Esta semana, o menu do Olho Vivo traz contenção e indignação. Temos orçamento do estado e numa coisa todos concordam, a começar pelo ministro das finanças: esta é uma proposta cheia de cautelas, para tempos de absoluta incerteza. Demasiados caldos de galinha, mas poucos temperos para animar os palatos num momento inflação histórica e abrandamento económico abrupto, eis a questão?
Já o azar de uns, é a sorte dos outros. As declarações de Marcelo Rebelo de Sousa sobre as vítimas de abusos sexuais da Igreja Católica foram tão desastradas, que o tema do orçamento do Estado saltou para segundo plano nos “trending topics” da indignação geral.
Para Mafalda Anjos, “o Presidente da República é vítima da sua própria natureza”. “São as declarações infelizes de quem comenta tudo e fala demais. A sua virtude é simultaneamente o seu carrasco – Marcelo é vítima da sua proximidade e da sua falta de gravitas, no sentido de algum distanciamento e seriedade que ao cargo institucional pede”, afirma a diretora da VISÃO.
Filipe Luis sublinha que as declarações não foram mal intencionadas. “Claro que Marcelo não pretendeu desvalorizar o sofrimento das vítimas. Isso não. O que quis foi ajudar a Igreja. Para além das questões de fé, ele é um institucionalista, e a Igreja, como instituição, é muito importante para ele. O que faz com que não seja neutral nem imparcial, quando a Igreja está envolvida em polémicas”, esclarece o editor-exeutivo da VISÃO. E acrescenta: “O Presidente está muito preocupado em garantir que as Jornadas Mundiais da Juventude, que decorrem no próximo ano em Lisboa, corram bem, já com a Igreja portuguesa livre deste caso. As jornadas sempre foram uma aposta pessoal de Marcelo”.
“O Presidente não tem de falar sobre tudo, e este não é um tema que o Presidente da República estivesse obrigado a comentar. Mas, se quer fazê-lo, deve falar uma vez, enquanto Presidente da República e não enquanto Marcelo Rebelo de Sousa, e depois não dizer mais nada. A declaração inicial foi uma trapalhada que só foi crescendo. Este pedido de desculpas chega tarde e é óbvio que tinha de acontecer“, comenta Tiago Freire, diretor da revista Exame.
Era bom que este caso servisse de lição, diz Mafalda Anjos. “Marcelo tem de aprender a ter mais recato e mais oportunidade na gestão da palavra. Isto se conseguir escapar à sua natureza. Vasco Pulido Valente dizia que António Guterres falava muito e era uma “picareta falante”, mas Marcelo é uma “lixadeira falante” – quer sempre alisar e aplanar todos os temas com um comentário seu”, compara.
E que dizer da defesa acérrima que fez António Costa? “Ao defender , naquela bravata, o Presidente da República, António Costa pretendeu que Marcelo lhe ficasse a dever uma… Isto é importante, no momento em que o PR demonstrava reticências quanto ao quadro macro-económico do Orçamento e enviava uma recomendação ao Parlamento para rever a lei das incompatibilidades…”, destaca Filipe Luís.
Um orçamento contido
“É um Orçamento que aposta no equilíbrio e na redução do défice e da dívida pública, o que não é necessariamente mau. É um Orçamento que o PSD poderia apresentar. É curioso porque, no que toca à contenção orçamental, o PS faz mas não assume; o PSD gosta mas diz que odeia“, explica Tiago Freire.
Para Mafalda Anjos, Fernando Medina “é um Ministro das Finanças de sorte”. “2022 foi um ano perfeito para meter ordem nas contas públicas, com crescimento económico elevado e inflação muito acima do esperado, que lhe permitiu encher uns sacos de dinheiro e reduzir dívida e défice, apesar das medidas extraordinárias com a pandemia e com as famílias e empresas. O orçamento está feito a pensar na gestão das folgas e almofadas conforme as notícias dos próximos meses. Estou convencida de que veremos mais pacotes de apoio para as famílias adiante”, afirma.
Para Filipe Luís, “com este Orçamento e o protagonismo conseguido, Fernando Medina toma a dianteira, entre o delfinato de Costa (para a sucessão). Sobretudo se o crescimento de 2023 ficar próximo do que preconiza.” Mas essencial é o Acordo de Rendimentos. “Anunciou partes do Orçamento antes que ele fosse entregue na Assembleia. O papel dos deputados fica desvalorizado. É que António Costa tem novos parceiros: onde antes havia a geringonça, agora está a concertação social…”, destaca.
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