Dia 6.
Tenho uma amiga de infância que foi dar a volta ao mundo com os três filhos num veleiro. A admiração que tenho por ela é imensa. Não só porque teve a coragem de largar tudo para viver uma vida mais simples, de abdicar de confortos e se lançar numa aventura cheia de incertezas, mas porque vai estar confinada a um barco 24 horas com o marido e três miúdos (a mais velha já teenager).
Quando em junho a vi partir, estava longe de imaginar que estaria, hoje, numa situação parecida. Parecida, mas ainda assim bastante melhor, note-se. Apesar de tudo, temos uma casa muito maior, com várias divisões, podemos sair à rua para desentorpecer as pernas, e não precisamos de racionar a água nem a internet, que temos com fartura.
A escola à distância é muito mais exigente, mas é bem diferente dos desafios enormes de fazer ensino doméstico ou homeschooling. A acompanhar os estudos dos meus filhos estão, abençoados sejam todos eles, muitos professores empenhados em fazer esta quarentena acontecer com o mínimo impacto possível para as crianças. O que seria se fosse eu a ter de o fazer também…
Todos adoramos os nossos filhos. Supostamente, também adoramos os nossos respetivos (maridos e mulheres). Mas no contrato social e pessoal que a maioria de nós assinou quando decidiu juntar-se a alguém e constituir família, não estava prevista uma cláusula que implicava passar, semanas a fio, 24 horas fechado no mesmo espaço com essa pessoa e uma prole, no meu caso, vasta.
Sou aquela pessoa que ao fim de umas férias sonha em regressar ao trabalho, onde me esperam cinco minutos de paz de quando em vez, tempo para pensar e revistas e jornais para ler com (alguma) calma. Apesar de tudo, a agitação típica de uma redação consegue ser mais tranquila do que a vida diária numa família de seis.
Não me espantou, pois, nada quando li hoje – no dia em que o primeiro-ministro apresentou as medidas do estado de emergência que nos deixarão em reclusão forçada – que o número de divórcios disparou nas regiões da China que estiveram em quarentena. Em Xi’an, cidade com 12 milhões de pessoas, nas duas semanas seguintes ao fim da quarentena bateram recordes.
Conciliar a mesma carga para quem está em teletrabalho, com as rotinas alteradas, a necessidade de cuidar a tempo inteiro de uma família, e ainda gerir uma relação conjugal é dose.
Mais trabalho em casa implica maior divisão de tarefas ou maior desigualdade na sua distribuição, conforme os casos. Menos espaço para espraiar e mais tempo em conjunto para o casal multiplicam as oportunidades de implicância. Atire a primeira pedra quem nunca…
É preciso paciência, espírito de sacrifício e foco no objetivo: chegar inteiro ao final desta provação com saúde e, de preferência, sem arrancar olhos nem cabelos. O confinamento é o maior teste à solidez de uma relação. Estou certa que no fim do ano teremos uma enchente de divórcios Covid. Até nisso a quarentena será depurativa: só sobrarão as uniões fortes.
Amor que sobrevive ao Covid-19 sobrevive a tudo.