A celebração dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões em Londres é uma iniciativa do Camões Centre for Portuguese Language and Culture, com o apoio do Camões IP, a embaixada de Portugal em Londres e o King’s College London. Luís de Camões ocupa um lugar no panteão das grandes obras da literatura universal e, no King’s College, esta importância é amplamente reconhecida.
A influência duradoura de Luís de Camões, a sua universalidade, tem vindo a ser associada a uma longa tradição de ensino do português, que remonta ao século XIX – o King’s College London foi pioneiro na introdução dos Estudos Portugueses no Reino Unido, em 1860 – tendo-se sucedido o estabelecimento da Cátedra Camões em 1919, o que constituiu um marco significativo neste país.
Marcando os 500 anos do nascimento de um dos poetas maiores de Portugal, a celebração não se limita à esfera literária. É um convite à academia, contando com a presença de figuras como Rita Marnoto, Margarida Calafate Ribeiro, AbdoolKarim Vakil, Juliet Perkins, Phillip Rothwell, Thomas Earle, Francisco Bethencourt, a par de outros investigadores que irão participar num diálogo multidisciplinar que explora o legado camoniano numa perspetiva que ultrapassa fronteiras, atravessa séculos e se expande para além da palavra escrita, e também um convite a artistas portugueses contemporâneos a um diálogo interartístico e intersemiótico.
Celebrar a universalidade da representação feminina que combina fontes diversas, da medida velha à medida nova, e que eleva a mulher de ascendência plural sem qualquer preconceito ao cânone platónico, stilnovista e petrarquista, e desafiando as convenções da época, foi a premissa lançada a um grupo de sete artistas portugueses: Daniela Viçoso, Susana Monteiro, José Vargas Smith, Rita Mota, Jorge Marinho, Amanda Baeza e Miguel Rocha que, reunidos num argumento de Pedro Moura, trouxeram uma nova interpretação da obra do Poeta, refletindo diferentes abordagens à adaptação textual – com maior ou menor grau de fidelidade ao texto de origem, e também às fontes históricas – e exibindo as tendências estilísticas da banda desenhada portuguesa contemporânea.
Um evento, quatro momentos
Esta iniciativa não preserva apenas o legado de Camões, mas também o torna relevante e acessível às gerações mais jovens, contribuindo para a disseminação e apreciação da literatura portuguesa internacionalmente. E compõe-se de quatro momentos específicos.
O primeiro é o colóquio intitulado “Além da palavra: o legado de Camões no século XXI”, que terá lugar nos dias 1 e 2 de novembro de 2024 no King’s College London, reunindo estudiosos e especialistas para refletir sobre a relevância contemporânea da obra camoniana.
O segundo será a publicação de uma antologia de poemas em banda desenhada, que homenageia sete das figuras femininas que marcaram a lírica de Camões, com lançamento previsto para o próximo ano.
O terceiro é a exposição “Camões: a legacy reimagined”, que estará patente na Maughan Library a partir de 26 de outubro, exibindo raras edições da obra de Camões, pertencentes ao acervo da Universidade de Londres, em diálogo com as ilustrações desenvolvidas para o projeto da antologia em banda desenhada.
Por fim, mas, não necessariamente por esta ordem, teremos o tributo a Helder Macedo (HM) intitulado “Um bilhete para o mundo: bem-vindos a HM”, expressão cunhada por Margarida Calafate Ribeiro, que reflete a forma singular como o autor e a sua obra abrem portas para múltiplos mundos, transcendem fronteiras geográficas e culturais, conectam o mundo lusófono com uma visão ampla e universal.
Figura incontornável
Helder Macedo é uma figura incontornável nos estudos camonianos e na promoção da literatura portuguesa internacionalmente. Com a sua visão e dedicação ao longo dos anos no King’s College, abriu caminhos para que Camões, e outros nomes importantes da literatura portuguesa, continuassem a ser lidos, estudados, debatidos por tantas gerações, em geografias e contextos diversos.
Quem com ele diretamente trabalhou testemunha:
“HM transformou o ensino de português no King’s College, que historicamente estava centrado na Cátedra Camões e no seu titular. Sob a sua liderança, novas contratações de pessoal expandiram e consolidaram a gama de ensino, incluindo a primeira mulher docente; foram feitas nomeações específicas para o ensino da história e da literatura africana lusófona, bem como para os estudos literários e culturais brasileiros; além de estabelecer o leitorado numa base sólida.
“Fundamental foi também a estabilidade financeira do departamento, para a qual o universo de contatos institucionais de HM foi crucial. Tudo isto complementado por uma cultura de pesquisa vibrante e uma cena cultural dinâmica que estabeleceram o departamento como um centro intelectual ativo, desde a presença regular de Eugénio Lisboa, o adido cultural da Embaixada, às muitas personalidades que passavam para participar em seminários e palestras ocasionais.
“Foi também sob sua iniciativa que as atividades culturais do departamento se expandiram para o coração da Universidade de Londres, através das muitas conferências organizadas no Institute of Romance Studies. Finalmente, a estreita identidade estabelecida entre o departamento e a revista Portuguese Studies, que HM editou até à sua aposentação, colocou o King’s College London e o departamento no centro da pesquisa anglófona em Estudos Portugueses e Lusófonos. Os Estudos Portugueses no King’s College têm uma longa história, mas, como departamento, deve-se a HM a sua criação”. (AbdoolKarim Vakil, prof. do King’s College London, História Contemporânea).
“Nenhum tema requer mais pura lógica do que o amor”
Homenagear Helder Macedo é algo que se justifica por si só. Ele é amplamente lido, citado, condecorado, pelo que qualquer razão se impõe naturalmente.
No entanto, a razão deste tributo emana de uma esfera, que não sendo alheia à academia, se perdeu nos trâmites da contemporaneidade e nos fez esquecer que, enquanto humanistas, é também nosso dever dizer do nosso amor, daquele amor kierkegaardiano, se quisermos, altruísta, incondicional, universal.
É que, entre a pessoa e a persona, existe um Helder que transcende a figura pública, o académico, o ficcionista, o poeta, uma presença profundamente amável. Amável, não no sentido da cortesia que lhe é natural, mas na quantificação do grau de apreciação profunda que nos reclama e imediatamente nos rouba.
Assim, este tributo pretende ser tão-somente um gesto que, num mundo tão marcado pela pressa, às vezes pela indiferença, nunca é demais expressar. Afinal, como nos lembra Alain Badiou, “nenhum tema requer mais pura lógica do que o amor”, verdade?