Na sexta-feira, 5, foi aprovado o alargamento da licença atribuída aos pais, após o nascimento de um filho, de dez para quinze dias úteis, pagos integralmente pela Segurança Social. A medida já tinha sido anunciada pelo governo de Pedro Passos Coelho mas havia ficado suspensa até à apresentação do Orçamento de Estado de 2016, por representar “um aumento de despesa”. O executivo de António Costa manteve a medida nas contas agora aprovadas e, a partir de abril, entrará em vigor.
É de louvar, nestes tempos em que a nossa vida permanece embalada pela cantilena riscada que repete a necessidade de austeridade, mais e mais austeridade. Mas a verdade é que aqueles que desenham as contas do país deviam ficar envergonhados por conseguirem oferecer tão pouco, no que a políticas de incentivo à natalidade diz respeito. Porque é o equilíbrio das contas futuras do país que está em risco e continuar a ignorar a situação catastrófica que vivemos é condenar à falência o Estado Social que faz parte do ADN da nossa democracia.
É certo que em 2015 houve uma ligeira inversão dos números de nascimentos, com mais 1 958 crianças que no ano anterior. Mas Portugal continua a ter a mais baixa natalidade da União Europeia, com um índice de fecundidade de 1,2 – muito distante dos 2,1 exigidos para assegurar a reposição de gerações (um valor que Portugal não atinge desde 1982). Somos dos países mais envelhecidos do mundo e prosseguimos nessa trajectória, sem cuidar da necessidade de recuperar o défice de nascimentos, para mais tarde assegurar que temos população ativa em número suficiente para pagar os impostos necessários à manutenção da Segurança Social.
Hoje a situação já não é a melhor, com 340 portugueses em idade ativa para cada 100 idosos. Mas, se nada for feito, daqui a 40 anos teremos passado para 110 ativos para cada 100 idosos. Nos últimos anos, a gravidade desta situação esteve presente em todos os discursos políticos. Mas pouco se fez. Foram apenas aprovadas medidas avulsas, com eficácia muitas vezes anulada pelos cortes efetuados em sede fiscal e pela retirada, a mais de meio milhão de crianças, do abono de família. Neste orçamento voltam a haver sinais contraditórios: por um lado, aprova-se o aumento da licença exclusiva do pai, por outro, as famílias de classe média com mais rendimentos e com filhos vão ser prejudicadas pelo fim do quociente familiar, como tão bem explica a diretora-adjunta da VISÃO Mafalda Anjos, neste texto.
Os políticos não podem dizer que não conhecem a situação, tal como também não podem alegar não haver solução para o problema. Vamos por partes.
O assunto tem sido amplamente estudado nas universidades portuguesas e, há dois anos, o PSD criou, inclusive, uma nova Comissão para estudar o problema e propor medidas concretas. Joaquim Azevedo, da Universidade Católica, foi o escolhido para coordenar a equipa que, em poucos meses, apresentou um relatório propondo medidas muito concretas, na área da educação, impostos, conciliação da vida familiar e profissional ou saúde. Destaco três exemplos:
- Alargamento da licença de maternidade em mais um ano, além do período atualmente previsto, sendo que a mãe recebe o vencimento na totalidade mas é substituída no cargo, durante esse ano, por um trabalhador – desempregado e a receber subsídio de desemprego. A mãe recebe a remuneração na totalidade mas 50% é paga pelo Estado, que deixa de pagar o subsídio de desemprego ao trabalhador que a substitui. A empresa pagará ao substituto os 50% que pagava à colaboradora, pelo que não há acréscimo de custos para a empresa.
- Part-time para mães e pais até que os filhos façam seis anos: redução de duas a quatro horas diárias do horário de trabalho, sendo que a redução salarial não deverá ultrapassar os 50% da redução já prevista.
- Permitir que horários das creches se ajustem aos horários dos pais e alargar a oferta das escolas e creches para períodos de férias e horários pós-escolares.
Neste relatório pode ler-se que “apesar da crise e por causa dela, é preciso dar desde já sinais” para “transmitir a confiança necessária à recuperação da natalidade. Tal recuperação não só é possível como constitui uma condição sine qua non da sustentabilidade do próprio país: sem crianças não há sustentabilidade, nem futuro, por mais benéfica que seja a retoma da economia”.
O documento foi apresentado em julho de 2014 mas só em abril de 2015 foram apresentadas algumas propostas pela maioria PSD/CDS ao Parlamento. Em vez de um pacote integrado de ataque ao problema, como a comissão propunha e a necessidade impõe, aprovaram-se apenas meia dúzia de medidas (e nenhuma das ideias-bandeira da Comissão): a mais significativa foi a criação da possibilidade de trabalho em regime de meia-jornada para pais e avós de crianças com menos de 12 anos, recebendo 60% do ordenado, mas apenas para a Função Pública e dependente de aprovação do superior hierárquico. Além disso, foi aprovado um desconto de 50% no imposto automóvel para as famílias numerosas (mais de 3 filhos) que comprem um carro novo com mais de 5 lugares, e a ideia (como se concretizará?) de “criar mecanismos de proteção de trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes”, estabelecer “a universalidade da educação pré-escolar de crianças a partir dos quatro anos” (mas nem para as de 5 anos há vagas suficientes) e – sentem-se bem –, a nomeação de (mais) uma Comissão Especializada Permanente Interdisciplinar para a Natalidade.
Outra medida “aprovada”, mas com a execução adiada, para ser repensada em 2016, foi a do alargamento da licença do pai em 5 dias – concretizada no orçamento agora aprovado.
É pouco, muito pouco. E é possível fazer muito mais investindo bem menos do que já nos custaram as imparidades do sistema bancário português (40 mil milhões de euros, nestes anos da crise). Basta olhar para o exemplo francês, que passaram a figurar, orgulhosamente, entre os que mais gastam em percentagem do PIB no apoio às famílias: 3,6%. Em Portugal, segundo a OCDE, ficamos por 1,4 % do PIB. Não seria preciso dar este salto de dois ou três mil milhões de euros em prestações familiares de uma só vez mas França é a prova de que o investimento em quem tem filhos vale a pena. Há 15 anos estava numa situação semelhante à nossa e hoje detêm, a par da Irlanda, a mais alta taxa de natalidade da Europa. E não apenas graças à imigração, como alguns apontam (só uma em cada sete mães são estrangeiras), mas porque os franceses encontraram o apoio e a segurança para darem o salto do primeiro para os segundos e terceiros filhos. Só assim tem sido possível inverter as curvas descendentes da natalidade em todos os países com bons resultados.
Esse é um problema enorme em Portugal, que tem a mais alta taxa de filhos únicos (31%, contra 18% em França). Mas não por nossa vontade. Segundo um estudo do Instituto Nacional de Estatística e da Fundação Francisco Manuel dos Santos, realizado em 2013, os portugueses idealizam ter 2,3 filhos, um valor superior ao 2,1 necessário para repor gerações. Uma das principais razões porque não têm filhos, adiam esse desejo cada vez mais ou têm apenas um, é por razões económicas e pela dificuldade em conciliarem os horários de trabalho com a vida familiar. Onde esta questão mais se coloca é na chamada classe média, para quem já não existe abono de família a partir do 3º escalão, ou seja, dos 8 803,62 euros de rendimento anual de referência.
Também não foi por se cortar o abono a estas famílias que as mais pobres ganharam mais ajudas. Um casal em que cada um leve para casa o ordenado mínimo e tenha um filho de dois anos recebe um abono de 29,92 euros. Além disso, no acesso a uma creche com financiamento público, aqueles que ganhem mais de 700 euros acabam relegados para o final das listas de espera. A única solução é a rede privada, com custos que em Lisboa, por exemplo, variam entre os 350 e os 600 euros mensais.
Faz sentido que seja mais caro pagar a mensalidade de uma creche do que as propinas de uma universidade privada? Suportar a creche de um filho já é muito difícil, juntar-lhe um segundo torna-se quase impossível. Esta será também uma das razões porque se nota um alargamento da diferença de idades entre o primeiro e o segundo filho, na última década. Muitas famílias esperam pela entrada do primeiro na escola pública para poderem concretizar o sonho de lhe dar um irmão.
Em França, a boa rede pública de creches, disponível para todas as famílias independentemente dos seus rendimentos, é uma das razões apontadas para que se tenha dado o tal ‘milagre’ da recuperação da natalidade. Além disso, a escolaridade é obrigatória (e gratuita para todos) a partir dos 3 anos. E as mães que decidam trabalhar a meio-tempo, nos primeiros três anos de vida dos filhos, têm o ordenado por inteiro, suportado pelo Estado. E porque não os pais? Só neste ponto Portugal pode ser um exemplo: desde 2009, temos uma das leis mais paritárias do mundo. A licença deixou de ser de maternidade para passar a ser parental, incentivando a partilha entre homem e mulher.
Antes, os pais podiam tirar 5 dias após o nascimento, mas muitos nem chegavam a fazê-lo. Agora poderiam tirar um mês e meio. Será que iam aderir à ideia? Escrevi sobre o assunto em 2012, desenvolvendo o tema numa reportagem SIC-VISÃO. Só nos primeiros dois anos de implementação o número de pais que passaram a assumir sozinhos os cuidados dos bebés durante pelo menos 30 dias aumentou 3 500%, provando que há uma nova geração de homens mais participativos e afetuosos que reclamam uma maior proximidade aos seus filhos.
Quase todas as famílias começaram a usufruir de 6 meses de licença, pagos a 83% por cento, caso o pai gozasse um mês complementar. Passou ainda a ser possível tirar mais dois períodos de três meses de licença pagos a 25% (um pelo pai, outro pela mãe), para incentivar a partilha dos cuidados do bebé no primeiro ano de vida – e poder assim, também, adiar a entrada na creche que, além de cara, não é recomendada pela maioria dos pediatras em idades tão precoces.
A licença paga a 25%, contudo, é ainda pouco utilizada. Porque receber apenas um quarto do ordenado é, para muitas famílias, uma ginástica orçamental inviável e porque existe também uma pressão das entidades empregadoras para que se acelere o regresso ao trabalho. E a proteção do emprego de pais e mães em período de licença deixa ainda, também, muito a desejar.
O assunto voltará a ser discutido no Parlamento em breve, não por iniciativa de nenhum partido mas por força de uma petição que reuniu as assinaturas necessárias para ir a debate. Nela defende-se que, recomendando a Organização Mundial de Saúde o leite materno como alimento exclusivo nos primeiros seis meses de vida, a mãe deverá ter seis meses de licença pagos a 100% para poder fazê-lo. O PCP e o Bloco de Esquerda já anunciaram o seu apoio a esta ideia. Não tenho nada contra mas repito: este assunto, que é crucial para o futuro do país, não deveria ser discutido de forma mais ampla, com outra seriedade? É que também não serão os seis meses de licença, por si só, a nossa salvação.
Há um longo caminho a fazer e obviamente não será fácil canalizar para novas medidas de apoio à natalidade as verbas que vão faltando em tantas outras obrigações sociais já assumidas pelo Estado. Mas terá de ser possível. E depressa. São decisões que um primeiro-ministro dificilmente verá dar frutos em quatro anos, mas a quem o país ficaria grato daqui a quarenta.