A DECO Proteste vai avançar com uma ação num tribunal cível contra a Apple por práticas comerciais desleais. Em causa está a estratégia de obsolescência programada da marca de Cupertino. A associação de defesa do consumidor considera que as atualizações do sistema operativo iOS (a versão 10.2.1, neste caso), em 2017, tornaram mais lentos os iPhones que já não eram recentes, especificamente os modelos 6, 6 Plus, 6s e 6s Plus. A alegação é que, com esta perda propositada de desempenho, a Apple induziu os consumidores a substituírem os modelos antigos por novas versões ou, pelo menos, a pagarem a troca da bateria.
A iniciativa da DECO Proteste faz parte de um conjunto de ações levadas a cabo pela Euroconsumers e que já contribuiu para processos similares em Itália através da Altroconsumo, em Espanha através da OCU e na Bélgica através da Test-Achats.
Em entrevista à Exame Informática, Tito Rodrigues, responsável jurídico da DECO Proteste, explica que a ação em Portugal deverá entrar no tribunal até ao final de fevereiro e que será similar à que foi interposta em Itália, que, recorde-se, pede uma indemnização no valor de 60 milhões de euros. O jurista refere que os números finais ainda estão a ser apurados, mas que, para já, apontam para um universo de 180 mil utilizadores de iPhones 6, 6 Plus, 6s e 6s Plus em Portugal no período entre 2014 e 2020.
Este número de utilizadores fica bem abaixo dos 1,6 milhões em Itália, pelo que o valor da indemnização também deverá ser bem mais reduzido. Tito Rodrigues explica que a média do valor pedido por cada utilizador deve rondar os 60 euros e que ainda está a ser estudada a possibilidade de adicionar os iPhones 7 e SE à ação. Em contas preliminares, o valor do pedido de indemnização à Apple em Portugal pode rondar os 10 milhões de euros.
Tito Rodrigues está otimista quanto ao desenrolar do processo, pois este “é um problema já admitido pela marca” e que até levou a Apple a chegar a acordos nos Estados Unidos (500 milhões de dólares em março de 2020) e Austrália, por exemplo. O jurista admite que a DECO Proteste está igualmente disposta a chegar a acordo, até porque tal passa uma mensagem apelativa ao público de admissão do erro por parte da empresa, mas que “a Apple não está a mostrar interesse” nesta solução, alegando que resolveu o problema quando aceitou trocar as baterias dos smartphones a preço de custo. Se tal não se vier a concretizar, a associação de defesa do consumidor mostra-se disponível para lutar até às últimas instâncias.
Quando questionado sobre em que data seria previsível ter uma decisão, favorável ou desfavorável, por parte do tribunal, Tito Rodrigues recusa fazer um “exercício de futurologia” porque este tipo de processos pode arrastar-se em Portugal, dando como exemplo uma ação da DECO Proteste contra o BES que está a decorrer há mais de quatro anos. Contudo, o jurista alerta que as decisões tardias têm tendência para favorecer as marcas e que a Apple parece considerar que há clientes de primeira e clientes de segunda, uma vez que chegou a acordo em países onde os ordenamentos jurídicos são mais punitivos.
Em nome de todos
Como esta é uma ação coletiva, a DECO Proteste está a proteger até à sentença os já referidos cerca de 180 mil utilizadores, mesmo que eles não tenham sido individualmente identificados. Quem, contudo, estiver interessado em aliar-se à batalha jurídica da associação pode saber mais detalhes na página oficial. No caso de vir mesmo a ser atribuída uma indemnização, o valor será distribuído pelos lesados identificados e por entidades como a Direção-Geral do Consumidor, que terá depois de o investir em ações de formação.
A Exame Informática contactou a Apple e atualizará o artigo quando tiver uma resposta oficial da marca. Em declarações referentes ao processo interposto na Itália, um porta-voz da Apple afirmou por email à Reuters e ao The Verge: “Não fizemos – nem nunca faríamos – nada para encurtar intencionalmente o tempo de vida de qualquer produto Apple ou degradar a experiência de utilizador para levar os consumidores a mudar. O nosso objetivo sempre foi criar produtos que os clientes amem e fazer que os iPhones durem o máximo possível é uma parte importante disso”.