1. Quem ainda tivesse dúvidas sobre a capacidade política de António Costa ou as perdeu com o Congresso do PS ou, se as mantém, perdeu qualquer sentido crítico.
Porque a forma como o Congresso decorreu não podia ser melhor para o partido e para o seu novo líder; e porque de toda a evidência isso a ele fundamentalmente se ficou a dever. Por várias razões, de que destaco cinco: a) A sensibilidade e eficácia políticas com que ultrapassou as divisões e feridas internas, conseguindo uma unidade na pluralidade consubstanciada em uma só lista para a Comissão Nacional e, coisa rara, na aprovação, por unanimidade, da moção de estratégia; b) O modo como fez de um Congresso partidário pordefinição uma espécie de “missa cantada” só para os fiéis uma rampa de abertura ao exterior e de alargamento da base de apoio, com a simbólica novidade das intervenções de independentes; c) A competência com que, desde o início, tratou do “caso” Sócrates, o que matou à nascença o risco de se transformar num “caso” do Congresso; d) A entrada de muita gente nova nos quadros dirigentes, mas com o simultâneo regresso de mais velhos e experientes e com o também simbólico peso dado, na sessão final, a algumas figuras históricas do PS, fiéis a um socialismo democrático não envergonhado; e) O notável discurso de encerramento, em que após começar muitíssimo bem por defender o Estatuto do Cidadão Lusófono disse o essencial sobre o posicionamento do PS, sua orientação e estratégia, aliando inteligência política e emoção: sem teleponto, expondo os princípios e valores em abstrato, mas dando exemplos concretos, que são o que toca as pessoas, incluindo o verdadeiro “achado” da leitura dos nomes das vítimas mortais de violência doméstica, por Maria do Céu Guerra.
Quanto à recorrente acusação de não apresentar propostas concretas (que devem ser de um programa de Governo), não faz sentido mas percebe-se bem porque PSD e CDS tanto desejam que as apresente…
Costa, enfim, foi certeiro na questão de eventuais acordos futuros, à esquerda. E o que definiu, até do ponto de vista eleitoral é o mais adequado para o PS. Aliás, não recusou nem admitiu a hipótese abstrata de um acordo com o PSD: o que recusou, em concreto e em absoluto, como se impunha, foi qualquer acordo que represente o prosseguimento da política do atual Governo ou de outra semelhante.
2. Diz-se que José Sócrates suscita grandes ódios e paixões. É verdade, pelo menos no que respeita aos ódios. Como é notório, muito mais numerosos e profundos do que as eventuais paixões. Mas neste curto espaço, a propósito do que tem feito correr rios de tinta, por agora apenas quatro notas telegráficas: a) Não se pode culpar a comunicação social nem pelas violações do segredo de justiça pois quem o viola, e gravemente, é quem passa a informação aos jornalistas nem pelo natural, inevitável, relevo dado ao “caso”. Pode-se culpar, sim, alguns media, pela forma como o fazem, por confundirem suspeitas e acusações com factos, versões policiais, sem contraditório, com verdades definitivas; b) Sempre me bati pelo combate às práticas antiéticas e aos crimes dos políticos, sempre me bati contra a impunidade. Para defender a democracia e o princípio da igualdade perante a lei. Igualdade. Quer dizer: nenhum privilégio nem benefício, nenhum prejuízo ou perda de direitos. Embora o cargo que se ocupa possa ou deva constituir uma agravante; c) No caso Sócrates, têm (a meu ver) vindo a público algumas acusações cujos fundamentos não se vislumbram, ou que, numa espécie de petição deprincípio, dão como provado o que se pretende provar. E, por exemplo, não se compreende que para decretar a sua prisão preventiva até se invoque o perigo de fuga quando é óbvio que voltou para Portugal sabendo que ia ser preso; d) Quando, num processo, está em causa um titular de cargo público, um atual ou ex-governante, mesmo quando há julgamento para lá da decisão, importa conhecer os factos.
Porque até pode haver uma absolvição penal com base no princípio in dubio pro reo, por alguma nulidade formal, etc., mas a factualidadeapurada justificar uma vigorosa condenação ético-política. O que para efeitos de defesa da democracia e da limpeza das instituições não é menos importante do que a condenação penal.