“I usually solve problems by letting them devour me.”
― Franz Kafka
Muito deveria ser feito para melhorar as burocracias processuais em Portugal… Todos nós, arquitetos, construtores, técnicos e clientes já passámos por situações que tanto têm de caricato como desesperante. A existência de procedimentos tão diversos quanto o número de municípios em solo nacional, torna o modo de licenciamento complexo e quase kafkiano em algumas entidades, uma vez que existem 308 municípios e consequentemente, 308 formas de submeter o mesmo processo de licenciamento.
Em termos de burocracia camarária urge a criação de uma plataforma única nacional para a entrega de processos de urbanismo. Um formato simples, único e com instruções claras, isto porque cada município funciona com regulamentos diferentes e com normas de utilização complicadas o que leva literalmente ao desespero dos arquitetos e/ou técnicos que tenham que as utilizar, o que resulta em muitas horas perdidas a resolver questões informáticas que nem sequer deviam de existir.
Esta plataforma única deveria ser aberta a outras entidades, nomeadamente: CCDR (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional), APA (Agência Portuguesa do Ambiente), DGPC (Direção-Geral do Património Cultural), EPAL (Empresa Portuguesa das Águas Livres) ou similares – a lista de entidades envolvidas é longa. Assim existia um só ponto de acesso para todos os requerentes, onde se entregariam os projetos/processos completos, evitando o desespero das complicações e perdas de tempo desnecessárias.
Outro ponto a melhorar nos processos e burocracias é a possibilidade de consultar o andamento de um processo com transparência. Esta consulta permitiria maior celeridade na resolução dos projetos e um melhor conhecimento de causa, sem falar na tranquilidade que cada profissional teria em saber que a qualquer momento poderia ver qual o ponto de situação do seu trabalho. Muitas vezes estamos semanas sem saber o que se passa, para mais tarde vir a descobrir que o processo esteve “parado” numa secretária, ou departamento, porque o técnico esteve de baixa, ou foi de merecidas de férias, ou esteve atolado em outras funções, e ninguém dá seguimento ao pedido submetido.
Um exemplo desta situação aconteceu-nos com a Câmara Municipal de Lisboa, num processo cujo parecer do arquiteto técnico foi feito em Setembro 2021 e só fomos notificados em maio 2022! Muito embora tenhamos feito o follow-up necessário, marcando reuniões com o técnico e ligando periodicamente a pedir informações sobre o processo, fomos constantemente confrontados com respostas evasivas ou não-respostas. Por razões que nunca nos foram clarificadas, só após oito meses, sem qualquer tipo de justificação, é que recebemos a notificação com o parecer sobre o projeto… com 15 dias para podermos responder ao mesmo.
O que me leva a questionar: o que se passou que não nos permitiu receber uma resposta mais cedo? Porque razão não conseguimos algumas entidades e não obtemos respostas? Porquê tanta demora? Seria francamente importante a transparência na localização do processo, para sabermos, enquanto cidadãos, a quem pedir responsabilidade sobre a ausência de resposta. E enquanto técnicos, o que podemos responder aos nossos clientes, que ao longo dos meses vão desesperando com a situação.
Muitas vezes a culpa não está apenas nas câmaras, existem muitas outras entidades envolvidas, mas sim na forma de analisar o processo e na falta de pessoal para o fazer.
São várias estruturas que têm que ser consultadas e o período que se desperdiça nestas transições, é muitas vezes tempo perdido. Um projeto no centro histórico de Lisboa facilmente terá que implicar a consulta de diversas entidades – só para a parte de arquitetura e nas especialidades são cerca de sete!
Esta demora afeta de forma dramática alguns processos a ponto de existirem projetos que quando chegam à fase de obra – especialmente nos últimos dois anos com as variações abruptas de preços – acabam por ser “postos na gaveta”, pois o aumento de custos na construção durante o primeiro ano e meio que o projeto esteve em análise fez com que se tornasse inviável para o proprietário avançar com a obra.
Isto afeta tanto particulares, que vêm a sua casa de sonho ser impossível de construir, como investidores, para quem o business plan elaborado já não faz sentido e o investimento pode deixar de ser rentável. Tem sido uma constante nos últimos tempos e uma preocupação para o sector – não podemos deixar que as questões burocráticas tenham um peso de tal forma negativo no andamento da obra que o retorno se possa inverter ou deixar de existir.
Em contrapartida há municípios e plataformas que funcionam mais rápida e eficazmente, que permitem aferir que sim, que é possível fazer de forma mais eficiente. Um exemplo positivo em termos de plataforma de urbanismo é Oeiras, que tem um formato de funcionamento intuitivo e de fácil utilização. Outras haverão no país, e será necessário olharmos para estas e fazer destes exemplos a regra.
A conclusão a que chego é que para melhorar as burocracias processuais em Portugal devemos concentrar esforços num método único, aprendendo com as melhores práticas realizadas a nível nacional e ter foco em dois princípios importantes: a procura de transparência na consulta e análise de processos e na adoção de uma plataforma única para submissão de processos.