“O Banco Central Europeu vai subir os juros e Portugal vai sofrer com os efeitos da cura, sem ter tido o benefício de uma expansão desenfreada”

“O Banco Central Europeu vai subir os juros e Portugal vai sofrer com os efeitos da cura, sem ter tido o benefício de uma expansão desenfreada”

Escreve em jornais, com regularidade, desde finais de 2015. É a favor das liberdades individuais, mas afirma-se como “um liberal de esquerda” porque acredita que o papel redistribuidor do Estado é imprescindível para reduzir as desigualdades, mesmo que à custa do aumento de impostos. Apoiou as reformas da Troika e criticou a subida do salário mínimo, convencido de que aumentaria o desemprego. Não teve outro remédio senão admitir que estava errado. À VISÃO, Luís Aguiar-Conraria, 47 anos, confessa que não tem medo de dizer “disparates” e fala sobre economia e política.

Depois da “página da austeridade”, o PS quer virar “a página da pandemia”. Como? Aumentando o Salário Mínimo Nacional (SMN) e propondo a semana dos quatro dias de trabalho?
A página da pandemia não se vira enquanto a pandemia não passar. Se admitirmos que esta é a última vaga de Covid-19 e que entramos em endemia, o programa eleitoral do PS faz-me alguma impressão pela falta de soluções. É mais do mesmo.

Repete a fórmula anterior?
Não. A fórmula de 2015 ficou pelo caminho com a Geringonça. Não costumo ler programas eleitorais, mas em 2015 li o programa macroeconómico do PS porque estava preocupado em saber se iria deitar abaixo o que tinha sido feito. Queria ter a certeza de que as manias despesistas do PS tinham desaparecido. Do ponto de vista dos défices, foi cumprido, mas o resto foi ao ar na primeira semana de negociações com Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. O PS de agora não está a recuperar esse programa. Está simplesmente a tentar fazer uma Geringonça sozinho. Mas estamos na mesma: O SMN baixo é um problema, mas o problema não é alguém começar com um SMN de €700. O problema é que, três anos depois, está a ganhar €730 ou €750. A evolução salarial é muito lenta.

Então, o problema são os salários baixos?
O salário médio e o mediano são muito baixos. Devíamos discutir como subir os salários médios de forma sustentada.

Quem desvalorizou os salários foi o governo PSD/CDS com o apoio da Troika, cujas reformas elogiou…
Não consigo culpar a Troika pela diminuição dos salários. Foi uma consequência do aumento brutal do desemprego causado pela crise. O desemprego subiu muito depressa, mas também desceu muito mais depressa do que era previsível. E a rapidez com que desceu surpreendeu-nos a todos.

Mas o salário médio não subiu…
Não há grande volta a dar enquanto a produtividade não crescer.

O avanço da digitalização não está já a fazer crescer a produtividade?
Não, não. Espero que seja a tendência, mas não tem crescido. Se for assim, o PIB vai aumentar. E se os salários não aumentarem, então aí, sim, há um problema negocial do lado dos trabalhadores, é necessário dar-lhes mais força.

A bazuca vai resolver os problemas do País? Ou estamos apenas a atirar dinheiro para cima deles?
Espero que não, mas a minha previsão é essa. Quando pensamos no cuidado que outros países tiveram em definir os seus Planos de Recuperação e Resiliência (PRR)… Nós convidámos uma pessoa e pronto. O Governo fez o resto.

Se admitirmos que esta é a última vaga de Covid-19 e que entramos em endemia, o programa eleitoral do PS faz-me impressão pela falta de soluções. É mais do mesmo

Não está otimista sobre o PRR?
Não, não estou. Temos um problema demográfico tremendo, uma população superenvelhecida, que nos vai trazer problemas na Segurança Social, e estamos simplesmente a empurrar com a barriga. O envelhecimento tem outra consequência. Quem tem ideias e quem faz inovação não são os velhos, são os novos. Não são as pessoas de 50 anos como eu… bem, eu ainda tenho 47 [Risos]. São as de 25 e de 30! Estes desequilíbrios também têm impacto na produtividade. Poderíamos combatê-los com uma aposta brutal na educação, mas não vejo isso no PRR.

Defendeu que quem não perdeu rendimentos durante a pandemia deveria pagar mais impostos. Como é que um liberal, embora afirmando-se de esquerda, pode apoiar um aumento de impostos?
As pessoas que, como eu, beneficiaram dos confinamentos, não tiveram custos nenhuns e até acumularam dinheiro. Isso foi conseguido à custa da paragem do setor cultural, do turismo e por aí fora. Se estou a beneficiar pelo facto de outros não trabalharem, acho que devo contribuir para isso. Um liberal é a favor do conceito do utilizador-pagador. Deveríamos ter sido mais solidários com os que foram parar à pobreza.

Quando a pandemia acabar, há espaço para descer impostos? Há partidos que defendem uma taxa única de IRS…
Prefiro não falar do Chega porque não é sério. A IL deve propor isso com convicção, mas uma taxa única iria agravar brutalmente as desigualdades. Por mais que a IL diga que ninguém ficaria prejudicado, faltariam as receitas para a escola pública e para outras coisas. Parece que não olham para a questão das desigualdades, e eu não consigo fazer de conta que não é um problema… Mas revejo-me na necessidade de simplificar o sistema fiscal. Como o esforço fiscal é elevado, os governos estão sempre com medidas e medidinhas para disfarçar que estão a cobrar mais impostos, e isso vai introduzindo ineficiências.

Afinal, o que é um liberal de esquerda?
Sou liberal porque acredito que, quando os mercados funcionam, são melhores do que o Estado. O Estado deve ter um papel essencialmente regulador. Mas também sou de esquerda porque não consigo deixar de olhar para a outra função essencial do Estado, que é a da redistribuição.

A inflação é temporária ou é estrutural e veio para ficar?
Desde há dez anos que há economistas a prever que a inflação vai disparar. Erraram claramente.

Uns erram em relação à inflação, outros em relação ao efeito do aumento do SMN no desemprego…
É… [risos]. Esses economistas previam a subida da inflação por causa das políticas monetárias incrivelmente expansionistas. Outros dizem que, quando os governos praticam políticas orçamentais expansionistas, provocam uma subida da inflação. Neste momento, temos as duas coisas: dez anos de políticas monetárias expansionistas e, devido à Covid-19, políticas orçamentais superexpansionistas no mundo inteiro. Simultaneamente, temos as restrições do lado da oferta, que está a ter dificuldades em acompanhar o aumento da procura. E não nos podemos esquecer de que a subida dos preços da energia deve ter vindo para ficar.

Então, é estrutural?
Acho que sim, porque já se começa a acumular. Não quer dizer que vá durar para sempre, mas combatê-la vai ter custos elevados. O Banco Central Europeu vai ter de subir os juros, e isso vai ter custos iguais para todos. Apesar de Portugal ter a segunda ou terceira taxa mais baixa da zona euro [2,8% em dezembro], pode sofrer mais do que os países onde é mais alta – há países com 7%, 8% e 10%. Vamos sofrer com os efeitos da cura, sem termos tido o benefício de uma expansão desenfreada. Mas posso estar enganado, já me enganei tantas vezes. Será só mais uma… [Risos].

Ao fim de seis anos a escrever em jornais, vê-se como um fazedor de opinião? Influencia quem o lê?
É por ondas. Escrevo de forma muito despreocupada. Tive uma fase em que achava que podia escrever o que quisesse porque ninguém me ligava nenhuma. Depois comecei a achar que tinha impacto. Quando Mariana Vieira da Silva foi promovida a ministra, escrevi no Público que era inadmissível ter pai e filha no Governo. A partir daí, o discurso mudou completamente. Depois disso, já me convenci outra vez de que não tenho grande impacto. Quer um exemplo? Escrevi sobre o enorme e absurdo conflito de interesses da nomeação de Mário Centeno para o Banco de Portugal, e ele, durante a pandemia, convidou-me para fazer um workshop. Sou tão irrelevante que nem consigo chatear os alvos das minhas crónicas [Risos].

Dá-lhe gozo ser o enfant terrible da opinião económica?
O facto de não me levar a sério não quer dizer que não seja sério. Não tenho medo de dizer disparates, mas não quer dizer que diga muitos disparates. Há muitos que têm medo e que os dizem constantemente. Ser sério é reconhecer que me enganei, como no caso do SMN. É até mais um exemplo da minha falta de influência. Ninguém ligou nada ao que eu escrevi, e ainda bem [Risos]. Se tivessem ligado, teriam seguido a política errada.

É lido à esquerda ou à direita?
Quando estava no Observador, era lido mais à direita. Muitos bloggers faziam por me ignorar e descartavam-me. Quando mudei para o Público, passaram a responder-me e a desfazer os meus argumentos. Agora, no Expresso, não consigo perceber. Mas também não interessa. Quando o meu pai, Cristóvão de Aguiar, escreveu os primeiros livros, os críticos discutiam se eram romances, contos ou diários. No livro seguinte, o meu pai escreveu: “Romance ou o que lhe queiram chamar.” Estou na mesma: liberal de esquerda ou o que me queiram chamar.

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