Qual a música do crime? Porque parou o assassino? Porque está ele estático e transido pelo som mudo da grafonola? Porque esperamos nós pelo desenlace, por um fim?
Seremos todos vítimas da expectativa mórbida? Observadores do medo? Voyeuristas da morte? Amantes do assassínio como uma das belas artes?
Pouco importa o móbil do crime, o corpo branco e nu da mulher morta na cama, o fio de sangue que se estende pelos lábios carnudos, o lençol-punhal, o casaco e o chapéu descuidadamente caídos na cadeira, os detectives de chapéu de coco que aguardam o assassino.
Pouco importam os trigémeos que espreitam da janela como um coro grego mudo e que nos observam com uma frieza gélida, igual à montanha de neve branca que atrás deles se ergue como o monte de Vénus da mulher cadáver?
Que importa tudo isso?
Nada. Rigor mortis apenas.
Espera, apenas terrível espera, como só um quadro pode fixar, numa angústia de dúvida. Toda a vida na suspensão melómana de um assassino impecavelmente vestido, de mão criminosa no bolso, ali parado, parando a acção, suspendendo a história, congelando a narrativa policial.
Que faz aquele homem, languidamente parado em frente à grafonola, escutando música enquanto os detectives de chapéu de coco o esperam de moca e rede de prisão nas mãos?
Que música fez parar o homem do quadro “O assassino em perigo” de Magritte, continua a ser um dos mais intrigantes mistérios da história policial da arte.
Que música pode comover o assassino que nos comove na sua imobilidade?
Paul T. Baumer, melómano e investigador da Tate Gallery tem uma tese, uma explicação, uma banda sonora para um crime passional. O assassino parou para ouvir “Romance” de Dmitri Shostakovich. Nós continuamos a pensar que o assassino ouvia “I Love you” de Edvard Grieg ou “Foi em Setembro que te conheci” do Vitor Espadinha.
Qualquer uma delas é uma belíssima música para um assassino melómano de mão criminosa no bolso como num quadro de Magritte.