge Sampaio, que chegou a Presidente da República depois de mandato e meio à frente da Câmara de Lisboa – um caminho semelhante ao trilhado por Pedro Santana Lopes e António Costa que “saltaram” da autarquia para a chefia do governo (embora só o segundo através de eleições).

Em França, Jacques Chirac também foi eleito Presidente depois de um “tirocínio” como maire de Paris. E Recep Erdogan, Presidente da Turquia, ganhou notoriedade como presidente da câmara de Istambul. Aliás, como sucedeu com Willy Brandt que foi líder de Berlim antes de subir a chanceler da Alemanha.

Mais recentemente, Claudia Sheinbaum aproveitou o seu mandato como presidente da Cidade do México (2018-2023) para vencer, em 2024, a corrida à Presidência do México – a primeira mulher a ocupar esse cargo.

“Se eu comprar um bebé reborn e, antes de ele chegar, eu cancelar o pedido, é aborto?” Esta é apenas uma das múltiplas piadas suscitadas pelo fenómeno dos bonecos hiper-realistas e a forma como algumas “mães” andam a tratá-los – no caso, saída da página de Instagram Julius Sincero, uma homenagem brasileira à personagem Julius Rock, da série Todos Contra o Chris.

O gozo adensa-se no Brasil, país onde a realidade está a ultrapassar a ficção e onde os bonecos são cuidados como bebés humanos. O coletivo humorístico Porta dos Fundos acaba de lançar uma caricatura à situação num sketch intitulado Adulto Reborn, levantando a questão de saber se configura alienação parental quando uma mãe arranja um filho reborn e passa a preferi-lo aos filhos de verdade. Não perca umas boas risadas, numa rede social perto de si.

Por cá, também já se fazem graçolas com o assunto. Num episódio da rubrica Ninguém POD Comigo, da RFM, Ana Garcia Martins, mais conhecida como A Pipoca Mais Doce, clamou que “por cada bebé reborn que nasce, nasce um chalupa!” E ainda confessou ser avó reborn, já que a sua filha tem duas meninas, a Aurora e a Lili. 

Na semana passada, no Portugalex, o noticiário fictício da Antena 1, Manuel Marques e António Machado trataram do assunto. Num fórum imaginário “entrevistaram” Marina Laranjeiro que assumiu ter comprado um desses “Nenucos” só para passar à frente das filas da Loja do Cidadão. “Levo-o ao colo e é uma limpeza.” O humor tende a aproximar-se da realidade, mas nesta caricatura ele foi tão realista quanto os bonecos em questão.

Padre não batiza reborn

No Brasil, multiplicam-se as histórias de disputa de custódia destes bonecos em caso de divórcio, de mulheres a exigirem tratamento prioritário em sítios públicos porque transportam um reborn ou a levá-los a hospitais para serem tratados.

A proporção que atingiram estes casos reais obrigou o governo a agir.

Segundo o site G1, do grupo Globo, a Câmara dos Deputados aprovou, a 15 de maio, três projetos de lei destinados à criação de políticas públicas relacionadas com a moda dos bebés reborn. 

Colo Por causa do gosto da mãe em pegar nestes bebés a fingir, Soraia (em baixo) dedica-se hoje à minuciosa tarefa de os pintar e tornar realistas, na sala de estar da sua casa, na região de Lisboa

Entre as medidas que estão já implementadas, realça-se a restrição do atendimento médico a estes bonecos em instituições públicas e privadas, a definição de critérios para o acompanhamento psicológico de pessoas com vínculos afetivos fortes a estes “bebés” e a aplicação de multas a quem tentar usá-los para obter prioridade nas caixas de supermercado ou para ocupar lugares em transportes públicos.

Não admira que o padre Chrystian Shankar, conhecido no Brasil pela sua forte presença online, tenha sido obrigado, pelas circunstâncias, a fazer uma postagem irónica, avisando que não batizava estes bebés. “Não atendo ‘mães’ de boneca reborn que buscam por catequese. Nem estou celebrando missa de primeira comunhão para crianças reborn. Nem oração de libertação para bebé possuído por um espírito reborn. E, por fim, nem missa de sétimo dia para reborn que arriou a bateria. Essas situações devem ser encaminhadas ao psicólogo ou psiquiatra. E, em último caso, ao fabricante da boneca.”

Endorfinas, libertem-se

Esta é uma moda que vem de longe, ainda que agora tenha crescido muito por culpa das redes sociais, em especial do TikTok. Em 2020, já a questão era analisada por Emilie St. Hilaire, uma estudante de doutoramento em Humanidades, na Universidade Concordia, em Montreal, Canadá.

Na altura, a sua investigação dizia respeito aos aspetos “estranhos e misteriosos” dos bebés reborn, como a maternidade não reprodutiva, os modos de brincar dos adultos e os relacionamentos com substitutos não humanos. “Se tentarmos desvendar porque é que uma mulher sem filhos, especialmente uma que tem um bebé falso, é ameaçadora, então chegamos à perceção do papel da mulher: uma mulher bem-sucedida é uma mãe bem-sucedida”, referia ela ao The Guardian.

No Brasil, a Câmara dos Deputados aprovou três projetosde lei destinados à criação de políticas públicas relacionadas com a moda dos bebés reborn

Curiosamente, a investigadora, apesar de ter falado com dezenas de colecionadoras em todo o mundo, concluiu que nenhuma pensava nas suas bonecas como bebés reais, até porque cerca de metade delas já tinham filhos. Em vez disso, St. Hilaire observou que essas pessoas sentiam um gozo especial em levar os bonecos à rua e conseguir fazê-los passar por bebés, como se de um segredo se tratasse.

E, depois, há a real resposta biológica que se desencadeia ao manusear uma boneca de proporções e toque reais. Vários estudos sugerem que uma terapia com este tipo de bonecos pode reforçar sentimentos de apego e bem-estar emocional, especialmente em pacientes com demência. Alguns colecionadores apontam para os benefícios terapêuticos no controlo de problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão.

“Existe conforto em abraçar e segurar fisicamente algo que parece um bebé, mesmo que não seja um bebé”, nota Emilie St. Hilaire. “Isso pode mesmo libertar algumas endorfinas.”

Negócio em família

Cristina Jacinto, 63 anos, gosta desse conforto e seguramente liberta endorfinas sempre que pega num dos bebés de silicone ou vinil que a sua filha Soraia, de 35 anos, pinta. “Tenho esta filha, criei cinco crianças, vivo com três netos, por isso não tenho falta de bebés, mas adoro estes reborn.” Costuma dar-lhes banho (só aos de silicone, porque os de vinil têm corpo de tecido e enchimento), depois seca-os, põe-lhes pó de talco e veste-os com roupa lavada, que faz ou compra. “Eles têm uma enorme vantagem, que é não chorarem de noite nem chatearem”, brinca.

Algumas das suas peças de coleção estão em cima da cama, outras guardados numa vitrina no escritório. “De vez em quando, pego neles, dou-lhes beijinhos e levo-os ao colo até ao café, porque as minhas amigas estão sempre a pedir que o faça.” Na rua, as reações variam entre a curiosidade de quem quer tocar num bebé a fingir e estranheza. O realismo deste seu “vício” é tal que já levou algumas rabecadas quando não transporta os bebés da forma que seria adequada a um ser humano. “Sou mais maternal do que a Soraia. Sempre que ela termina mais um, ando uns dias a experimentá-lo”, conta, enquanto aconchega o número 1 no colo, com imenso carinho.

Foi por causa desta loucura que a mãe tem por bebés que nasceu a vocação de Soraia. Em 2015, depois de muito navegar na internet, desanimada com os preços elevados deste produto, Cristina acabou a encomendar um bebé por 300 euros num site duvidoso. Resultado: chegou-lhe a casa “um ratinho” que em nada se assemelhava ao que mostravam as fotos ou os vídeos. Uns Natais depois, a filha reuniu as poupanças e ofereceu-lhe o Little Germain – um exemplar loiro de olhos azuis – e Cristina até chorou. A encomenda foi feita a uma artista brasileira que enviou um bebé de vinil, muito realista.

No seguimento deste presente, Soraia pôs-se a pesquisar, a estudar, a contactar fornecedores, e meteu mãos à obra para ser ela a criar os seus próprios bebés reborn. Muitas experiências depois, tornou-se exímia nesta arte, em que a paciência não pode ficar de fora.

De encomenda As clientes podem escolher algumas das características dos seus bebés, como a cor dos olhos, da pele e do cabelo. Acessórios, como roupinhas, chupetas e fraldas, seguem também na caixa

Os kits vêm de Espanha, desmontados, pernas para um lado, braços e cabeça para outro, no caso dos que são de vinil. Depois, ela tem de os compor, com recurso a tintas, cabelo e lã de vidro para calibrar os bebés para o peso desejado pelas clientes – todas mulheres, com diferentes propósitos. Cada exemplar demora, pelo menos, duas semanas a ser terminado e pode custar entre 300 e 900 euros, consoante os requisitos. Na caixa de entrega, segue também uma manta, um bonequinho, escova e pente, duas chupetas, fralda extra, fita e laço se for menina, certificado de nascimento e um guia de cuidados a ter.

Depois da encomenda, só é possível escolher o tamanho (os mais comuns têm 45 centímetros), a cor dos olhos, a cor da pele e o tipo de cabelo (implantado, fio a fio, com uma agulha), se as mãos estão abertas ou fechadas, ou se leva algum sinal específico. Com um pincel finíssimo, Soraia dedica-se também a desenhar as veias e as sobrancelhas. As pestanas são implantadas com os mesmos fios do cabelo.

Os de silicone – mais moles ao tacto, mas ligeiramente menos realistas visualmente – têm órgão sexual e umbigo. Os de vinil só se distinguem no género pela roupa e pelos lacinhos no cabelo.

Existem acessórios especiais, como um tubinho interior que permite que o bebé “beba” água e faça “chichi”. Ou uma máquina que se coloca dentro do corpo e que, através de um botão, aciona um movimento idêntico ao respirar e ao batimento cardíaco. “Nunca tive uma encomenda destas”, nota a artista. “Mas uma senhora que tinha perdido a filha pediu-me um kit que fosse o mais parecido com a menina. Tive de pôr muita lã de vidro no interior do boneco para chegar aos quatro quilos”, conta Soraia. Também há casos de adultos que não podem ter filhos, crianças com cancro, idosos com demência…

Brincar aos pais e às mães

A psicóloga clínica Cátia Silva reconhece algumas das vantagens de brincar aos pais e às mães com estes bonecos, atividade que vai seguindo essencialmente no TikTok – até hoje, não lhe apareceu nenhum caso patológico em consultório. “Em situações de luto, ansiedade ou burnout, podem funcionar como boas ferramentas de autoestima e autoconhecimento.”

Mas quando a coisa se extrema, como as histórias que chegam do Brasil, Cátia lembra que não é expectável um adulto brincar desta forma, que esses jogos simbólicos são destinados às crianças. “Então, poderá ser uma resposta a algo que emocionalmente não esteja resolvido, como um luto, uma dificuldade de vinculação, fruto de abandono ou rejeição, ou sintomatologia ansiosa.”

De vez em quando, pego neles, dou-lhes beijinhos e levo-os ao colo até ao café, porque as minhas amigas estão sempre a pedir que o faça

Cristina Jacinto, colecionadora

Nunca a ficção quis ficar atrás da realidade. Por exemplo, na série Servant, da Apple TV+, um casal adota um boneco que se chama Jericho e trata-o como um bebé humano. Sabe-se mais tarde que o casal está a passar por um doloroso processo causado pela morte do filho (também chamado Jericho). Naquele guião, o bebé reborn parece ser o único consolo da mãe que se encontra num estado catatónico provocado pelo luto – isso é caucionado pela sua psiquiatra e apoiado pelo marido e o cunhado.

Este passatempo – como gostam de lhes chamar as colecionadoras – assenta que nem um carapim na era das redes sociais, em que a busca de reforço e aceitação é uma constante e em que vale tudo em nome de mais um like ou seguidor. “Num determinado grupo, os comportamentos exagerados em relação a estes bebés são socialmente aceites”, lembra a psicóloga.  

Sem julgamentos

Perante estes casos patológicos – “mães a fazer de conta que amamentam ou que querem vacinar os reborn” –, não devemos julgar nem ridicularizar. Antes, mostrar genuína curiosidade acerca do que aquele boneco representa emocionalmente.

É por essas e por outras que muitas clientes não querem dar a cara, duvidando das boas intenções das perguntas dos jornalistas. Pelo menos, é isso que refere Carolina Nicolodi, 30 anos, que se dedica, desde 2020, a pintar os bebés que lhe chegam em cru de uma fábrica alemã. No seu site, pode escolher-se o modelo e ela demorará mais ou menos dez dias a entregá-lo, a troco de um valor que pode oscilar entre 400 e 600 euros. Nos bebés mais requintados, o orçamento chega aos 2 000 euros.

Em Castelo Branco, Carolina só trabalha com kits europeus originais, que vêm com certificado da escultora, pois sabe que no Brasil, de onde é natural, existe muita falsificação no mercado.

Metade do público do atelier de Carolina são crianças, mas também tem algumas colecionadoras que apreciam esta arte. Simultaneamente, os seus bebés servem para fins terapêuticos, de mães enlutadas que buscam uma ajuda na superação da perda, idosos com demência ou que gostariam de ter netos, crianças com ansiedade e muito tempo de ecrã. “É que cuidar de um bebé reborn é sempre uma brincadeira calma.”

Onde nasceram estes bonecos?

Os reborn têm berço no pós-guerra, cresceram nos anos 1990 e tornaram-se adultos na contemporaneidade

Apesar de, atualmente, a loucura destes bonecos estar em alerta máximo no Brasil, a sua história começou no século passado, no pós-guerra, quando era difícil encontrar brinquedos. Nessa altura, algumas mães tornaram-se artesãs para conseguirem modificar as bonecas antigas, tornando-as mais realistas.

Só mais tarde, entre os anos 1980 e 1990, é que o conceito dos reborn se consolidou enquanto arte, nos Estados Unidos, e o resultado, quase perfeito, passou a interessar também os adultos.

Só nos anos 2000 os bebés reborn começaram a expandir–se pelo mundo, Portugal incluído. Mas transformou-se em fenómeno por culpa das “mães” brasileiras que adotam comportamentos demasiado realistas ao lidar com estes bebés a fingir. E, claro, os vídeos do TikTok e as postagens do Instagram foram o restante rastilho para incendiar as redes sociais com histórias mirabolantes, envolvendo estes bonecos hiper-realistas. É caso para perguntar: para quando o resto da família reborn, pai, mãe e animal de estimação?

Palavras-chave: