No berço que a ilha encerra
Bebo as rimas deste canto
No mar alto desta terra
Nada a razão do meu pranto
Mas no terreiro da vida
O jantar serve de ceia
E mesmo a dor mais sentida
Dá lugar à chamateia
Oh meu bem
Oh chamarrita
Meu alento, vai e vem
Vou embarcar nesta dança
Sapateia, oh meu bem
Se a sapateia não der
Pra acalmar…
Deixe-se viajar na ondulação desta “Chamateia”, tão extraordinariamente interpretada por António Zambujo, uma música de Luís Alberto Bettencourt que teve esta letra genial do mariense António Melo Sousa, e, a bordo da barca do conhecimento e da estupefação, entre por dentro destes Açores profundos, dos seus encantos, dos seus segredos, da sua quietude, também das suas vicissitudes, e visite hoje connosco a ilha de Santa Maria, a primeira dos Açores a ter sido descoberta por navegadores portugueses.
Foi-lhe dado nome de mulher e quiseram-na santa. Santa Maria é a ilha vulcânica mais antiga do arquipélago dos Açores contando mais de oito milhões de anos. Comprova essa longevidade a existência de fósseis marinhos em terrenos argilosos a quase trezentos metros acima do nível do mar. Tem um clima seco e quente dada a sua baixa altitude, daí apelidarem-na de “Algarve dos Açores”.
Santa Maria tem como capital Vila do Porto, um povoado pequeno e singelo construído à beira-mar patenteando uma geometria bem desenhada projetada num casario simples mas cuidado.
Nos Anjos, uma baía bonita hospeda a mais antiga povoação da ilha com o seu porto seguro guardando no seu cofre-forte da história o galardão de ter acolhido Cristóvão Colombo e os seus marinheiros.
Segundo Raúl Brandão em “As Ilhas desconhecidas”, Gonçalo Velho, que foi o primeiro capitão-donatário das ilhas de São Miguel e de Santa Maria, tê-la-á descoberto em 1434.
A ilha tem um capricho. Encerra em si, e para deleite dos visitantes, um pequeno deserto de terra vermelha que contrasta fortemente com a vegetação circundante. Chamam-no o Barreiro da Faneca, mas é mais comumente conhecido por Deserto.
Na freguesia da Almagreira encontramos outra maravilha que a natureza açoriana nos oferta, a delicada Praia Formosa, designada em 1584 por Luís Teixeira, cosmógrafo do reino, por “Plaia Hermosa”. É bonito ver uma ribeira desaguar nesta praia abrigada e quente, onde, no século XV, mesmo ao seu lado, erigiram um castelo, o Forte de São João Batista da Praia Formosa, também conhecido por Castelo da Praia, o mais antigo dos Açores.
Neste ambiente de rara beleza, é realizado anualmente o conhecido Festival Maré de Agosto, o evento musical de maior expressão nos Açores. É bonito ver-se jovens enamorados banharem-se ao lado do casal idoso ainda também apaixonado nas águas cândidas da praia ao som das grandes bandas de rock, jazz, soul e country e de vozes vindas de todo o mundo. O brasil já trouxe, entre outros, Martinho da Vila, Waldemar Bastos, Ivan Lins, Gabriel o Pensador; vindos de Lisboa vieram Carlos do Carmo, Sérgio Godinho, Madredeus e tantos mais; anglo-saxónicos como James Cotton, John Lee Hooker Jr e Stanley Jordan, para citar só estes craques da música, porque muitos outros abrilhantaram o palco da Maré, pisaram também o palco da popular Maré, na Praia Formosa.
A baía de São Lourenço, no nordeste da ilha, advém de uma cratera vulcânica com 113 hectares de área e é um paraíso para os veraneantes pelo seu enquadramento arquitetónico que não destoa ao lado de tanta beleza natural e quietude. Antigamente, esta baía serviu de porto de abrigo aos navios que, por força das intempéries, não conseguiam atracar em Vila do Porto. A baía de São Lourenço, com águas que descem a uma profundidade de apenas 12 metros, está classificada desde 1987 como reserva natural.
Na freguesia de Santa Bárbara, encontra 587 metros de montanha acima do nível do mar de nome Pico Alto, uma elevação que influencia significativamente a hidrologia da ilha, por si seca, provocando a sua orologia singular nuvens que trazem a preciosa chuva, principalmente a esta zona da ilha.
Santa Maria, a ilha mais oriental dos Açores, é dotada de um aeroporto com uma pista de mais de três mil metros de comprimento, estando ali instalado o importante Centro de Controlo Oceânico que reúne as componentes tráfego aéreo, comunicações e vigilância.
A norte da ilha estão os Ilhéus das Formigas, avistados em 1431 por Gonçalo Velho Cabral. Um dos ilhéus tem um farol constituindo uma preciosa ajuda à navegação marítima.
Caranguejos, lapas, cracas, búzios e uma fauna diversificada de espécies piscícolas povoa as águas que banham os bonitos rochedos que durante muitos anos foram o paraíso para caçadores submarinos que demandavam aquelas paragens navegando em barcos rápidos da vizinha São Miguel. Hoje são área protegida.
Santa Maria fica a duas horas de voo de Lisboa, tem boa gastronomia e a população é simpática e recebe bem. Aventure-se no Algarve dos Açores.