Estamos a três meses das eleições europeias que serão (porventura) as mais decisivas de sempre, mas continuamos todos a comportar-nos como se elas fossem apenas mais uma página normal na rotina de um calendário eleitoral há muito estabelecido e sem qualquer relevância para o nosso futuro coletivo – unicamente um pró-forma sem consequências, fruto de mais uma decisão obscura e distante de quem costuma reunir-se em Estrasburgo e em Bruxelas, com ideias vagas e difusas sobre o que são, de facto, as aspirações e os anseios dos cidadãos que representam. É verdade que, de vez em quando, vamos ouvindo uns avisos sobre as ameaças à cada vez mais enfraquecida coesão da União Europeia e, muito fugazmente, até um ou outro alerta para o risco de o próximo Parlamento Europeu, a sair das eleições de maio, ficar com as suas funções quase paralisadas, devido ao aumento das forças populistas (xenófobas, antidemocráticas, racistas) e antieuropeístas que não escondem, sequer, o seu objetivo de destruir a União por dentro. De forma já mais frequente, vamos sendo informados sobre as outras nuvens negras que ameaçam a Europa: o filme de suspense que se desenrola no Reino Unido com um Brexit que se antevê cada vez mais caótico, os sinais de abrandamento da economia continental, as jogadas imprevisíveis do Presidente norte-americano mais hostil de sempre ao projeto europeu, a crescente perda de protagonismo e de influência da Europa nas grandes decisões mundiais, os regressos dos nacionalismos e dos populismos, aproveitando as legiões de descontentes que já não se sentem representados pelas forças políticas que construíram a União e que, agora, vivem uma imensa crise de liderança e até de personalidade.
Todas estas ameaças e riscos são conhecidos. E, em certos círculos e ambientes, até fica sempre bem falar deles, com a arte de, logo em seguida, se misturar no discurso alguns apelos à reconstrução da União Europeia, à necessidade de se modernizar as suas instituições, à urgência de a fazer aproximar mais das pessoas e dos ideais fundadores de um espaço comum de paz, democracia, solidariedade e prosperidade. Mas apenas, repito, em certos círculos e ambientes.
No resto do tempo e no dia a dia, as eleições europeias continuam a ser olhadas como algo sem importância para as nossas vidas e que tão-só parecem interessar como um fator de avaliação da performance de cada partido político. Pior ainda, são encaradas, logo à partida, como uma fatalidade: um escrutínio desprezado pelos eleitores e em que os recordes de abstenção vão crescendo de forma imparável, sem que nada possa ser feito para a contrariar. A verdade é que, neste ano de 2019 e observando-se tudo o que se passa no mundo, as eleições europeias de maio não podem nem devem ser vistas apenas como uma espécie de sessão de aquecimento para as legislativas de outubro. São muito mais importantes do que isso.
É claro que, em maio, não vamos escolher, pelo voto, quem nos vai governar e tratar da Saúde, da Educação, da Segurança Social ou dos Transportes e da Habitação. Mas é em maio que o futuro da Europa, enquanto exemplo de liberdade, democracia e solidariedade, pode começar a ser definido ou até alterado. É em maio, antes de tudo, que vamos escolher os valores que queremos manter no projeto europeu e em cada um dos países que pertencem à União. E saber onde cada força política se situa agora – antes de os ventos poderem ou não começar a mudar no resto da Europa, com os efeitos de contágio que todos já vimos no passado – devia ser um imperativo democrático e uma prova de transparência perante os eleitores. Até porque, no final das contas, o “aquecimento” de maio pode gerar um balde de água fria para as aspirações de muitos em outubro.