Se para um católico convicto é extraordinariamente difícil explicar os negócios do Vaticano, como Estado, muito pior será para o Papa, como chefe de Estado, e também da Igreja, perceber que durante 20 anos o Vaticano, através do seu Banco Central (Administração do Património da Sé Apostólica (APSA), investiu com algum fulgor nas duas principais farmacêuticas que produzem a pílula do dia seguinte.
O que um católico romano pode garantir, com a convicção de um dogma de fé, é que Deus nunca investiu na pílula abortiva, ou noutros negócios, claros, escuros ou cinzentos. Mas o mesmo não se pode dizer da sua Igreja, agora, nem dos sucessivos escândalos do Banco do Vaticano, a que vários Papas tentaram pôr fim. A Igreja Católica não é santa, nem imaculada, muito menos a Santa Sé e o Vaticano, que são entidades distintas, mas têm o dever sagrado de aspirar, sempre, à perfeição divina. Resta aos católicos aceitar, e entender, que a ordem de investimento não veio do Céu, mas de algum cardeal ou de um coordenador de fundos de investimento.
A Igreja Católica, desde que nasceu, e no seu papel terreno, sempre teve uma grande dificuldade em encontrar um caminho reto entre a missão de espalhar e engrandecer a Fé em Deus, e na Santíssima Trindade, e as tentações, em que tantas vezes caiu, de usar mal o seu poder terreno e humano. A Igreja só devia investir em Deus, e não em pilulas e derivados. Sempre houve, e continuará assim até ao fim dos séculos, uma confusão insolúvel na mistura da Igreja, como comunidade religiosa, e o áspero papel de um Estado exíguo, mas muito poderoso e rico. Pedro não fez a Igreja a pensar que existiria uma Santa Sé, como entidade soberana de jurisdição eclesiástica, e muito menos que o Vaticano seria uma cidade-Estado. E Pedro, o primeiro Papa, jamais ponderou, e nunca Jesus lhe disse, que os seus sucessores seriam chefes de Estado. E que teriam exércitos, e que dominariam vastos e ricos Estados papais.
A Igreja Católica tem dois mil anos, o que não é o caso do Estado do Vaticano, que só passou a existir, na forma como o conhecemos agora, no início do século XX, e com uma Concordata assinada por Mussolini. Mas para um católico convicto uma coisa não desculpa a outra. Ao contrário. Os dois mil anos seriam bastantes, e suficientes, para pôr juízo em muitas cabeças do Vaticano. O Papa Francisco pede a Deus que o ajude a chegar lá, mas tem sido um caminho de cruzes.