O novo partido fundado por Pedro Santana Lopes é uma formação de inspiração liberal e personalista, que aposta num Estado menos cobrador de impostos, mas solidário e promotor do investimento. Ou seja: o Aliança não é um partido, é um milagre. Mas esta ginástica não chega para fazer de Santana um líder populista. Pedro Santana Lopes é um político experiente, com provas prestadas em vários cargos de responsabilidade. Umas vezes, como nas Câmaras de Lisboa e da Figueira da Foz, as provas tiveram nota positiva; noutras, como no cargo de primeiro-ministro, levou um rotundo chumbo, o que lhe valeu o justo despedimento operado por Jorge Sampaio, o primeiro e único Presidente da República, depois da revisão constitucional de 1982, a derrubar um Governo em funções, com maioria parlamentar assegurada. Santana não é, portanto, um desconhecido, ou um aventureiro que procura aproveitar-se dos ventos que abalam o mainstream político-partidário em todo o mundo ocidental. Ele faz parte do sistema e é confiável, dentro das suas virtudes e limitações. E não esconde ao que vem.
E ao que vem Santana Lopes? O seu desiderato é o de “contribuir para viabilizar soluções de Governo”. Traduzindo, para fazer parte dele. Um projeto pessoal legítimo, mas que nunca teria hipótese de concretizar num PSD liderado por Rui Rio, ou porque teme a irrelevância eleitoral do PSD em 2019, ou porque adivinha o seu ostracismo interno, em caso de sucesso do antigo autarca do Porto. Desiderato que Santana procura alcançar, contornando, assim, a dificuldade, através do crivo eleitoral. Com todas as suas falhas, Santana o que nunca deu foi sinais de falta de coragem. E tem pressa. Já não vai para novo. Com os caminhos de São Bento e de Belém tapados, não quer esperar pela destituição de Rio nem quer atravessar mais quatro anos a pregar no deserto – ou na antena da SIC Notícias. Ora, a ambição de ser um player na política e no Poder é, sejamos honestos, a sua verdadeira ideologia. E isso não tem mal nenhum.
O que parece, porém, é que está disposto a fazê-lo, seja pela direita, seja pela esquerda: apesar de confrontado com a possibilidade, ainda não negou a hipótese de um qualquer entendimento com o PS, e com o PS de António Costa, depois das eleições de 2019. Não é obrigado a fazê-lo. Nem é obrigado a responder nos termos em que as perguntas lhe são feitas. Nem nos timings que lhe queiram impôr. Mas essa omissão provoca uma perplexidade. Porque ela entra em completa contradição com todas as posições que defendeu quando se candidatou à liderança do PSD. Por contraste com Rui Rio, ele nunca dormiria com o inimigo! Lembram-se?…
Estaremos a ser injustos ou a tirar conclusões precipitadas? A ser abusivos quanto às intenções do Aliança? Talvez estejamos. Mas essa clarificação depende apenas de uma declaração de Santana. Que já lhe foi pedida e que ele não fez. pelo contrário, até declarou (noutro contexto, ressalve-se) que a governação de António Costa “tem alguns méritos”… Caso consiga pescar, num eleitorado descontente com Rui Rio, os votos suficientes para ser “alguém”, este será o grande paradoxo do seu sucesso. É que Santana, lembre-se, parece conseguir penetrar, precisamente, no PSD que ainda se sente órfão de Passos Coelho e que não aceita a aproximação de Rio a António Costa, e que votou em Santana, na diretas internas, exatamente por causa disso!
Mas há uma segunda parte.
Qual é a mais valia que o Aliança pode trazer à direita, numa suposta reconfiguração do quadro partidário português? Pode o Aliança ser, para a direita, o que o Bloco foi para a esquerda? Pode ser mais do que isso. Santana tem sido acusado de, com este seu partido, poder reduzir ainda mais as hipóteses de o PSD ganhar as eleições. De dividir a direita, no momento em que ela precisava de estar mais unida. Ora, com estes dados, vamos imaginar o seguinte cenário: admitamos que existe um eleitorado, mais numeroso do que se pensa, habitualmente votante do PSD, mas que não se revê em Rui Rio, ao ponto de não votar nele, desta vez. E que – ainda menos! – nunca votaria em Costa. Mas que também não se sente entusiasmado com Assunção Cristas. Ou porque nunca votou no CDS, ou porque desaprova a inevitável canibalização que Cristas tentará fazer num PSD enfraquecido. O protesto natural é a abstenção. E a direita, ao mesmo tempo que perde votos para a abstenção, favorece o resultado relativo do favorito PS.
Imaginemos, agora, que Santana surge com um discurso agregador, que não hostiliza o PSD, mas o complementa, pela direita de Rio. E que, verdadeiramente, estará a ser interiorizado, naquele eleitorado, como um social-democrata “do coração”. E que só saíu por culpa de Rio. Neste caso, o Aliança pode ter um efeito aglutinador de votos à direita, fortalecendo esta área política, anulando o desperdício eleitoral e retirando percentagem ao PS, contribuindo, assim, para evitar a maioria absoluta socialista. Neste quadro, Santana Lopes estaria a fazer um favor a Rui Rio – que, diga-se, até agora, nunca se pronunciou sobre a saída de Santana do PSD, nem o criticou por isso.
Até parece que foi combinado, não é?…