O Chega enviou uma nota às redações, informando que vai realizar uma “concentração popular simbólica”, junto à sede do Partido Socialista, no Largo do Rato, este sábado, dia 13 de maio. A “concentração simbólica” anunciada aos jornalistas está a ser vendida, na comunicação interna e nas redes sociais de André Ventura, como “um cerco” à sede do PS. Segundo o Chega, “esta concentração visa denunciar a corrupção endémica que existe no País e a quase certa prescrição dos crimes de que José Sócrates está acusado” e anuncia um cordão humano.
Se André Ventura acha possível que o poder político pressione para que não se faça o julgamento de Sócrates, poderá achar que o mesmo poder político (agora com Ventura a primeiro-ministro) pode, igualmente, pressionar para que se suspendam todas as investigações que visam o seu amigo Luís Filipe Vieira…
Se o motivo é a eventual não ida a julgamento de José Sócrates, o Chega está enganado no local. Se calhar, devia cercar a Procuradoria-Geral da República ou o Tribunal Central de Instrução Criminal, vulgo “TICÃO”, e não a sede de um partido político. O Chega parece ignorar completamente o princípio da separação de poderes, pedra basilar do Estado de Direito, em democracia, segundo o modelo ocidental, e pelo qual se rege a maioria dos estados modernos, desde Montesquieu, o que apenas foi interrompido, no Ocidente, pelas ditaduras totalitárias de Mussolini e de Hitler (e suas congéneres, incluindo as ibéricas), e agora também posto em causa por democracias híbridas como a húngara ou a turca. Ora, André ventura, que é jurista, não ignora nada este princípio fundamental do Estado de Direito.
A intenção, portanto, é espalhar a confusão. E é atribuir a um partido político a responsabilidade por um processo judicial, que correu os seus trâmites, de forma independente, na Justiça portuguesa e, com isso, confundir a opinião pública, manipulando a indignação a seu favor. Na verdade, se Sócrates não for a julgamento, a responsabilidade é da incompetência judicial, quer na forma como o Processo Marquês terá sido construído, quer no desleixo relativamente ao cumprimento dos respetivos prazos.
O que o Chega sugere é que é possível a um partido, ou a um Governo darem ordens ao Ministério Público, aos juízes encarregados da instrução, ou aos tribunais, em geral. Ou seja, se o Chega for Governo, tentará fazer isto mesmo, provavelmente, mediante revisões sucessivas da Constituição, a longo prazo, logo que tiver força para isso, como fizeram dirigentes como o amigo Orban. O “cerco” do Chega não é uma “concentração popular simbólica”: é uma confissão.
Significa isto, no limite, que, no futuro, um governo do Chega pode obrigar um tribunal a condenar um arguido. Se o Chega acha que um Governo pode forçar a mão da Justiça para não condenar José Sócrates (como sugere este protesto), quer dizer que, no futuro, outro Governo (agora do Chega) pode usar exatamente os mesmos poderes para impedir uma investigação sobre algum seu dirigente que venha a ter problemas similares. Se André Ventura acha possível que o poder político pressione para que não se faça o julgamento do ex-primeiro-ministro do PS, poderá achar que o mesmo poder político (com Ventura a primeiro-ministro) pode, igualmente, pressionar para que se suspendam todas as investigações que visam o seu amigo Luís Filipe Vieira.
Estamos esclarecidos.