Um bom mediador de conflitos deve reunir, pelo menos, três características: independência de interesses, poder e reconhecimento pelos pares. Em tempos recentes, a pessoa que melhor reúne estas condições é Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco. Estes três pré-requisitos têm mais valor do que aparentam. Obama tem poder, mas não tem independência. Ban Ki-moon tem independência, mas falta-lhe reconhecimento. Kofi Annan tem reconhecimento mas falta-lhe poder. Os Papas que o antecederam – Bento XVI, João Paulo II, João Paulo I ou Paulo VI – todos desempenharam algum papel em conflitos internacionais. Mas nenhum deles preenchia os três requisitos e o alcance das suas ações acabou por ser moderado.
Desde que iniciou o seu pontificado, em 2013, o Papa não se tem limitado a preces e apelos de paz. Pelo contrário, envolveu-se diretamente na mediação de conflitos complexos que se arrastam há décadas, como o conflito entre Israel e a Palestina, a crise entre a Turquia e a Arménia e o embargo norte-americano a Cuba. Nos primeiros casos ainda só com avanços simbólicos (como o recente reconhecimento da Palestina pelo Vaticano), enquanto no último com resultados mais expressivos.
Mas o Papa deverá ir mais longe. Em primeiro lugar, deverá participar mais ativamente na resolução dos problemas políticos da América do Sul, uma falsa ilha da paz. Desde o fim da Guerra Fria, o continente foi palco de 9 conflitos armados e 32 não armados (incluindo disputas territoriais e golpes de estado). Na viagem que fará este verão ao Paraguai, Bolívia e Equador, Francisco poderá apresentar soluções para o conflito territorial entre a Bolívia e o Chile. Os dois países, que não mantém relações diplomáticas desde 1978, estão envolvidos num litígio centenário em relação a uma saída para o mar. Não seria surpreendente se o Papa se envolvesse também na crise política na Venezuela ou na resolução do conflito entre as FARC e o governo colombiano. Francisco tem também mostrado vontade de dialogar com o Estado Islâmico, grupo extremista que tem perseguido e assassinado cristãos no Médio Oriente. Recentemente disse aos jihadistas que sua “porta está aberta” para o diálogo.
Mais desconhecido tem sido o seu papel na área financeira. O Papa tem confidenciado que é tempo do mercado de capitais, que gere 200 biliões dólares em ativos financeiros, mostrar mais consciência social e contribuir de forma mais óbvia para a mitigação das desigualdades. Em público, tem apoiado aquilo que se cunhou como “investimentos de impacto” (com impacto social positivo, além do retorno financeiro). Dando o exemplo, vários ativos financeiros da Igreja Católica começaram a ser investidos em fundos de investimento de impacto. O Oblate International Pastoral Investment Trust, com sede nos EUA, acabou de investir 7 milhões de dólares num fundo de investimentos de impacto brasileiro.
Apesar destas iniciativas, a sua consagração como mediador de conflitos depende de resultados mais sólidos. Se no seu primeiro discurso de saudação ao corpo diplomático acreditado na Santa Sé, o Papa reforçou que “é necessário uma renovação da vontade política” para acabar com alguns conflitos, ainda é cedo para sabermos se é Francisco quem incorpora, com mais sucesso, o papel da mudança. Qualquer coroação prematura só servirá para lhe dificultar o percurso.