Numa opção ideológica clara, o que é bom – se fosse tudo técnico não precisávamos de eleições para nada e punhamos um computador a governar… – o Governo preferiu devolver salários e pensões e aumentar impostos sem tributar o trabalho. Preferiu taxar o consumo, de forma seletiva. Ou seja, no limite, os portugueses podem ganhar muito mais – mas, se tudo em compensação, aumentar, poderão comprar muito menos. Chama-se a isto desvalorização da moeda – ou austeridade.
Na explicação de António Costa, o Governo preferiu não aumentar o IVA, que iria tributar todos os portugueses em todas as compras, mas apenas produtos que alguns pagam. É o princípio do “utilizador-pagador” adaptado à fiscalidade. Se metes gasolina, pagas mais impostos. Se não metes, ficas isento. De justiça, estamos conversados: o défice, que pertence a todos, fica apenas a cargo de alguns. Até aqui, conseguimos perceber. Eis o que não percebemos a partir daqui:
1 – Se devolver salários e pensões se destina a repor o poder de compra, mas se os impostos sobre o consumo aumentam, que reposição é esta?
2 – Como é que o Governo tem a certeza de que as metas macroeconómicas serão atingidas com esta política fiscal? Como sabe que obterá uma determinada receita, se, de repente, os portugueses reduzirem drasticamente o consumo dos produtos com fiscalidade agravada? Como sabemos que as contas do Governo não são apenas uma questão de fé?
3 – Se o Governo aposta no consumo interno como estímulo da economia, como concilia essa intenção com impostos sobre o consumo, que inibirão esse mesmo consumo, ensaiando, com isto uma contradição nos próprios termos?
4 – Admite-se que um agravamento do imposto sobre os combustíveis incentiva o uso do transporte público, mas não é esse o motivo por que o ISP se agrava. Agrava-se, sim, para que as metas do défice sejam cumpridas. Ora, então, como compreender os conselhos de António Costa para que os portugueses usem mais o transporte público e deixem de fumar? Se os portugueses fizerem o que lhes pede, como cumprirá as metas? Afinal, quer ou não quer aumentar as receitas fiscais vindas desse lado?
5 – Quais são as medidas adicionais que Mário Centeno prometeu a Bruxelas e que garantias tem o Governo de que essas medidas serão aceites pelos parceiros que o apoiam no Parlamento? Porque fugiu António Costa às perguntas da oposição sobre essa matéria?
6 – Catarina Martins recusou que este fosse um Orçamento de risco e disse que os riscos não são culpa do Orçamento, mas da crise dos países emergentes e da instabilidade do sistema financeiro europeu. Mas, quando se faz um Orçamento, não devem ser tidos em conta esses fatores? Ou o que Catarina Martins está a dizer é que vêm todos em contramão, exceto o Governo?…
7 – De quem é a culpa do nervosismo dos mercados: do Orçamento português, como insinua o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schauble, ou de casos como o da ameaça de derrocada do Deutch Bank e de outros empórios do sistema financeiro dos países grandes – e quem se lixa é o mexilhão? A culpa é de Portugal ou da Alemanha? Não estará Schauble, como o hipopótamo da fábula, a dizer, entre dentes, “coitadinho do crocodilo”?
PS – O Porto está servido de rotas para todas as principais cidades europeias por companhias como a Ryanair, a Lufthansa, a Easyjet, a Iberia e a Vueling, entre outras. Muitas delas com preços muito mais competitivos do que os da TAP. Algumas delas já anunciaram o reforço dos voos, assim que souberam da “falta de comparência” da TAP. Não há memória de um protesto destes em nenhuma grande cidade europeia, que tenha um mínimo de amor próprio. Confessar-se uma cidade, e uma região, economicamente dependente da operação de uma única companhia de aviação é uma confissão de fraqueza e de provincianismo insuportável. Percebemos isso em São Tomé e Princípe, para quem a operação da TAP é um fator fundamental de ligação ao exterior. Agora, o Porto… Ou então, todo este escarcéu tem apenas motivações simbólicas e emocionais: alguns agentes políticos e económicos do Porto tomaram como uma afronta a opção comercial da TAP, porque ainda a vêem como uma companhia portuguesa de bandeira, coisa que já não existe. Não havia necessidade. É evidente que o Porto não precisa da TAP para nada.