Acontece a todos os adeptos de futebol, época após época. Felizmente não calha sempre aos mesmos, mas ninguém lhe escapa. Mais tarde ou mais cedo atravessa-se no nosso caminho, torçamos nós pelo Paços de Ferreira ou pelo Real Madrid. Eis que ele chega, impiedoso, cruel: o momento do “matematicamente possível”. Trocando por miúdos, ou para aqueles adultos que já perceberam que o futebol é uma infantilidade que faz perder demasiado tempo, “matematicamente possível” é um eufemismo que a malta da bola arranjou para “impossível”. Parece ser para doer menos, mas acho que causa ainda mais sofrimento. Aceito que possa ser um trauma meu, com a matemática. Soa-me a castigo: “Não só a tua equipa jogou mal, como ainda vais ter de fazer contas.” Só falta ficarmos também sem comer sobremesa. Dizer que o Porto, que está a dez pontos do primeiro classificado, Benfica, ainda pode ser campeão, é como dizermos ao nosso tio Alfredo que, apesar de os médicos lhe terem dado três meses de vida, pode ser que ainda se safe. Se calhar trocaram os exames dele com os doutro paciente, e o tio Alfredo está rijo como um pêro. É, de facto, matematicamente possível, embora pouco provável, porque o nosso tio está feito num oito. E é um oito ainda pior do que foi o Nakajima no FC Porto. Nada é mais contrário à natureza do futebol do que a álgebra.
Uma ciência que se ocupa do cálculo das grandezas nunca admitiria que o Sporting fosse maior do que o Arsenal. É certo que falamos de um jogo que vive da soma e da subtracção, sempre que a bola entra na baliza ou que o árbitro gama um penalty, e perdoem-me o recurso ao prosaico “gama”, mas é uma homenagem à função com o mesmo nome. Apesar de falarmos em divisão de pontos ou multiplicação de receitas, o futebol tem uma aritmética própria. Por exemplo: 11×11 = Alemanha, enquanto, segundo a matemática convencional, o resultado seria 121. Aliás, se há coisa que tem vindo a desvirtuar esta modalidade é a entrada, a pés juntos, da geometria. Um golo já não é só um golo. Um golo é objecto de análise detalhada, durante longos minutos, com linhas, cálculos e medições, e depois pode até concluir-se que x=0. Golo anulado. Ganha-se em rigor? Provavelmente. Mas perde-se muito em emoção. A função do futebol é permitir-nos ser um pouco primitivos, não é ensinar-nos o que são primitivas e integrais. E é por isso que “matematicamente possível” é a coisa menos motivadora que um treinador pode dizer aos seus pupilos, porque mesmo que eles tenham sido tão maus alunos como eu, até os que chegaram só à fase da tabuada do Ratinho percebem que as probabilidades de vitória são perto de zero. O oposto acontece neste momento com sportinguistas e benfiquistas, que sonham com uma supertaça europeia em modo derby lisboeta. É difícil? Muito. Mas é poeticamente possível, o que é bem melhor do que tudo o que meta matemática.
Matematicamente possível

A função do futebol é permitir-nos ser um pouco primitivos, não é ensinar-nos o que são primitivas e integrais
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