Na história recente do futebol, estão registados inúmeros golos parecidos com o segundo tento de Cristiano Ronaldo, terça-feira, contra a Juventus. No futebol de 11 e nos seus sucedâneos de sete, Futsal (jogado com bolas menos saltitonas…) ou Futebol de Praia. Nesta modalidade, jogadores como o português Madjer fartam-se de os marcar. E naquela, Ricardinho, para dar o melhor exemplo, também já o fez. Se for praticante amador, como eu, o leitor já o terá feito, na praia ou em recinto próprio, nas futeboladas com os amigos. Os campeonatos distritais estão cheios deles.
Se falarmos de coisas sérias, Lionel Messi marcou vários em alta competição e é famosa a bicicleta de Zlatan Ibrahimovic, a quase 30 metros da baliza (mas não a 40, como ele disse esta semana…), pela seleção da Suécia, contra a Inglaterra. Helder Postiga comentou que este é um gesto frequente nos treinos, ou seja, ensaiado sem a pressão da competição, onde não são admitidas brincadeiras ou números de circo.
Ora, o golo do CR7 não foi marcado nos treinos, sem a pressão da alta competição, nem num jogo amigável, como o do Zlatan, nem numa futebolada de «muda aos cinco acaba aos dez», como os do leitor, nem num campeonato menor, como os que acontecem nos distritais, nem no futebol de praia, onde há uma caixa de areia fofinha para cair de costas, o jogo é feito pelo ar e as bolas são mais leves e macias. Não.
1 – O golo foi marcado num dos jogos mais importantes da mais exigente competição de clubes do mundo…
2 – … entre equipas com os melhores jogadores do mundo…
3 – … e frente a um dos melhores guarda-redes do mundo. E isso, mais o facto de ter sido marcado pelo melhor jogador do mundo, faz toda a diferença.
Mas podemos fazer algumas comparações concretas. Em todos os exemplos que temos visto nos últimos dias, as bicicletas de Lionel Messi, o remate de Ibrahimovic, o extraordinário golo do benfiquista Raul Jimenez, pela seleção do México, contra o Panamá; nenhum foi marcado com
4 – uma elevação acima do solo, sem balanço, de quase um metro e meio…
5 – … e com um pontapé desferido a cerca de dois metros e quarenta.
Mas peguemos na famosa bicicleta de Zlatan contra a Inglaterra, consensualmente o mais espetacular dos analisados: o remate é executado em direção à baliza deserta. Mas o de Ronaldo enfrenta um dos melhores guarda-redes do mundo – que, aliás, tinha acabado de defender uma bola quase impossível – bem posicionado entre os postes. Aliás, o facto de Ibra ter chutado a tão longa distância acaba por lhe abrir mais o alvo (7,32m é a largura oficial da baliza) do que se estivesse demasiado próximo dos postes e de Buffon que, numa reação instintiva,
6 – pode defender a bola entre 1,5 e dois metros, para a sua esquerda ou para a sua direita… Ou seja, o campo livre de baliza oferecido ao português terá sido de apenas até dois metros de largura, contados a partir de cada um dos postes.
Depois, o remate de Zlatan é feito em arco. A bola sobe, ou seja, quando colocou o pé, chutou para o ar. O remate de Cristiano é
7 – batido de cima para baixo, com o pé fletido em direção à canela, evitando que a bola subisse. E isto é feito a 2,38 metros de altura…
O remate de Zlatan, bem como várias bicicletas, ou devemos dizer “triciclos”, de Messi, são feitos a uma altura bem inferior à cabeça, ao contrário do gesto de Cristiano. O remate do sueco surge na sequência de uma oferta do guarda-redes. Já o de Jimenez, por exemplo, é preparado pelo próprio, que, num primeiro momento mata a bola no peito. Isto permite, em ambos os casos, que os avançados preparem as respetivas finalizações. São bicicletas a dois tempos. O remate de Cristiano surge
8 – de primeira, sem preparação, de um cruzamento tenso e rápido e efetuado na perpendicular, obrigando o avançado a posicionar-se para receber, fazendo um movimento contrário ao da direção da baliza, ou seja, antecipando, ou adivinhando, o ponto perfeito de interceção da bola.
Depois, em vários exemplos surgidos esta semana, incluindo o de Ibra, não surge qualquer oposição de adversários próximos, enquanto
9 – a bicicleta do CR7 inscreve-se no limite do jogo perigoso, mas, graças ao poder de antecipação, não chega a sê-lo, já que a bola parece ir morrer na cabeça de um defesa, mas a rapidez do movimento de Cristiano permite uma distância razoável. Frente a uma defesa, recorde-se, que é das mais duras e experimentadas do mundo.
10 – Finalmente, o golo é marcado por um jogador de 33 anos, já depois de 64 minutos a correr e imediatamente após um pique de perto de 40 metros, para ganhar uma bola perdida no desentendimento entre Buffon e Chiellini. Cristiano ainda teve forças para se deslocar rapidamente e posicionar-se no local exato.
Por todas estas razões, o golo de Cristiano Ronaldo não só é melhor que os tentos similares de jogadores contemporâneos do craque português como, provavelmente, será o melhor pontapé de bicileta da história do futebol.