Em julho de 2015, a Direção-Geral da Saúde publicou um manual de orientação técnica sobre alimentação vegetariana. O Ministério da Saúde Português foi assim pioneiro na matéria, alertando de forma pedagógica para as vantagens, desvantagens e necessidades de acompanhamento dos profissionais de saúde na adoção bem-sucedida deste modo de comer.
Nos dias seguintes à sua publicação online, recebemos uma resposta verdadeiramente invulgar por partes dos cidadãos. Foram milhares os descarregamentos, os comentários e as partilhas nas redes digitais.
Refletindo agora, e passados alguns meses do sucedido, acreditamos que esta resposta maciça não teve a ver com a novidade do manual. Esta é uma área onde já se publica muita coisa e onde existe muita informação recente. A resposta deveu-se, muito provavelmente, ao facto de a alimentação vegetariana, mais do que uma moda, se ter transformado para muitos num verdadeiro estilo de vida, onde se mistura saúde, proteção da natureza e defesa dos direitos dos animais. E por outro lado, porque esta vontade de um retorno à natureza está muitas vezes associada ao interesse e compra de suplementos alimentares sobre os quais existe pouca ou nenhuma evidência científica, oportunismo económico e até informação contraditória. Assim sendo, é natural que documentos de referência sobre a matéria, provenientes de instituições públicas credíveis, tenham bastante procura e que seja até desejável que o Estado trabalhe e esclareça nestas áreas institucionalmente mais esquecidas.
Sobre a alimentação vegetariana é necessário dizer que esta deve ter por base, preferencialmente, produção local, recolhida na época própria e cozinhada de forma tradicional, adaptando sempre que possível a nossa vastíssima tradição gastronómica e modo de comer que é, afinal, muito vegetariana na sua origem. Veja-se a “Dieta Mediterrânica” cuja matriz “ideológica” é constituída por alimentos de origem vegetal – pão, azeite e vinho, acompanhados por hortícolas, leguminosas (feijão, grão, lentilha, ervilha…) e frutas, aos quais se adicionam depois pequenas doses de carne, peixe e laticínios. Alimentos característicos da bacia do mediterrânico onde era crónica a escassez de carne de vaca e de outras fontes de proteína animal – panorama que só mudou nos anos 70 com a melhoria das redes de transporte, com o frio e com a abertura ao espaço europeu.
É possível e aconselhável que uma “dieta vegetariana” não tenha por base os suplementos alimentares e os produtos processados fora da nossa tradição alimentar, ou ainda, excentricidades longínquas como a soja, para a qual os europeus caucasianos estão mal preparados metabolicamente e cuja produção é, na sua maioria, proveniente de organismos geneticamente modificados. É também desejável que uma dieta vegetariana cumpra os princípios gerais da alimentação saudável, ou seja, que tenha variedade e equilíbrio. Sim, porque uma alimentação à base de vegetais pode ser desequilibrada nutricionalmente e abundante em gordura, sal e energia, se não for acompanhada de forma sensata por profissionais qualificados. Pelo menos, no início e em grupos de risco como as crianças ou grávidas.
Questões centrais para atingir uma alimentação vegetariana equilibrada residem no aporte adequado de proteína, de vitaminas e minerais. Quanto às proteínas, ao consumir uma quantidade e variedade adequada de cereais e leguminosas e ao atingir as necessidades energéticas, a qualidade proteica estará assegurada, sendo semelhante à da carne. Por este motivo, o consumo de uma mistura de vários alimentos (entre leguminosas e cereais, por ex.) fornece todos os aminoácidos essenciais e estes nem necessitam de ser ingeridos na mesma refeição, exceto em crianças.
Quanto às vitaminas e minerais, atenção deverá ser dada para a adequação da ingestão dos seguintes nutrientes: vitamina B12, vitamina D, cálcio, zinco, ferro e iodo. Os suplementos não deverão ser utilizados como substitutos de uma alimentação variada e equilibrada. No entanto, no caso da vitamina B12, dada a inexistência de fontes nutricionais numa dieta “vegana”, deverá ser obtida através de alimentos enriquecidos ou suplementos. É prudente que vegetarianos, de uma forma preventiva, especialmente na gravidez e lactação, façam suplementação em vitamina B12.
De resto, fica aqui indicação de algumas fontes alimentares de vitamina D (alimentos fortificados como leite, bebidas e cremes vegetais, cereais de pequeno-almoço e pão; ovo proveniente de galinhas alimentadas com algas), cálcio (laticínios, hortícolas de cor verde escura, leguminosas, sementes e frutos gordos), zinco (cereais integrais e derivados, leguminosas, frutos gordos, sementes, ovos e laticínios), ferro (leguminosas, cereais integrais, vegetais de cor verde escura, sementes, frutos gordos, tempeh, ovo e alimentos fortificados como cereais de pequeno-almoço) e iodo (sal iodado, algas e laticínios).
Concluindo, sublinho que seguir uma dieta vegetariana não implica, per se, melhor saúde. Mais e melhor saúde depende da escolha de um estilo de vida saudável, onde a alimentação é apenas uma de diversas escolhas.