Ele sempre esteve ali. Desde que me lembro de ser gente que me lembro dele. Enquanto ia à Baixa “ver as montras”, essa expressão tão cheia de memórias, ele estava ali. Enquanto a minha mão pequena segurava a mão enorme (parecia-me então) da minha mãe, quando íamos descobrir ‘aquele’ livro de exercícios de Matemática que me faltava para o início de setembro e que só havia ‘naquela’ livraria da Baixa, ele oferecia-nos sombra. Ele estava ali quando, já adolescente, eu me deliciava com os mil e um artigos da feira de artesanato que, às vezes, nascia aos seus pés. Continuou sempre ali enquanto eu o atravessava para chegar à praça grande em dia de manifestação. Estava ali a tocar nas nuvens, a dizer as horas, a segurar dois prédios, a olhar a cidade lá do alto. As figuras tão grandes quanto distantes. Ele tão distante. Tão longínquo. E agora, de repente, tão perto.
O Arco da Rua Augusta abriu ao público, 138 anos depois da sua construção. Há um elevador, depois umas escadinhas estreitas que nos levam até ao Salão de Abóbadas onde está a maquinaria do relógio. Atravessa-se o espaço para chegar a mais 40 degraus, em caracol, onde se cruzam os que sobem e os que descem e os seus sorrisos amáveis. Lá em cima Lisboa em 360.º. O azul imenso do rio, a Praça do Comércio com um D. José a brilhar, a Sé, o Castelo, o casario e um olhar novo sobre os desenhos geométricos da calçada. Do alto, com o sol a bater-nos na cara, tenho a mão segura por uma mão pequenina. Fazemos cócegas nos pés enormes da estátua maior. E sei que estou a criar novas memórias da Baixa.