Só quem andou muito distraído durante os últimos anos é que poderia acordar e ser extremamente surpreendido com o resultado das eleições nos EUA, no passado dia 5 de novembro (ou 6, aqui em terras lusas). É certo que os menos distraídos esperavam uma corrida mais renhida, mas a vitória republicana estava no horizonte, muito menos por mérito próprio do que por demérito das políticas democratas dos últimos anos.
O fenómeno está longe de ser exclusivo dos EUA, como está bem de se ver. Por alguma razão as direitas (sobretudo as extremas-direitas) estão a crescer um pouco por todo o mundo, e não será, certamente, porque de repente todos os partidos e respetivos líderes passaram a ser os melhores entre os melhores. Na verdade, o grande problema é que os líderes de esquerda (e as políticas de esquerda) insistem numa forma de fazer campanha (e política) que não funciona no mundo atual.
John Harris escrevia, ontem, no The Guardian, um ótimo resumo sobre aquilo que se passou nos EUA, e que se passa um bocadinho por toda a Europa (Portugal incluído). Em tradução livre: “Como a política de esquerda é frequentemente associada a instituições de ensino superior, ideias que devem refletir inclusão podem facilmente transformar-se no oposto. O resultado é uma agenda frequentemente expressa com uma arrogância crítica e baseada em códigos comportamentais – como as microagressões ou o uso correto de pronomes – que são muito difíceis de entender por pessoas fora dos círculos altamente educados”. E, acrescenta, ainda, que para além de todas as razões que explicam a vitória estrondosa de Trump, uma delas é pouco falada mas é um facto ao qual não se pode escapar: “muitas pessoas simplesmente não gostam de nós”, escreve o colunista.
E não está errado. A verdade é que, nos EUA como em outros países, muitos eleitores não votaram em Kamala Harris simplesmente porque se recusam a votar à esquerda. Não importa quem é o outro candidato, o que importa é não concordar com ideias e com uma postura que há muito deixou de representar o cidadão comum. O mesmo aconteceu recentemente no Reino Unido, e também em Portugal, com os eleitores a afastar o mesmo PS que tinha conquistado uma maioria absoluta há apenas dois anos – não vamos todos acreditar que os portugueses mudaram de repente de ideologia política, verdade?
Mas podemos concordar que a arrogância, a prepotência e a dificuldade que alguns políticos de esquerda têm de sair da sua própria bolha, acaba por ser o seu maior inimigo.
Com uma economia a crescer apenas 2,4% e com milhões de famílias a atravessar significativas dificuldades financeiras, o discurso de Trump é terreno fértil para a esperança: travar a inflação a fundo, diminuir o preço da habitação, promover a perfuração de poços de petróleo, cortar nos impostos… como fará tudo isto não colocando em risco os mais pobres é algo que fica para se pensar depois, e um eleitor desesperado quer sempre acreditar que não será ele o mais pobre. “It’s the economy, stupid”, diria James Carville em 1992, durante a campanha que opôs Bill Clinton a George Bush; e podemos dizer nós agora, de novo. No final, é mesmo tudo sobre dinheiro. O partido que melhor souber capitalizar o tema, será aquele que vai levar o voto dos eleitores, apresente ou não medidas concretas para lhes melhorar a vida. O que importa, nesta altura, é a esperança renovada com que olham para um novo ciclo político. “Pelo menos farão diferente”, dizem. Mesmo que esse diferente seja muito pior para quem mais sofre, como se antevê.
A política, recordemos, tem que ver com a administração da ‘polis’, da comunidade, diriam os Gregos. É a atividade, consideramos hoje, ligada à organização ou administração de nações ou Estados. Nações ou Estados esses que são feitos de pessoas, com necessidades e angústias e dificuldades concretas. O dia em que os políticos começaram a esquecer aquilo que é suposto fazerem – servir as suas pessoas nas suas necessidades – foi o dia em que o descrédito começou. E, se bem se recordam, foi numa altura em que os alemães começaram a sentir mais ou menos o mesmo sobre os seus governantes que Adolf Hitler chegou ao poder.
Passaram menos de 100 anos.
Talvez não fosse má ideia voltarmos, todos – cidadãos, governantes e políticos, que têm como missão servir os seus povos – recordarmos que a política não é feita para servir alguns, para apresentar ideias intelectualmente estimulantes mas incompreensíveis ou sem aplicação direta na sociedade em que vivemos, ou para alimentar egos. A política existe para que todos possamos viver melhor, em sociedades saudáveis e economicamente sustentáveis.
Ou, como diria [alegadamente] Edmund Burke, “para que o mal triunfe basta que os bons fiquem de braços cruzados”. E temos que haja demasiados bons de braços cruzados ou a falar apenas para um grupo de muito poucos.