O que é mais urgente: tentar evitar o fim do mundo ou garantir que se tem dinheiro até ao final do mês? Por aquilo que se viu nas últimas semanas em França, e que foi exaustivamente documentado nas ruas de Paris em quatro fins de semana consecutivos, parecem existir poucas dúvidas sobre qual é a resposta das populações a esse dilema, enunciado de forma arrogante por Emmanuel Macron quando os primeiros “coletes amarelos” iniciaram os seus protestos. Mas as conclusões não podem ser tão simples e apressadas, ao estilo e imagem de Macron.
É verdade que o rastilho que incendiou o paiol que estava oculto em França foi o aumento do preço dos combustíveis, através da subida da chamada taxa de carbono, destinada a proteger o ambiente e a combater as alterações climáticas. Mas o fogo que rapidamente alastrou a todos os setores da sociedade gaulesa teve origem em razões bem mais profundas – relacionadas, em primeiro lugar, com a perda sistemática do nível de vida dos trabalhadores e da chamada classe média – e que nada têm que ver com o ambiente e as alterações climáticas.
Depois, foi a própria falta de sensibilidade de Macron que fez exaltar os ânimos, ao mostrar-se, como sempre, muito mais preocupado com o seu lugar na História do que com as histórias do povo que governa. Foi Macron quem, no primeiro momento, minimizou os protestos, afirmando que o seu objetivo era salvar a Terra e não o modo de vida dos seus concidadãos. Foi Macron quem, no fundo, ajudou a transformar este protesto numa disputa entre a defesa do ambiente e a defesa da qualidade de vida, que depressa foi aproveitado, por esse mundo fora, por quem nega as alterações climáticas e apenas quer defender os interesses das indústrias poluentes.
O combate ao aquecimento global e às alterações climáticas é o desafio mais importante que o mundo vai enfrentar nas próximas décadas. Mas, para preparar esse combate e conseguir minimizar a ameaça crescente, a opção nunca pode ser entre o fim do mundo e o fim do mês. Macron vai pagar caro por isso. E o pior é que nós também.
A chamada taxa de carbono, a penalizar as emissões dos veículos automóveis, existe em 46 países, segundo as contas do Banco Mundial, mas tem gerado ultimamente muitas tensões e discórdia, embora nunca com a dimensão que se viu agora em França. Essa discórdia, alimentada em muitos casos pelos negacionistas das alterações climáticas, já fez cair, no ano passado, um primeiro-ministro na Austrália que a pretendia introduzir no país – e que foi substituído por outro que depressa escondeu a taxa na gaveta. No Canadá, uma medida semelhante deve entrar em vigor já no início de 2019, como cumprimento de uma das bandeiras eleitorais do primeiro-ministro Justin Trudeau, mas a oposição conservadora já anunciou que a revogará se vencer as eleições do próximo ano. Ou seja: aos poucos, a defesa do ambiente começa a ser fator de divisão política, com a crispação e a violência que se sabe nos dias de hoje.
Mal foi conhecida a decisão de o Governo francês anular o aumento previsto da taxa, na sequência dos protestos, o primeiro a aplaudir foi Donald Trump, feliz por ela representar uma brecha no Acordo de Paris contra as alterações climáticas, de que ele é o mais feroz opositor.
A grande questão, no meio disto tudo, é que, quando se pergunta aos “coletes amarelos” o que eles pensam sobre o futuro do planeta, a sua principal preocupação é com o ambiente e até aceitam medidas que façam reduzir o consumo energético, conforme revelou, no final de novembro, uma sondagem do Ifop para a edição do centenário do Le Journal du Dimanche. O seu protesto, embora inflamado pelo aumento da taxa de carbono, não é contra o ambiente, mas, acima de tudo, contra a injustiça social. E, por causa de Macron, vai ser aproveitado pelos inimigos do ambiente.
(Editorial da VISÃO 1345, de 13 de dezembro de 2018)