A pandemia trouxe a recessão económica e um novo ciclo negativo é esperado no mercado habitacional. O arrendamento volta a ser um tema fraturante.
Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), avisa que as casas de alojamento local não serão a solução para dinamizar o arrendamento, afasta cenário de despejos em massa e adianta que a crise já está a estimular cortes nas rendas que podem chegar até aos 20%.
A ALP tem cerca de 10 mil proprietários como associados. Que impacto está a ter a pandemia e a consequente recessão económica junto deles?
Temos recebido muitos pedidos de informação e de ajuda. No caso dos arrendamentos habitacionais, o senhorio ainda pode pedir um empréstimo ao IHRU (Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana) quando a renda não é paga mas quem tem arrendamentos comerciais não pode pedir nada, está totalmente desprotegido. Ainda há bem pouco tempo surgiu-nos um caso de um casal de idosos cujo rendimento mensal assentava numa renda de cerca de 800 euros de um estabelecimento comercial e de um momento para o outro perderam tudo… Nas rendas comerciais os proprietários ficaram totalmente desprotegidos. Se o inquilino não pagar, nem sequer é obrigado a informar que não vai pagar e o senhorio não tem qualquer hipótese de pedir apoio.
Qual é o peso percentual destes proprietários de estabelecimentos comerciais no vosso universo?
Fazendo uma aproximação, andará à volta de 20 a 30%. A grande maioria são rendas habitacionais.
– A pandemia adiou também a possilidade de efetuar despejos até ao final deste mês mas para os inquilinos, afetados entretanto pela recessão, há um grande receio desse prazo-limite. Poderá acontecer uma vaga de despejos a partir dessa altura?
Não tenho essa indicação. O que se tem vindo a verificar é que existem casos de despejos por incumprimento dos inquilinos que já tinham sido decretados antes da pandemia e que não foram executados, permanecendo os inquilinos nos imóveis por mais este tempo. E, portanto, quando acabar esta moratória, haverá de facto essa situação. Relativamente aos outros arrendamentos não vai acontecer porque a moratória continua, ou seja, as pessoas continuam a poder pagar as rendas muito mais tarde por isso não se vai colocar aqui nenhuma situação de despejo.
Muitos dos vossos associados tinham as casas em Alojamento Local (AL) que agora ficaram desertas de turistas. Que retorno tem tido destes proprietários?
O AL foi muito importante ao possibilitar reabilitar as cidades e para dinamizar o setor económico, dinamizando o que gira à sua volta como os restaurantes, comércio e tudo o resto. E, na verdade, o impacto do AL era muito reduzido no mercado de arrendamento – existiam 50 mil registos de AL no período pré-pandemia para um universo de arrendamentos na ordem de 700 mil, ou seja, pouco mais de 7% do arrendamento total. Nunca teve impacto no arrendamento que se dizia …
Claro que ocupou muito os centros das cidades, mas esses centros já não tinham arrendamento pois este desapareceu em consequência do congelamento das rendas. Quem se recorda do que era a cidade antes do AL sabe bem que os centros estavam desertos. E, portanto, tudo o que se disse neste âmbito foi uma grande falta de informação.
Em Portugal, as rendas ficaram congeladas durante 100 anos! Isso é que fez desaparecer praticamente todo o nosso arrendamento. Basta lembrar que nós tinhamos cerca de um milhão de arrendamentos nos anos 80 e passámos para 700 mil muito antes do AL. Perderam-se 300 mil arrendamentos porque as pessoas achavam que o regime legal não assegurava a confiança para arrendar – aliás, tal como agora continua a não dar essa confiança depois das alterações que foram feitas consecutivamente à Lei das Rendas que surgiu em 2012…
Mas há quem espere que estas casas alocadas ao AL possam vir a colmatar agora a falta de imóveis para arrendamento de longo curso. Quer dizer que não é expectável esse cenário?
O desaparecimento do turismo junto do alojamento local é um grande prejuízo mas não permite recuperar arrendamento, isso não.
Por uma razão óbvia: quem estava no AL e não colocou a casa no arrendamento, com estas moratórias não é agora que vai colocar. Preferem esperar por melhores tempos para o AL, até porque a situação fiscal é penalizadora… Não se percebe, por exemplo, porque é que quando se sai do AL para o arrendamento e deste novamente para o AL há consequências fiscais se é exatamente o mesmo imóvel e a mesma pessoa que está a dedicar-se ao negócio…
Mas a verdade é que se colocou esta situação fiscal. Por esse motivo e, por outro lado também, as sucessivas moratórias que foram decretadas e as suspensões das denúncias de contrato levam a que as pessoas vejam o arrendamento como uma armadilha. Neste momento não há nenhuma tendência para ir para o arrendamento. Quem não pode esperar por melhores dias no alojamento local, pura e simplesmente, estará a tentar vender o imóvel.
Qual é o peso do arrendamento no mercado imobiliário nacional?
Em Portugal, para alguém arrendar um imóvel tem que pensar que o arrendamento é temporário e que recupera o imóvel ao fim do prazo do contrato. Em consequência do congelamento das rendas, deixámos a percentagem do arrendamento chegar a 14% do parque imobiliário nacional – isto quando na Europa anda à volta de 40%. Isto provocou uma situação de dívida privada gigantesca no nosso país, o que levou até, anteriormente, à imposição da própria Troika para que se fizessem alterações na Lei do Arrendamento em 2012. Mas quando a Troika saíu, tudo voltou atrás e a Lei do Arrendamento ficou outra vez penalizadora. E, portanto, neste momento, quem quer casa tem que a comprar.
Programas como a Renda Segura da câmara de Lisboa (que arrenda imóveis a privados e depois os subarrenda a preços mais baixos) poderão ser um balão de oxigénio para senhorios e inquilinos?
Com a Câmara a querer pagar as rendas que faltam, enfim, aí vejo algum interesse dos proprietários nesse programa. Agora acho que a Câmara acabará por perder dinheiro nessa situação por arrendar a preços inferiores ao que recebe e, portanto, vai acabar por funcionar como subsídios aos inquilinos. E nós estamos a ter um setor de arrendamento público gigantesco em Portugal. Em Lisboa, ainda antes deste programa, já tínhamos 25% da população de Lisboa arrendatária da Câmara Municipal. Não acho que isso seja comum em qualquer parte do mundo.
Mas é uma forma de garantir alguma oferta de casas a preços mais acessíveis…
A melhor forma de assegurar Habitação no mercado seria liberalizar o arrendamento. Nós temos a experiência do que aconteceu em 2012. Apesar de ter sido um período muito curto, percebeu-se que funcionou. A partir daí, as rendas até caíram a pique porque começaram a aparecer casas para arrendar pois os senhorios perceberam que pela primeira vez estava a ser feita uma reforma que permitia liberalizar o arrendamento.
O grande problema que nós temos no nosso país é a falta de mobilidade no âmbito do arrendamento. Nos outros países, o que sucede é que se uma pessoa acha que a renda está alta muda-se para outra casa mais pequena que há ali ao lado, mas aqui não há muitas alternativas.
Ainda assim, as rendas já começaram a baixar. Diria que é uma tendência que se irá manter?
Isso aconteceu na outra crise e acontece com alguma frequência. A verdade é que muitas vezes os proprietários preferem manter um inquilino que cumpre as suas obrigações, mesmo com uma renda mais baixa, do que perder esse inquilino. Isso tem acontecido e não é algo que seja novo, na crise anterior aconteceu imenso, ou seja, muitos proprietários baixaram a renda em consequência dessa situação, fossem habitacionais ou comerciais. O que não existia eram estas moratórias em que as pessoas deixavam de pagar e não diziam nada. E isso é distinto da crise anterior em que de facto permitia acomodar essas dificuldades através da negociação. No fundo, os senhorios percebem que não podem exigir rendas muito altas se os inquilinos não podem pagar. Naturalmente, havendo um historial de cumprimento, os proprietários preferem renegociar as rendas do que perder o inquilino, ainda mais nesta situação de crise.
E estamos a falar de descontos, baixas de rendas, na ordem de quanto em percentagem?
Varia também consoante a situação em que se estiver. Normalmente, fala-se em reduções na ordem dos 10% ou 20%.
Qual a sua perspetiva a médio prazo para este mercado que irá sofrer ainda durante algum tempo o efeito da pandemia?
Sem haver uma alteração profunda do atual enquadramento legislativo é extremamente difícil que possa voltar a haver um mercado de arrendamento. Penso que se teria de voltar a prazos de arrendamento muito mais reduzidos que os atuais, que é a forma de convencer as pessoas e garantir que as pessoas recuperam o seu imóvel no fim do prazo. Porque isto é que assusta mais o proprietário: é que lhe digam que não é temporário e que o inquilino pode nunca sair do imóvel depois de o arrendar.