Afirmamos “os portugueses são sebastianistas”. Temos uma certa fé de que alguém especialmente dotado virá salvar-nos de nós próprios. Parece que afinal não são apenas os portugueses, mas a Humanidade ou, pelo menos, o mercado de capitais e Silicon Valley. Basta investir milhões de milhões de dólares em data centers e centrais de produção de energia (nuclear ou a gás) e, dentro de dois a cinco anos, a Inteligência Artificial Genérica (IAG) resolverá todos os nossos problemas. Viveremos uma época de abundância inesgotável, a crise climática será resolvida por um promp e, naturalmente, não existindo uma luta por recursos, viveremos para sempre em paz. Isto ou os computadores tomam conta de tudo e destroem os humanos…
Sam Altman e demais profetas da seita estão indecisos. O mercado de capitais (mas também o FMI e os reguladores) nas últimas semanas, depois de dois anos de inquestionável fé (S&P 500 valorizou-se 63%), parece, timidamente e a medo, ter dúvidas (afinal está a ganhar-se muito dinheiro e convém não quebrar a magia, com perguntas inconvenientes).
A dívida emitida pela Alphabet, a Meta, a Microsoft e a Oracle (para financiar data centers) desvalorizou-se nas semanas recentes. As próprias big tech também tomam medidas de diversificação de risco. Ninguém quer ser o Yahoo da IA, um nome já esquecido do início do milénio, que prometia ser o “dono disto tudo” da internet. E por isso, ao ser impossível perceber quem irá de facto rentabilizar o investimento – se quem produz os chips, quem tem os data centers, quem é dono dos LLM ou outro qualquer –, multiplicam-se os anúncios de investimentos circulares.
A Oracle investe com a OpenAI, que também investe com a Nvidia, e assim sucessivamente. Ou seja, quem está no negócio não está certo de como o rentabilizar. Não obstante um investimento acumulado, nos últimos dois anos, superior a 800 mil milhões de euros em data centers, no ano passado a indústria só gerou receitas de 15 mil milhões de dólares.
Para promover receitas, anuncia-se o ChatGPT Erotica… O sexo continua um negócio de retorno seguro. E promove-se a narrativa de que este não é um negócio igual aos outros. É uma corrida e quem ganhar – quem for a parteira do novo deus IAG – irá capturar toda a riqueza do mundo.
A narrativa é apelativa, sem dúvida. Ninguém quer falhar a possibilidade de ser parte do momento definidor do futuro, mas tal tem custos reais. Os governos temem regular de forma efetiva os algoritmos das redes sociais e LLM que destroem a democracia, o tecido social e a nossa saúde mental. Adiam uma regulação efetiva de recursos (energia e água) usados pelos data centers, com custos a serem suportados pelas populações via impostos e degradação ambiental. Permitem a utilização ilegal de toda a criação humana para treinar LLM (deixando aos criadores, como única via de recurso, ações judiciais, para prova de utilização abusiva). Tudo em troca da promessa de um novo deus. Uma solução simples para problemas complexos. Mas faz sentido?
A IA já está a mudar as nossas vidas, mas acreditar que será o D. Sebastião que tudo resolverá num prompt ilude-nos e impede-nos de assumir o esforço, o custo e os compromissos que resolver problemas complexos impõe. Ao invés de escolhermos a ilusão tecnológica, melhor seria focarmos recursos, financeiros e humanos, na resolução dos problemas que hoje nos assolam.
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