Gosto de me sentar sozinha nos cafés. Escolho uma mesa, peço a bica, um cinzeiro e fico ali num prazer que é só meu durante uns minutos. Mas depois, já mais desperta, começo a perceber os sons que me rodeiam. Reparo nas outras mesas e, inevitavelmente, começo a ouvir a conversa do lado. A consciência pesa-me, e por isso desculpo-me perante mim mesma: preciso de conhecer este país que é meu, como vivem e pensam as pessoas, quais os seus problemas. A curiosidade matou o gato, dizem, mas o certo é que ainda estou bem viva. E vou ouvindo. Partilho sorrisos, contenho-me nas gargalhadas, tento evitar as tristezas e problemas íntimos de cada um. Às vezes, confesso, irrita-me o barulho das chávenas e da máquina do café por trás do balcão, que me impede de seguir o raciocínio alheio. Quase que grito ‘Shiuuuu!’ quanto estou mesmo embrenhada na conversa. Controlo-me e vou preenchendo com a imaginação esses espaços que ficaram em branco. Quando me vou embora, muitas são as vezes em que a sensação é igual à de quando estive sentada à mesa com amigos: a de que tive uma conversa bestial. E quantas vezes me pus a olhar por alguma janela, para dentro de um casa, a observar as pessoas, os seus movimentos, gestos, posturas. Também aí invento pretextos: estou no estrangeiro, tenho que ver os outros modos de vida, tenho só que me inspirar na sua forma de colocar o sofá e a mesa de café… Mas a verdade, verdadinha, é que tenho curiosidade. De ver os pais a brincar com os filhos ou um casal desavindo, de perceber o que vêem as pessoas na televisão às dez da noite ou de que cor é que os meus vizinhos pintaram as paredes da sala.Não sei se esta cuscuvilhece é modo de ser português ou humano, mas o certo é que quase todos nós o somos um pouco. Há excepções, claro, mas no dizer popular são elas que confirmam a regra. Se calhar é daquela ordem, que repetida até à exaustão, já ficou gravada no subconsciente: pare, escute e olhe. Refere-se a atravessar a rua, mas é possível que o contexto – que tem tendência a ser desprezado – não tenha ficado tão bem gravado quanto o comando em si. E quem nunca o disse que atire a primeira pedra: “Quem me dera ser mosca para ouvir aquela conversa”.
Pare, escute e olhe
Não sei se esta coscuvilhice é modo de ser português ou humano, mas o certo é que quase todos nós o somos um pouco.
Mais na Visão
Parceria TIN/Público
A Trust in News e o Público estabeleceram uma parceria para partilha de conteúdos informativos nos respetivos sites