
Estamos em Ondangwa, na Namíbia. Diga-se de passagem, num excelente hotel e de custo acessível. Despedimo-nos de Angola com a certeza de querer voltar. Como sempre, fugimos das grandes cidades. Luanda, a capital do país, não estava no nosso roteiro. Controvérsias à parte, desde a fronteira do Luvo, passando por Banza, Lobito, Benguela, Catengue, Quilenques, Lobango até Stª Clara, fronteira com a Namíbia, fomos extraordinariamente bem-recebidos. O carinho que sentimos, no dia-a-dia; no banco, nos controlos de policia, nas fronteiras, nos postos de abastecimento, na rua, nas escolas, nos hotéis, até na padaria; aquelas carcaças e aqueles pãezinhos doces quentinhos que compramos em M’Banza Congo, meu deus, que delicia, sentimo-nos como se estivéssemos em casa.
Angola é vasta, intensa e verdejante. É uma mulher linda de cintura fina e cabelo carapinha rente. Uma terra que diz tanto a tantos e tantos portugueses que é impossível ficar indiferente. E, não querendo ser mal-entendido, nem saudosista, comparando o trabalho desenvolvido por França ou pelo Reino Unido, por exemplo, nas ex-colónias, com o trabalho desenvolvido pelos portugueses, a diferença é abismal, quer no ordenamento das cidades quer na estética. As cidades crescem, reinventam-se, mas a base está lá. M’Banza, Lobito e Benguela são exemplos disso. Ao visitar estas cidades senti-me orgulhoso.
Para trás, ficou um desvio de mais de 800 quilómetros, no Gabão, para fugir à guerrilha liderada por um pastor adventista: o Pastor Ntumi. De facto, quando saímos de Libreville, a nossa ideia era convergir para sul, entrar no Congo pela fronteira de Ndendé e chegar a Brazzaville pela região de Pool, a oeste da cidade. As informações que dispúnhamos não coincidiam com as do terreno. Guerrilheiros do Pastor Ntumi, espalham terror pela região de Pool, assassinando, violando, e raptando cidadãos nacionais e estrangeiros. O Governo, autoritário, responde da mesma moeda. Tudo isto, às portas da capital do Congo (Brazzaville).
A opção foi atravessar o Parque Nacional de Lopé e percorrer uma pista de terra vermelha com mais de quinhentos quilómetros. Ao principio, parecia que estávamos no paraíso. A pista rasga a densa floresta africana e cria um contraste luxuriante, ameaçadoramente belo. Alguns quilómetros mais à frente, começava a nossa epopeia ao melhor estilo do Camel Trophy, mas sem assistência.
Passamos por alguns camiões atascados. Atascamos na lama profunda e foi um camião que nos resgatou, por trás. A seguir, ficou o camião colado à lama. Mais à frente atascamos de novo, mas conseguimos sair e às quatro horas da tarde estávamos completamente atascados, enlameados até aos cabelos e com a esperança que chegasse um dos camiões para nos salvar. Às seis horas da tarde continuávamos atascados. Ouvia-se o brame dos elefantes que nos vigiavam da floresta densa, e enxames de mosquitos e de abelhas, como nunca vimos, cercavam a Isuzu, e colavam-se aos vidros de forma ameaçadora.
Frios e desconfortáveis, preparávamo-nos psicologicamente para passar a noite ou pelo menos, parte dela, dentro do carro à espera de uma alma salvadora. E, quando estávamos completamente convencidos que seria assim, surgiram umas luzes de faróis na nossa retaguarda: três togoleses, numa pick-up Mitsubishi.
Tiraram a pás e as picaretas da caixa e, durante duas horas, criaram uma passagem, uma espécie de um pontão seco, para a pick-up passar. Revezávamo-nos no trabalho de pá e picareta, a Glória carregava pedras para encher o pontão e um dos togoleses não tinha um braço.
Entretanto, disseram-me que os camiões estavam todos enterrados e combinamos fazer os últimos 100 km juntos para ultrapassar os obstáculos em trabalho de equipa.
Chegamos ao hotel, em Lastville, já passava da meia-noite, completamente esgotados.