1. A fraude é silenciosa. Muitíssimas concretizam-se e nunca são detectadas. Nem pelas vítimas, os defraudados. Outras são-no, ora dando lugar a processos de investigação, frequentemente longos por dificuldades de prova, outras assumindo a vítima os custos por comodismo, pequenez da fraude ou dificuldade de relação com outros consumidores em situações similares.
Neste contexto todos nós, enquanto cidadãos, somos consumidores e enquanto tal podemos ser defraudados. Com enormes vantagens para os defraudadores pois são fraudes massivas, atingindo milhões de indivíduos ꟷ directamente ou pela via informática ꟷ, só uma ínfima parte são detectadas ꟷ porque a grande maioria de nós somos honestos e aquelas não aparecem no nosso horizonte de preocupações, porque a intensidade e legalidade da publicidade que as suporta dá-lhes uma face benigna, porque a probabilidade estatística da sua produção pressupõe a inevitabilidade de variações, porque a vítima anda frequentemente distraída ꟷ e muito raramente dão lugar a investigações, havendo uma certeza reforçada em relação aos possíveis custos do seu cometimento ꟷ o defraudador tende a considerar que nunca será descoberto.
Qualquer listagem das fraudes contra o consumidor é impossível ser completa, quer porque aquelas estão sempre em evolução, quer porque a lista é imensa. Do produto que compramos que não possui exactamente a quantidade ou a qualidade descrita no folheto, ao concurso por vezes ilegal, mas abertamente anunciado, possivelmente viciado por ausência de fiscalização ou de controlo pelos participantes. Do que apela à nossa disponibilidade para ajudar o próximo ou de lutar contra os grandes flagelos da humanidade ou à nossa esperança de enriquecimento sem trabalho e custos significativos ou, ainda, à nossa ingenuidade e falta de vigilância. Do grande desconto na compra de alguma coisa que havia em vários sítios mais barato às regras que apelam a um consumismo crescente de que nos não apercebemos. Das notícias falsas, forjadoras de uma consciência social errónea, à utilização por outrem de dados que são exclusivamente nossos. Da venda do que não existe ao pedido de assinatura de textos longos, que não são lidos, ou ambíguos. Da introdução de vírus nos nossos computadores ao roubo de informações aí contidas. Eis alguns exemplos, todos eles desdobráveis em variadíssimas situações.
2. Sem dúvida que o alerta destas situações e uma sistemática atitude de vigilância pode atenuar o risco de fraude, mas não mais do que isso. A quantidade e dispersão dos possíveis defraudados mostra a importância das associações de consumidores. Mas não basta a existência destas. É fundamental que:
Não haja qualquer conflito de interesses com as empresas;
Que tenham uma atitude pedagógica de prevenção da fraude;
Que representem de forma massiva os consumidores.
O primeiro ponto exige, por exemplo, que a «associação de consumidores» não seja nem proprietária de empresas, nem propriedade destas, que não seja nem vendedoras nem compradoras de bens às empresas (para além do estritamente necessário à sua existência); que não tenha actividades encapotadas (por exemplo, de publicidade). Quando uma associação de consumidores se confunde com as empresas, mesmo em nome dos «protestos» a desencadear, o conflito de interesses é total.
O segundo ponto exige, para além de múltiplas áreas de intervenção, que alerte sistematicamente os consumidores para os riscos que, individual e colectivamente, correm; que promova uma percepção da fraude e respectiva vigilância.
3. Enfim, muito há a (re)fazer no nosso país, parte de um mundo em que todos somos consumidores.