A Covid-19 é uma doença infeciosa que se propaga mais rapidamente em grandes aglomerados populacionais e afeta com maior gravidade pessoas com quadros inflamatórios de baixo grau como a diabetes, a obesidade e a síndrome metabólica. Ou seja, a resposta imune inata e adaptativa sofre alterações decorrentes do estado de inflamação crónica presente nestas doenças contribuindo para o aumento das complicações associadas à infeção. No caso dos obesos, que ocupam uma proporção elevadas das camas nas unidades de cuidados intensivos em Portugal, estes apresentam elevação de várias substâncias pró-inflamatórias (com nomes complexos como TNF-α, MCP-1 e IL-6) provenientes da gordura excessiva presente no tecido adiposo visceral e subcutâneo que comprometem a resposta imunitária.
Isto quer dizer que as doenças infeciosas que no passado sempre afetaram os menos resistentes, que eram habitualmente os mais famintos, magros e pobres, viraram-se agora para os novos pobres do século XXI, os obesos e menos resistentes devido a quadros inflamatórios de baixo grau. Ou seja, as populações urbanas e periurbanas, que habitam em zonas de grande densidade populacional, que utilizam com maior frequência transportes sobrelotados e que têm uma alimentação desequilibrada promotora de inflamação com baixas quantidades de hortícolas e fruta fresca e com excesso de sal, açúcar, gordura animal e álcool, com pouco tempo para a atividade física regular e que se transformaram progressivamente em cidadãos obesos ou com as doenças associadas como a diabetes e a hipertensão. Estes grupos da população são por sua vez, aqueles que têm habitualmente menos acesso a produtos frescos, a modos de produção biológica, a informação de qualidade e que, por sua vez, recorrem mais a produtos embalados, altamente processados e com maior impacto sobre o meio ambiente. Estes factos novos obrigam a repensar as políticas alimentares e nutricionais a nível europeu e os modelos de intervenção alimentar por parte dos profissionais de saúde. Felizmente, Portugal, através da DGS, tem vindo a demonstrar atenção a este fenómeno e a disponibilizar nos últimos meses diversos documentos on-line para a população sobre este tema.
Doenças infeciosas como a Covid-19, doenças crónicas como a obesidade e diabetes, o equilíbrio nutricional e a proteção ambiental têm assim um elo comum na alimentação saudável, mas também na capacidade da população ter acesso a alimentos saudáveis e amigos do ambiente. E informação credível fornecida por nutricionistas qualificados e orientados pela evidência científica. Tudo isto não é coisa pouca. Talvez seja mesmo o maior desafio desde o inicio da profissão em Portugal em 1976.
No futuro vamos ter de continuar a viver em grandes centros urbanos (onde já vive metade da humanidade) pois o planeta não estica e vamos ter de organizar estas grandes cidades para que sejam espaços agradáveis. Vamos ter de continuar a comer e, ao mesmo tempo, as cidades vão ter de se transformar em grandes centros de produção alimentar. Vamos ter de reduzir a pegada ambiental na produção alimentar e para isso tanto poderemos produzir tomates frescos nos nossos terraços como peixe nos nossos laboratórios. E tentar manter a carga inflamatória baixa. Ou seja, a dieta mediterrânica mais a sua sopa de hortícolas, o pão, o grão, a amêndoa, azeite e a fruta vai ter de continuar presente na nossa alimentação para nos dar nutrientes e proteção face à infeção. O objetivo continuará a ser o mesmo, reduzir processos inflamatório, evitar o excesso de peso, identificar formas cada vez mais inteligentes de gastar calorias e praticar atividade física pois iremos mexermo-nos menos e estar cada vez mais à frente do computador.
Um planeta superpovoado e concentrado com pessoas sedentárias e com excesso de peso a trabalhar em frente a computadores são cenários de hoje que já não deverão voltar atrás. Resta encontrar rapidamente caminhos que permitam este equilíbrio entre escolhas alimentares saudáveis capazes de reduzir a inflamação e estilos de vida promotores de saúde que deixem o planeta respirar e a nós enfrentar as doenças infeciosas que vieram para ficar. Com a ciência ao nosso lado. Será difícil, mas ainda possível.