[O convite surgiu de duas instituições de ensino superior para que fizesse uma palestra sobre o papel do auditor na prevenção e deteção da fraude.]
A mensagem
A função da auditoria na deteção e relato da fraude tem-se assumido como uma questão fundamental na relação dilemática inerente ao hiato existente entre o exercício da função de auditor e o que é esperado do mesmo em matéria de deteção de fraude (audit expectation gap). Apesar de não ser um tema recente, esta temática ocupa cada vez mais um lugar cimeiro no debate sobre o futuro da auditoria e o seu lugar na sociedade. Para a generalidade dos stakeholders, auditoria significa uma equipa de auditores mais ou menos jovens, muitas horas de trabalho e honorários, por regra, considerados elevados quando comparados com o documento de poucas palavras e parágrafos em que se materializa o resultado daquele volume de horas. No tocante à responsabilização, o diálogo implícito na discussão sobre a opinião de auditoria parece ser um diálogo entre surdos, em particular no que diz respeito à fraude. Não sendo a função primária da auditoria descobrir e relatar os casos de fraude, a maioria dos utilizadores da informação financeira continua a arrogar aquele encargo ao auditor.
O enquadramento
Estamos no rescaldo de mais um escândalo financeiro que abalou o sistema financeiro e, por contágio, a credibilidade dos profissionais de auditoria. A União Europeia avança para mais uma reforma da auditoria relativamente a rotação, prestação de serviços, supervisão e relatório de auditoria. Em Portugal discute-se de novo o sistema nacional de supervisão de auditoria, com uma solução à vista que visa supostamente assegurar a independência da profissão tal como exigido pela União Europeia.
A divulgação no relatório de auditoria dos riscos de distorção material devido à fraude, da resposta do auditor a esses riscos e à inclusão de como a auditoria é considerada eficaz na deteção da fraude, vem clarificar o posicionamento do auditor na deteção da fraude na sua função de “cão de guarda” e não “cão de caça”. Mas não irá incrementar a responsabilização do auditor? [Ainda que mais não fosse do que uma pergunta retórica, a plateia mantinha-se de semblante fechado.]
O desenvolvimento
Avaliação do risco de fraude por parte do auditor: “O perfil típico do agente da fraude (…) caracteriza-se por ser: homem; inteligente (…); egoísta (…); curioso (…); tomador de riscos (…); desafiador de riscos (…); trabalhador incansável (…); atua sob pressão (…); ganancioso ou tendo uma genuína necessidade financeira (…); descontente com o reconhecimento do valor do seu trabalho ou contestatário (…); grande…gastador.” (1) [Desta feita, sorrisos na plateia, não pela consciencialização da problemática associada a esta avaliação do perfil, mas por não reconhecerem nele alguns protagonistas de casos mediáticos recentes.]
Respostas globais do auditor a esse risco: procedimentos requeridos pelas normas de auditoria não assentam em técnicas específicas de auditoria da fraude e, por isso, limitadas na sua eficácia quanto aos três vértices do triângulo da fraude. [Os olhares não convencidos espelhavam dúvida e ceticismo. Sentia que uma pergunta se mantinha no ar: como é que os auditores não podem ser culpabilizados? Adivinhavam-se as respostas à pergunta, independência ou complementaridade entre auditores e auditores da fraude? O confirmar do papel do auditor como guardião social deste fenómeno: complementaridade. Deslocalize-se e alargue-se o âmbito da auditoria! Mas o silêncio era cavernoso.]
Os resultados
Nos últimos anos assistiu-se já a um redirecionar da análise puramente contabilístico-financeira e estática às demonstrações financeiras para a análise da estratégia de negócio num perfil prospetivo e de continuidade da entidade auditada. Poder-se-á questionar se este relacionamento implícito entre auditoria e consultoria terá provocado um efeito simbiótico ou osmótico entre as duas áreas, assim como quais as ameaças latentes em termos deontológicos, de independência e conhecimento técnico através do alargamento dos serviços prestados pelos auditores. Porém, daquelas ameaças latentes emergem oportunidades evidentes, sendo o resultado duas faces de uma mesma moeda: conhecimento mais profundo e tempestivo das referidas entidades versus medidas de salvaguarda para manter bem definido o bordo desta mesma moeda. Com o refinar das técnicas fraudulentas, assegurar a uniformidade e robustez daquela moeda tem sido um desafio para as entidades reguladoras e governamentais.
A conclusão
O enfoque na independência e na melhoria da comunicação através das alterações no relatório de auditoria não irá resolver as diferentes leituras do significado de “apresentadas e divulgadas de forma verdadeira e apropriada” de acordo com os respetivos princípios contabilísticos relativamente à responsabilização em matérias de fraude. [Naquela quietude sepulcral da plateia ouvia-se uma silenciosa pateada.] Quantas sessões de esclarecimento serão ainda necessárias para diminuir esse gap e reestabelecer parte da confiança perdida nos relatórios de auditoria?
(1) Mark R. Simmons in António Machado ? “A Fraude Empresarial”. Jornal de Contabilidade, Ano XXIX – N.º 343, Outubro de 2005