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Os gregos são um povo orgulhoso
Só mesmo quem não conhece a Grécia e o seu povo é que pode ter ficado surpreendido com o resultado deste referendo. Ao contrário do muito que foi dito e escrito levianamente em Portugal, na última semana, a Grécia é um país com uma forte identidade cultural, onde as pessoas têm uma grande identificação com a história do país e em que existe, ainda por cima, uma ampla tradição de combate político. Sei que, entre nós, há muitos que insistem em olhar para os gregos como uma espécie de coitadinhos e pobretranas da Europa, sem lugar onde cair mortos. Alguns chegam até ao ponto de afirmar que aquilo nem sequer é um país como deve ser. Pois não, mas então deem-se lá ao trabalho de contar as ideias filosóficas, os artistas, os músicos, os cineastas, as receitas gastronómicas, as modas e todas as outras tendências internacionais com origem grega e comparem-nas depois, por exemplo, com as nossas. E percebam, também de uma vez por todas, que grande parte da identidade da Grécia atual foi forjada na luta contra a humilhação a que os seus cidadãos foram submetidos pelas potências estrangeiras: os turcos que lhes ocuparam as terras (e que a ferida de Chipre mantém sempre presente) e os ingleses que lhes roubaram os seus tesouros mais relevantes – como os célebres e muito disputados Mármores do Partenon, que continuam no Museu Britânico, de Londres, apesar de Atenas ter construído um extraordinário Museu da Acrópole para os receber. Lembrem-se, também, de tudo o que foi dito e escrito sobre a organização dos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, antes das competições se iniciarem. E lembrem-se, depois, da extraordinária lição que o povo grego deu ao mundo, durante esses mesmos Jogos, mostrando um entusiasmo e uma paixão olímpica sem paralelo – eu sei, porque estive lá! Se há povo na Europa orgulhoso do seu passado, da sua cultura, dos seus costumes e da sua identidade, é o grego. E isso nunca poderá ser menosprezado.
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As sondagens não são de confiança
Pode-se dizer que é coincidência, mas alguém que explique, por favor, como é que no espaço de poucos meses as sondagens preveem três resultados “too close to cal” para Israel, para o Reino Unido e para a Grécia, e afinal, em todos esses países, se registam vitórias claras (de Benjamin Netanyahu, de David Cameron e do “não” de Tsipras)? Obviamente porque há algo que anda a falhar nas sondagens. Num artigo de opinião, publicado há duas semanas no The New York Times, Cliff Zukin, antigo presidente da associação americana de estudos de opinião, apontou duas razões para essa falha: o aumento dos utilizadores de telemóveis (em quase todo o lado, a amostra da sondagem continua a ser calculada com base no universo de pessoas com telefone… fixo!!!!) e o declínio no número de pessoas que aceitam responder às perguntas dos estudos de opinião. Resultado: “As sondagens eleitorais estão em crise e nós, autores dos estudos, sabemos disso”, escreveu Cliff Zukin. A verdade é que, por todo o lado, continuamos a discutir os resultados das sondagens como verdades absolutas. E acordamos nos dias seguintes aos das eleições com uma realidade diferente. Como sucedeu, mais uma vez, no referendo grego.
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A crise na Europa é política e não económica
Depois de tantos anos a reduzirmos o debate a percentagens do défice, a indicadores económicos e a crescimentos do PIB, se há vantagem que o referendo grego trouxe foi a necessidade de repensar o debate europeu na política. Na verdadeira política: como se promove a autêntica União Europeia? O que deve ser uma união monetária? Como se promove a solidariedade como projeto europeu? Como manter a diversidade cultural num mesmo projeto de futuro? Que lugar existe para a diferença de opiniões numa mesma união política? Mal ou bem, isso agora não interessa, o referendo europeu e o seu resultado claro obrigaram a que todas essas questões viessem de novo para o debate central da política europeia. E numa era em que, cada vez mais, os centros de decisão e de importância económica se transferem para as zonas do Índico e do Pacífico, ainda mais premente essa questão devia ser repensada por quem acha que o Atlântico e o Mediterrâneo continuam a ser o centro do planeta. Se a Europa quiser continuar a ser importante no mundo tem que o ser por questões civilizacionais e de organização da sociedade. E, nesse campo, desculpem lá, os gregos têm que continuar a estar presentes – e Tsipras e Varoufakis já o perceberam, antes até que a maioria dos membros anónimos do chamado Eurogrupo, sempre tão preocupados com o futuro económico imediato. O problema é, no entanto, bem diferente, como diria (agora) o outro: “É a política, estúpido!”.
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A sobrevivência do euro depende dos políticos e não dos mercados
Todo este imbróglio da crise grega deixou a moeda única europeia enfraquecida e vulnerável a qualquer ataque especulativo. Mas, se alguém acreditar que lhe basta confiar nos mercados para que o euro sobreviva incólume a todas as ameaças que se aproximam, o melhor é também tentar a sorte e apostar de imediato um par de euros no euromilhões com a certeza de ganhar o jackpot. A verdade é que as instituições europeias têm, ainda, todas as soluções ao seu alcance para resolver a crise e proteger o euro não só como moeda corrente e forte para 19 países, mas sobretudo como projeto de unificação e de paz europeia. Basta, para isso, que comece a olhar para o problema com uma visão alargada e tolerante, e menos preconceituosa e partidária. Foi isso que disseram, aliás, nos últimos dias, anteriores presidentes da comissão europeia, como Jacques Delors e Romano Prodi. Será que ainda alguém os ouve? A verdade é que o grito da “pequena” Grécia fez-se ouvir na “grande” Europa.
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A política é um jogo fundamental nas nossas vidas
Não vale a pena continuarmos todos a enganar-nos e a pensar em ser só “bons alunos”. Mesmo que possam vir a perder tudo o que apostaram, Tsipras e Varoufakis souberam trazer o debate europeu de volta para a política. Para a grande política – onde todos jogam com o máximo de armas que cada lado possa reunir, com declarações arrebatadoras de “vitória ou morte”, por mais exageradas que possam parecer. Mas é assim que devem ser discutidas as ideias que implicam com o futuro dos povos: com arrebatamento, ultimatos, jogadas de estratégia e, se possível nos dias de hoje, com o máximo de transparência possível. E, no fim, cabe aos próprios povos avaliar como seus líderes os defenderam e representaram. Se outra virtude não tivesse, este referendo teve o condão de levar muitos europeus a discutirem outra vez o futuro e a organização da União Europeia. Ou seja: a participarem e a debaterem a política comum. É essa ideia de Europa que não se pode perder.