No mesmo número em que lhe traçou o perfil, o Jornal de Letras conversou com Leonor Baldaque sobre A Few Dates of Love, albúm de estreia composto por dez inéditos, a sua carreira enquanto atriz e escritora, e o amor que nutre pela literatura.
Quais são as grandes diferenças entre escrever um romance e um álbum?
Sinto-me duas pessoas muito diferentes quando estou a fazer canções ou quando estou a escrever um romance. A escrita de um romance é uma longa procura, uma arquitetura difícil de construir, muito trabalhosa e lenta. Tenho a impressão de que, quando escrevo um romance, tenho os pés muito assentes na terra. Com a música parto mais. É como se, de facto, não tivesse os pés na Terra, é algo mais intangível.
Quais são as suas grandes referências musicais?
O primeiro fascínio musical que tive foi Mahler. Mas depois houve dois cantautores que contaram muito para mim, graças aos quais hoje faço música, o Bob Dylan e o Leonard Cohen. Sinto que me inscrevo numa tradição da qual eles são pilares. São as duas pessoas com quem mais estou conectada do ponto de vista da canção. Se não tivessem vindo antes de mim, não sei se alguma vez me teria lembrado de que também eu podia fazer canções.
Em 2009 abandonou a representação para dedicar-se exclusivamente ao primeiro romance. A música poderá ter agora o mesmo efeito sobre a escrita?
A música não vai de todo pôr um temo à minha escrita. Parece-me absolutamente impossível alguma vez abandonar a escrita.
A escrita é algo que a acompanha desde sempre?
Sim, mesmo na infância e adolescência, já escrevia histórias.
Mostrava esses textos a alguém?
Não, nunca mostrei a absolutamente ninguém. Sempre fui muito ‘secreta’. Acho que tinha a intuição de que só se deve mostrar algo quando estamos seguros daquilo que fizemos, porque corremos um risco enorme de sermos desencorajados caso ainda não seja bom, ou se não for tão quanto as pessoas à nossa volta gostariam que fosse.
Antes de “arriscar” publicar um romance, foi atriz de Manoel de Oliveira durante muitos anos. O que guarda desse tempo?
O Manoel foi a primeira pessoa que me estendeu uma mão, que me levou para esse mundo onde eu tanto queria viver, o mundo da Arte. Estou-lhe eternamente grata.
Diria também que a minha educação estética começou com ele, não só através da cinefilia, mas através da observação da sua forma de trabalhar, como é que ele compunha um plano, como é que nos fazia trabalhar o personagem, como é que funcionava o aspeto físico, tão importante para o Manoel, dos movimentos, do ritmo.
São tudo noções que aprendemos e que estão ao nosso serviço noutras artes, seja na escrita, seja agora nas canções. Há noções comuns a diferentes formas de arte e a primeira vez que eu tive contacto com um criador a trabalhá-las foi com o Manoel.
Ao longo desse tempo, continuou sempre a escrever as suas histórias?
Sim. Cada vez mais eu tinha a certeza de que queria fazer um romance. Todos os anos que passei no cinema deixava um romance em curso para ir filmar ao qual voltava depois das filmagens. Foi um processo muito longo, anos e anos de procura de uma voz própria
Acabou por encontrar essa voz no francês, para os livros, e no inglês, para as canções. Há alguma área da sua vida onde o português ainda seja predominante?
Uma área onde sempre me senti muito à vontade a falar português foi no cinema. Foi muito importante ter começado a representar em português e, para mim, será sempre uma língua associada à representação.
É uma opinião extremamente pessoal, mas considero que através do português não chego à minha interioridade e sim à minha exterioridade. Talvez por isso tenha sido tão fácil representar tão depressa. Parecia que era uma língua feita para a representação, para ser outra pessoa que não eu mesma, e isso serviu-me muito.
O que sente ao ver, agora, um dos seus romances traduzido para português?
Estou muito feliz. É incrível. Gosto muito da tradução, acho-a linda. É muito comovente ver que um texto pensado e vivido em francês, e escrito em Itália, de repente, chegue a pessoas em Portugal, tenha uma existência neste país onde eu fui atriz, onde trabalhei no cinema, onde também nasci.