Perante algum alarido por parte da bancada do PSD, o primeiro-ministro António Costa repetiu: “Com a sua voz maviosa, o líder do PSD…” etc., etc.. Segundo o dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora, maviosa significa “afável; suave; afectuosa; terna; agradável; harmoniosa”. Então, porque é que o PSD não gostou? O tom gozão de Costa não contribui para a ideia de “consensos” que em duas entrevistas sucessivas (a sua própria, ao Expresso, e a do ministro Augusto Santos Silva, ao Público) o Governo andou a pedir.
A ironia, o chiste, a canelada – de parte a parte, José Matos Rosa, do PSD, disse recusar “descer ao nível do primeiro-ministro”, frase que costuma dizer-se quando já se desceu, ou quando aceitamos subir de nível na escala da agressividade… – marca, no primeiro dia, a discussão de um orçamento que, citando a expressão recente de um treinador de futebol, nasce como um patinho feio. Os tios cisnes do Bloco e do PCP renegam-no (“este Orçamento não é o nosso”, declararam Catarina Marins e Jerónimo de Sousa) mas permitem que sobreviva. O pai, António Costa diz que o Orçamento era bonito mas ficou feio por causa das negociações em Bruxelas. Mesmo assim, não tem remédio senão perfilhá-lo. Mário Centeno, a mãe, espera que, na execução ao longo do ano, se transforme num garboso cisne. Mas as suas penas crespas tapam-no demasiado e ninguém ainda percebeu de que raça é o bicho.
Com efeito, pelos comentários de deputados da direita, no blogue Minuto a Minuto, que acompanha os debates parlamentares, verifica-se um certo mal estar por António Costa fazer o que muitos primeiros-ministros, incluindo Passos Coelho, fizeram antes dele: fugir às perguntas e atacar o governo anterior. São as contingências de um debate parlamentar quando o ambiente está demasiado crispado e a antagonia política se sobrepõe ao esclarecimento democrático. E, aqui, ninguém está inocente.
Isolando o que é pura chicana política, podemos tirar, para já, meia dúzia de ilações deste primeiro dia de debate:
1 – O Orçamento representa um caminho totalmente diverso dos que tivémos nos últimos quatro anos, encerrando opções políticas diferentes e alternativas para tentar chegar ao mesmo fim do controlo do défice e do cumprimento das metas.
2 – Essas metas nunca foram atingidas nos Orçamentos da direita – que, por isso, teve de apresentar orçamentos retificativos e, no caso em apreço, é muito provável que a História se repita, atendendo a que nenhuma força pollítica apoiante do documento se sente confortável com ele.
3 – A tentativa de recuperação de rendimentos das famílias e a página virada da austeridade surge num momernto de retração da Economia global e da da zona euro em particular, o que representa um azar, mas também um desafio acrescido, para o Governo de António Costa.
4 – Há um silêncio total sobre a natureza das anunciadas medidas cautelares para o caso de o Orçamento não chegar para cumprir o tratado Orçamental. Essas medidas, porém, estarão na base do provável futuro Orçamento retificativo. E esse sim, representará um verdadeiro teste de stresse à solidez da aliança à esquerda.
5 – A intervenção muito objetiva, não acintosa, mas contundente de Pedro Mota Soares pode revelar um novo estilo de oposição no CDS, já diferenciado do PSD: pragmático, direto ao assunto e sem recriminações políticas ou pessoais – bem diferente, quase oposto ao tipo de discurso de Matos Rosa.
6 – Com a anunciada abstenção do PSD em todas as propostas que surjam na sequência da discussão na especialidade, o PS, para as ver aprovadas ou rejeitadas, vai ter de tomar posição, contra ou a favor, uma a uma, o que (na esperança social-democrata…) pode clarificar divergências concretas entre o Governo e os partidos à sua esquerda – que já anunciaram que têm várias propostas de alteração.