A expressão de espanto e indignação que acompanhou esta pergunta, feita por Pedro Nuno Santos a Rui Tavares, durante o debate para as legislativas, quase eclipsava o absurdo do conteúdo. Felizmente, o candidato socialista repetiu a questão, e tornou-se claro que precisava de uma resposta. Infelizmente, os 12 minutos que restavam ao líder do Livre não lhe deram tempo para clarificar, mas o desafio de Pedro Nuno serve-nos agora para passar a última semana – meses? – em revista: ora então, Pedro Nuno Santos, o que é que, em Portugal, não funciona? Por exemplo, o SNS, que o PS afirma não estar em colapso. No final do ano passado, dos 10,5 milhões de cidadãos inscritos nos centros de saúde, 16% (num total de 1,7 milhões) não tinham um clínico atribuído. O número de cirurgias realizadas até subiu, mas as listas de espera não param de aumentar, enquanto médicos e enfermeiros optam pelo privado (a propósito, nos hospitais onde o Executivo acabou com as PPP também houve uma degradação generalizada da prestação dos serviços).
Depois, temos a Educação – os professores já anunciaram que vão fazer protestos durante os dez dias úteis que antecedem a campanha eleitoral. Não há memória de uma movimentação de tal envergadura em vésperas de ir às urnas, e o facto de, nos últimos oito anos, ter sido o Partido Socialista a liderar é ainda mais curioso. Ao mesmo tempo que os professores estão na rua, os alunos ficam sem aulas – excetuando aqueles mil que continuam a não ter docente a, pelo menos, uma disciplina desde o início do ano letivo.
Entretanto, na Justiça, vemos processos que se arrastam, porque os magistrados estão ora com muito trabalho ora em greve às horas extraordinárias – está tudo a funcionar bem, Pedro Nuno –, o que levou, por exemplo, a que os arguidos na Operação Madeira ficassem detidos durante duas semanas, antes de serem ouvidos pelo juiz responsável pelo caso.
Claro que também poderíamos falar dos últimos dados do INE relativos ao emprego. Em 2023, mais 16 200 pessoas (ou mais 7% do que em 2022) sentiram necessidade de juntar outra fonte de rendimento ao seu primeiro emprego: são atualmente 251 100 as que acumulam duas ou mais atividades remuneradas para conseguir fazer face ao custo de vida em Portugal. Destas, 141 900 têm formação superior (portanto, a grande maioria). Se tivermos em conta que, nos últimos dez anos, 194 mil licenciados emigraram, a dimensão do problema torna-se ainda mais óbvia.
O INE revelou, na mesma ocasião, que a taxa de desemprego aumentou para 6,5%, sendo que, entre os mais jovens (dos 16 aos 24 anos), já vai em 20,3% – o País perde anualmente €1,9 mil milhões em investimento feito nos jovens que emigram, numa altura em que 48% dos cidadãos com menos de 25 anos consideram fazê-lo. No mesmo sentido, um trabalhador português leva para casa menos de 23% do seu salário, em comparação com um holandês, o que faz de Portugal o país europeu onde os impostos sobre o trabalho mais penalizam – e, contudo, não conseguimos que os serviços públicos funcionem.
E podíamos continuar, mas, tal como o tempo de Rui Tavares no debate, o nosso espaço é finito. Achei, ainda assim, importante deixar aqui estas notas, para que possamos fazer as nossas listas do que não funciona, por forma a ajudar os candidatos a São Bento a serem mais concretos nas soluções que apresentam nos seus programas eleitorais. Dizer que tudo funciona parece-me claramente excessivo.