Dia 50.
Já ninguém pensa noutra coisa: voltar a sair à rua, reconquistar algumas das rotinas perdidas, ter um cheirinho de liberdade. Mas o ansiado desconfinamento não é igual para todos. Para uma fatia da população, esta reabertura traz mais riscos e, necessariamente, cautelas e cuidados acrescidos: os idosos.
Têm sido eles, a vários os níveis, os mais sacrificados com a pandemia. É sabido que a Covid-19 é nesta faixa etária mais perigosa: a taxa de mortalidade é muito mais elevada para os maiores de 80 anos – cinco vezes maior do que a média global. A doença mete-lhes medo, e mete-nos a nós medo por eles. Este fator tem ditado um isolamento mais rigoroso dos idosos, compreensível para os poupar e proteger deste vírus.
As pessoas mais velhas, que vivem na esmagadora maioria sozinhos, ficaram por isso ainda mais por sua conta, longe dos filhos e dos netos, muitas vezes sem recurso a tecnologia digital que os conecte com o mundo. Assim, o que é um bom propósito pode transformar-se num verdadeiro castigo social. O que é um cuidado bem intencionado rapidamente escala para uma estigmatização. “Os velhos que fiquem em casa”, já vi escrito, assim tal e qual, nas redes sociais. Sem dó, piedade nem réstia de solidariedade intergeracional.
Isto é algo que não podemos deixar que aconteça. Os velhos têm tanto direito à saúde, como à vida com qualidade, como o resto de nós. Gostei de ver ontem António Guterres sublinhá-lo, recomendado uma série de medidas para lhes dar mais apoio no uso da tecnologia digital e respostas que levem em conta suas necessidades. “O mundo não deve tratá-los como invisíveis”, sublinhou o secretário geral das Nações Unidas. Pois não.
Foi por isso também que o governo decidiu – e bem – não enveredar pelo caminho de impor regras mais restritivas consoante a faixa etária, algo que chegou a ser defendido em vários fóruns e debatido pelos constitucionalistas. No novo estado de calamidade que vigorará a partir de amanhã, o dever cívico de recolhimento domiciliário aplica-se assim a todos os portugueses, independentemente da idade, deixando de estar presente uma referência especial aos maiores de 70 anos de idade. Mais do que qualquer outra coisa, esta opção foi sobretudo uma mensagem simbólica: dar um sinal de que discriminar os idosos não pode ser tolerado.
Teremos de conviver com esta pandemia uns meses largos – pelo menos até estar disponível a vacina – e por isso vai ser preciso encontrar formas alternativas de estar com os nossos pais e avós. Será difícil e exigirá cuidados redobrados, mas amar é cuidar. Convívios com muita desinfeção, máscaras e luvas em vez de almoços e jantares, mais perigosos, conversas pelo Skype e pelo Zoom, grupos de whatsapp da família onde podemos falar com regularidade e fazê-los sentir mais próximos dos seus – vamos ter de experimentar novas soluções tendo em conta as principais de segurança. Não os podemos vetar a ficarem enclausurados entre quatro paredes, sob pena de não ficarem doentes com Covid-19, mas profundamente tristes, ansiosos ou deprimidos.
Os abraços vão ter de ficar de parte, mas não deixemos que os afetos sejam postos de lado. Os nossos velhos não merecem isso.