FBM. As letras amarelas pintadas no topo desta espécie de trator agrícola dizem logo que ali há gato. FBM? É uma homenagem aos grandes fornecedores de peças – Ford, Bedford e Mercedes – da geringonça que Pedro Brás, 43 anos, orizicultor, criou há década e meia para trabalhar nos seus arrozais.
Chamou-lhe “orizilagarto” porque o seu eixo central permite mover-se como um grande lagarto, cabeça para um lado, rabo para o outro. Custou-lhe mais de 20 mil euros, muitas horas de trabalho e diálogo constante com metalúrgicos, a quem encomendou peças únicas. Até já foi apreendido pela Direção Geral de Agricultura do Centro, por não estar homologado como veículo apto a usar gasóleo agrícola, tal é a sua especificidade. Mas continua ativo e cheio de força.
A “coisa” junta num só veículo funções dispersas por diferentes máquinas e alfaias, o que permite ganhar tempo. “Se tivesse de comprar máquinas novas ou ir a oficinas já tinha fechado. Debato-me com problemas e tenho de os resolver”, diz este agricultor dedicado à produção de arroz no vale do rio Pranto, afluente do Mondego.
Em Moinho do Almoxarife, Soure, Pedro Brás trabalha no seu cantinho de céu: três terrenos contíguos, num total de 12 hectares, e acesso ao sistema de regadio, que termina na zona. É a única terra que explora com estas condições. A falta de infraestruturas afeta-lhe os outros 23 hectares de plantações de que cuida no vale do Pranto, afluente do Mondego. “Trabalho no arroz desde os oito anos e só decidi ser empresário, aos 21, porque pensava que o emparcelamento viria mais cedo…”, conta.
Os problemas do Aproveitamento Hidroagrícola do Baixo Mondego – cerca de 12.500 hectares (ha) de planície aluvial entre Coimbra e Figueira da Foz – são muitos. O projeto tem para lá de trinta anos e falta executar mais de metade do que está planeado: emparcelamento de propriedades, construção de caminhos agrícolas e execução de redes de rega e drenagem.
Dos 19 blocos de rega previstos apenas nove estão terminados. António Serrano, anterior Ministro da Agricultura, de visita ao local em agosto passado, disse aos agricultores que todo o Aproveitamento ficaria concluído no final de 2020. Ver-se-á.
Mas as contrariedades continuam. O lagostim, introduzido no vale há 15 anos, tornou-se uma espécie infestante, porque destrói os campos e escava os caminhos agrícolas. Se não fossem os apanhadores que o vendem para Espanha – há cinco anos saiam daqui até 10 toneladas por semana – e as cegonhas, que os comem, não havia forma de combater a invasão.
Depois, há as espécies de arroz bravo: mais rápido no crescimento, resistente a químicos e sem valor comercial está a espalhar-se pelas terras e é já uma praga. É necessário fazer falsas sementeiras para o eliminar. “As despesas são muitas. Se não fossem os subsídios à produção não se conseguia viver disto…”, desabafa o orizicultor.
Apesar das contrariedades, Pedro Brás não deixa os campos. Semeia arroz do tipo carolino – que necessita de temperaturas amenas e humidade controlada – nas variedades Aríete e Euro e vende a totalidade da produção à marca Saludães.
Durante os nove meses que dura a campanha do arroz trabalha com a mulher e, quando tem de ceifar o cereal, contrata mais duas pessoas. Ao “orizilagarto” junta 4 tratores, 2 ceifeiras e 1 sementeira que, em 2010, o ajudaram a fazer vingar 200 toneladas de cereal. Conseguiu vender cada quilo a €0,35 cêntimos, mais dez do que lhe custou produzir.
Quando a produção está parada vai para as fábricas de celulose da Portucel fazer manutenção de máquinas. “Sempre fui um engenhocas…”. E aí está o “Orizilagarto” para o provar.