Ele é ofensivo e demagógico, mas está em primeiro lugar nas sondagens para ser o candidato republicano nas eleições presidenciais americanas de 2016. Os seus comentários sobre imigração (“os mexicanos são violadores de mulheres”), sobre os outros concorrentes (“Rick Perry deveria fazer um teste de QI antes de ser aceite nos debates”) ou sobre as suas intenções para o país (“eu quero salvar a América, o nosso país está a caminho do inferno”) deveriam ter sido os pregos do seu caixão. Mas não. Donald Trump cresceu.
O bilionário é, na verdade, o mais recente exemplo de um protest candidatus, uma espécie da fauna política que pode apresentar-se a eleições. Em 1959, Cacareco, um rinoceronte do jardim zoológico de São Paulo recebeu 100 mil votos para vereador da cidade, enquanto em 1988, 400 mil pessoas votaram no macaco Tião nas eleições autárquicas do Rio de Janeiro. Em protesto contra o sistema político, eleitores escreveram o nome dos animais nos boletins de voto, que surpreendentemente foram contados. O protest candidatus não é uma espécie extinta em países com democracias maduras. Na Finlândia, o wrestler Tony Halme chegou a deputado em 2003. A espécie também não está condenada a ser uma simples paródia. Não faltam exemplos a plantar as suas propostas no terreno fértil do descontentamento: Jean-Marie Le Pen nas presidenciais francesas de 2002 (ficou em segundo lugar à frente de Lionel Jospin), o ator Arnold Schwarzenegger nas eleições para governador da Califórnia em 2003, ou o líder do movimento antiglobalização José Bové, nas europeias de 2009, usaram o seu voto como protesto contra o sistema político. Na Europa, com as sondagens a indicarem graus inéditos de insatisfação com a classe dirigente, multiplicam-se candidatos e partidos de rutura (o Podemos em Espanha, o Syriza na Grécia ou o Livre em Portugal). Atentos à sua própria erosão, os partidos políticos tradicionais têm também, com a perícia de uma agência de headhunting, recrutado figuras públicas sem mácula partidária, para oxigenar as suas listas de candidatos. Não ser político tornou-se uma mais-valia.
MAS O PROTEST CANDIDATUS ainda não atingiu o seu último patamar de sucesso. Os principais cargos de uma nação permanecem inacessíveis. Além disso, continuam com pouco acesso a recursos financeiros. Os analistas indicam que o atual sucesso de Donald Trump reside na sua conta bancária. Para chegar ao topo, candidatos como ele precisam de desenvolver novas engenharias financeiras. O financiamento eleitoral ainda é controlado pelo sistema partidário. Por último, para atingir o coração de um povo e não apenas as margens do eleitorado, um candidato tem de inspirar confiança. Confiança é mais do que mera popularidade e reconhecimento profissional. Celebridades de TV e altos executivos não ganham eleições.
A maioria dos eleitores tem grande dificuldade, apesar do descontentamento, em votar fora da sua zona de conforto. Essa é uma área inconsciente de previsibilidade e, por isso, de segurança. Para a maioria são os partidos que geram conforto. Ou seja, os líderes do futuro serão, paradoxalmente, aqueles que personificam a autonomia da política mas são apoiados por ela. Trump não representa este equilíbrio e dificilmente sobreviverá à corrida republicana. Mas quem ocupar este filão político terá sortes diferentes.