De início, com uma certa ingenuidade de fábula infantil ou adolescente, o filme quase que se encaixa num promocional da campanha do PAN. Há uma sugestão vegan inerente, com as imagens sempre impressionantes do matadouro (também as vemos em A Caça, de Manoel de Oliveira), em que o pai, que fiscaliza a qualidade da carne, não consegue limpar a mancha de sangue da camisa.
Essa mancha marca, de forma algo primária, aquele pai que se revela bruto e desumano, absolutamente intolerante com a filha e o seu cão. A filha não é vegetariana, mas não a vemos a comer carne. Apenas numa cena em que sintomaticamente debica carne crua, por identificação com o animal. Ela quer ser cão ou entendê-lo profundamente. E todo o filme se constrói nesse espelho. E na resolução do mito que o homem é o Deus do cão, o deus branco. É visível quando Lili, por puro amor, declara que nunca irá treinar Hagen para obedecer, como fazem os outros. Recusa-se a ser o seu Deus. Ou, pelo menos, aquele tipo de Deus.
Uma narrativa algo demagógica, mas que serve os interesses do filme. Somente numa leitura demasiado superficial se poderá tirar como moral desta história apenas a ideia de que devemos tratar bem os animais, senão eles vingam-se. Há camadas subentendidas, algumas particularmente pertinentes para a realidade húngara.
Quando se fala de uma taxa (e de uma perseguição) a todos os rafeiros, ou seja, todos aqueles que não são de raça pura, estamos a falar de episódios horrendos da Europa do Século XX (e no mundo no século XXI). Também poderemos estar a falar da subtil perseguição aos ciganos pelo regime húngaro.
Deus Branco é um filme de emoções e de aventuras, que nos faz atravessar diversos estados de espírito. Numa só película temos Lacie, Amores Perros, Os Pássaros (de Hitchock) e O Triunfo dos Porcos. E mais cães do que homens. Cerca de 200. O primeiro aplauso, merecidamente, vai para o treinador dos animais, um trabalho notável que tornou este projeto possível. Todos os cães são húngaros, menos os dois que partilham o papel principal. São estrelas americanas. Há quem diga que se nota pelo seu ladrar.